Especial Eleições

Artigo | Quais são as propostas dos presidenciáveis para a atividade mineradora?

Apenas candidatos situados no campo progressista citam diretamente a mineração em seus planos de governo

Brasil de Fato | São Luís (MA) |
Maioria dos candidatos à presidência simplesmente oferece a gestão do setor minerador à ação das forças de mercado
Maioria dos candidatos à presidência simplesmente oferece a gestão do setor minerador à ação das forças de mercado - Pixabay

Os possíveis efeitos da atividade, como os recentes crimes socioambientais da Norsk Hydro, em Barcarena, e da Samarco, na bacia do rio Doce, ressaltam a importância do debate acerca da mineração envolvendo toda a sociedade brasileira. Assim, o objetivo deste texto é analisar os planos de governo dos candidatos à presidência destacando como cada candidato propõe lidar com a atividade mineradora.

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O primeiro passo foi examinar quais planos de governo citam diretamente a mineração. Apenas os candidatos situados no campo progressista citam diretamente a mineração: Ciro Gomes (PDT), Lula (PT) e Guilherme Boulos (PSOL). 

Entende-se que pela omissão do tema da mineração, ou pela referência limitada, aliada às outras propostas dos programas, os candidatos Bolsonaro (PSL), João Amoêdo (Novo), Henrique Meirelles (MDB), Cabo Daciolo (Patriota), Marina (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB) e Álvaro Dias (PODE) consideram-na de menor relevância ou presumem que esta atividade não deva ser alvo central da ação do Estado. 

As duas concepções são equivocadas. A mineração afeta milhões de pessoas ao longo do território brasileiro por meio de minas, usinas, barragens de rejeito, ferrovias, minerodutos e portos, impacta decisivamente lençóis freáticos e rios, o que a torna de extrema relevância para o debate público, contrariando a ideia de ser uma atividade irrelevante.

Levando em conta as outras propostas dos referidos candidatos, o mais provável é que pressupõem que a mineração deva ser objeto predominantemente da ação do mercado, que determinaria os preços e as quantidades de equilíbrio da economia, impedindo que possíveis distorções fossem produzidas pelo Estado. É preocupante que a maior parte dos candidatos à presidência simplesmente ofereça à ação das forças de mercado a gestão do setor minerador.

Vários são os assuntos importantes ignorados pelas propostas, tais como a criação de canais efetivos de participação popular na mineração, ampliação da fiscalização e monitoramento de barragens de rejeito e outras infraestruturas, a insuficiência da CFEM e os repasses para a educação e  a saúde, a diversificação econômica das regiões mineradas, as Áreas Livres de Mineração e a situação do garimpo e dos trabalhadores de grandes mineradoras. Considerando os planos dos candidatos à presidência, a discussão sobre a mineração tem muito a avançar.

Bolsonaro
O programa do candidato Jair Bolsonaro (PSL) não cita a atividade mineradora, mas menciona o grafeno e o nióbio. Segundo o programa, o Brasil se tornaria um “centro mundial de pesquisa e desenvolvimento” em nióbio e grafeno. Além da evidente lacuna na maneira através da qual o país se tornaria um centro de desenvolvimento e pesquisa em nióbio e grafeno, a pauta do nióbio em particular é superestimada. Aparecendo recorrentemente nos discursos de Bolsonaro, o nióbio seria o trampolim da redenção econômica e social do Brasil. Entretanto, as características do mercado de nióbio são mais complexas do que aparece no discurso do candidato. O nióbio é utilizado em geral para a produção de ligas metálicas, fornecendo maior resistência ao material, e 98% das reservas conhecidas no mundo estão no Brasil, sendo responsável por mais de 90% do volume comercializado no planeta. Porém, outros minerais podem substituí-lo nesta função, tal como o vanádio e o titânio, possibilitando que, no caso de aumento do preço do nióbio, este seja substituído por outros materiais. Ainda, a quantidade de nióbio necessária para conferir resistência às ligas é mínima, fazendo com que as outras reservas minerais presentes em outros países, mesmo que de menor extensão, sirvam para a indústria por muito tempo. Assim, dificilmente o nióbio seria um recurso base para o desenvolvimento de um país como o Brasil. Sendo assim, o tema do nióbio surge mais como manobra que visa angariar votos do que como proposta efetiva. . Por fim, o plano de Bolsonaro nada diz acerca da insuficiente CFEM - Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais do nióbio, apenas 3% da receita bruta das empresas1.

Marina
Marina merece uma menção mais detalhada pois tradicionalmente a pauta ambientalista é central em suas propostas. Considerando o ambientalismo como pauta tradicional de Marina, impressiona a omissão no programa de Marina da atividade mineradora e dos crimes socioambientais de Mariana e Barcarena. Ainda, confirmando o ambientalismo como pauta frequente da candidata, a sustentabilidade é uma das diretrizes do programa de Marina. Entretanto, fica difícil saber como essa sustentabilidade será atingida se a mineração sequer é citada no plano de governo.

Vera Lúcia 
O único programa dos candidatos do campo da esquerda que não cita diretamente a mineração é o de Vera Lúcia (PSTU). Entretanto, a empresa Vale aparece como objeto de suas propostas. A empresa, que foi privatizada pelo governo de Fernando Henrique em 1997, seria reestatizada caso a candidata do PSTU seja eleita. 

Ciro Gomes
Defendendo um “plano nacional debatido por toda a sociedade”, Ciro Gomes coloca em pauta uma aliança entre os setores público e privado que estabeleça “políticas de desenvolvimento focadas na expansão da competitividade dos setores produtivos”, tal como a mineração, que gera importantes “divisas para as contas externas do país”. Ainda, a mineração aparece quando o plano trata da relação com a China, que deve ser reconstruída e condicionada pela colaboração com o governo brasileiro e as empresas. Apesar de ser um primeiro passo, as políticas de desenvolvimento quando restritas aos interesses de empresas multinacionais e governo implicam em expansão do setor sem contrapartida para as populações das regiões afetadas pela mineração. Ainda, estas populações costumam sofrer com os notórios impactos e danos causados pela atividade. Sendo assim, qualquer política voltada para a mineração deve ter no centro de seu processo deliberativo os interesses desta população, o que não pode ser constatado no plano de governo de Ciro Gomes.

Lula
O programa de Lula, alinhado às propostas de movimentos sociais, tal como o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), propõe um novo modelo de mineração. Esta proposta está diretamente associada à ideia de soberania nacional e popular, tema do 1º capítulo do plano de governo. A soberania popular e nacional envolve uma ampla reforma política com participação popular, que busca aprofundar a democracia. Assim, também o modelo de mineração vigente no Brasil seria substituído por um novo modelo envolvendo forte participação popular. Este novo modelo seria guiado pela criação de um novo marco regulatório da mineração guiado pelos interesses populares e nacionais. Destaca-se neste novo modelo “a instituição de políticas para as comunidades atingidas pela mineração”. Também se coloca como proposta o incremento da fiscalização e da regulação da atividade mineradora, duas medidas essenciais para evitar violações como as de Mariana e Barcarena, que são citadas no programa.

Boulos
O plano de governo de Guilherme Boulos (PSOL) trata com maior acuidade os temas por ser o mais extenso dos programas. O plano de Boulos faz um longo e acertado diagnóstico acerca das condições da mineração no Brasil: as mudanças legislativas na mineração a favor da iniciativa privada durante o governo Temer; o aumento no campo de tragédias ambientais, como as de Mariana e Barcarena; o desmatamento da Mata Atlântica causada pela atividade mineradora; a destruição de rios e aquíferos pelo agronegócio e a mineração; a apropriação privada de territórios pelas empresas mineradoras. As propostas do plano para a mineração são a nacionalização do setor de mineração e a desapropriação de “terras de empresas que são responsáveis por grandes tragédias sociais e ambientais”, como é o caso da Samarco.

Edição: Daniela Stefano