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Estratégia de Estado e Teoria Conspiratória

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Manifestação contra o golpe de 1964 na Cinelândia
Manifestação contra o golpe de 1964 na Cinelândia - Acervo Iconografia
O golpe atual é determinado, novamente, pelos interesses estratégicos dos EUA

Em seu livro "Os Estados Unidos no desconcerto do mundo", o professor da Unicamp, Sebastião Velasco e Cruz, desenvolve o conceito de uma grande estratégia de Estado, que determina decisões políticas internacionais, para além do revezamento entre presidentes republicanos ou democratas.

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Os golpes militares nas décadas de 60 a 80 foram pautados por uma estratégia de Estado dos EUA que se fundamentava na lógica da Guerra Fria.

No Brasil, os que acharam que o golpe militar era um mero evento passageiro, retomando o curso democrático em 1966, pagaram caro pelo erro. Inclusive, inúmeros apoiadores civis do golpe, como Carlos Lacerda, Adhemar de Barros e Magalhães Pinto, entre tantos outros.

Durante um longo período, as suspeitas de envolvimento estadunidense eram acusadas de teoria conspiratória. 

Somente em 1981, dezessete anos após o golpe militar, é que veio à tona uma análise fundamentada demonstrando que o envolvimento estadunidense não era uma "teoria conspiratória". O livro de René Armand Dreifuss, “1964: A conquista do Estado (Ação política, poder e golpe de classe)”, apoiado em ampla documentação, coletava provas irrefutáveis sobre a criação de institutos como o IPES/IBAD, atuação e lobbies de financiamento para a eleição de deputados golpistas desde 1962 e toda a atuação na campanha de cerco e desestabilização do presidente João Goulart.

Desde então, a abertura dos arquivos históricos comprovou o que já se sabia. Os Estados Unidos desenvolveram uma estratégia de arquitetar, financiar e armar golpes militares em todo o mundo, com ênfase em nosso continente. Participaram ativamente da repressão às revoluções e sustentaram as ditaduras, transformando-as, como no Chile, em verdadeiro laboratório de suas experiências econômicas.

O golpe atual é determinado, novamente, pelos interesses estratégicos do Estado estadunidense que se expressam na hegemonia do capital financeiro e das corporações transnacionais. Seu principal suporte no Brasil segue sendo a burguesia associada e dependente que, como uma classe minoritária, amplia sua força social no conservadorismo da alta classe média, apropriando-se de forma oportunista do tema da corrupção. A grande mídia opera no plano ideológico mobilizando a alta classe média em torno do tema da corrupção.

Os novos golpes se inserem numa ofensiva que integra o esforço da grande estratégia estadunidense para manter sua hegemonia política, econômica e militar em nosso continente.

Porém, duas grandes diferenças entre o atual ciclo golpista e o produzido na ofensiva anterior ficam visíveis. 

A primeira é que já não são os militares, mas parcelas do aparato policial, do ministério público e do Poder Judiciário, que representam o braço estatal do golpe tendo como centro articulador um poderoso e concentrado grupo midiático.

A segunda é que, ao contrário dos golpes militares, a estratégia estadunidense já não aposta em Estados fortes, que cumpriram um papel de contenção do avanço do campo socialista na Guerra Fria. Os atuais golpes querem que as margens de decisão política se tornem cada vez mais estreitas e possam ser exercidas somente se não afetarem as bases determinantes da política e economia. Estados fracos e aprisionados na blindagem do neoliberalismo.

Seu objetivo é reverter e inviabilizar as alianças de classe e os projetos de desenvolvimento nacional e regional que viabilizaram e marcaram os governos progressistas em nosso continente, perceptível na natureza das medidas que constam em seus respectivos programas. Em suma, inviabilizar a soberania.

Sem compreender isso, seguiremos tratando o golpe como um episódio superável, seguindo na mesma lógica de um período anterior, sem compreender as mudanças em curso.

* Ricardo Gebrim é Advogado e membro da Direção Nacional da Consulta Popular

Edição: Tayguara Ribeiro