ESPORTE E LITERATURA

O futebol ao pé da letra

A grande paixão nacional também pode ser encontrada nas prateleiras

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Extensa literatura com temática do futebol na América Latina vai da ficção ao documental
Extensa literatura com temática do futebol na América Latina vai da ficção ao documental - Divulgação

Quando a Copa do Mundo se iniciava, o escritor uruguaio Eduardo Galeano colocava uma placa na porta da sua casa: “fechado por motivo de futebol”. Conhecido por livros que retratavam a realidade latino-americana, como o clássico “As veias abertas da América Latina”, Galeano se definia como um “mendigo do futebol”, sempre implorando por uma boa partida.

A paixão de torcedor se transformou em um livro “O futebol sob sol e sombra” (L&PM) onde conta histórias que ouviu ou testemunhou. A cada Copa, acrescentava um novo capítulo. Falecido em 2015, seus amigos e editores decidiram homenageá-lo, reunindo outros textos sobre futebol numa nova coletânea, justamente batizado de “Fechado por motivo de futebol”.

Galeano não foi o único craque das letras a escrever sobre o futebol. Seu conterrâneo, Mario Benedetti também escreveu contos sobre grandes jogadores ou sobre o futebol amador, como “O Ponta Esquerda”, em que o craque de um time deve decidir se ganha a final de um campeonato ou aceita o dinheiro do time adversário para entregar a partida e ajeitar a sua vida.

Os argentinos também têm longa tradição de histórias sobre o futebol, porém não são traduzidos para o português e autores como Roberto Fontanarossa e Eduardo Sacheri são poucos conhecidos aqui.

Seleção de escritores no Brasil

Mas a seleção brasileira de escritores também é admirável. Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz, João Ubaldo Ribeiro estão entre os que já escreveram sobre esta grande paixão nacional. Entre os gaúchos está Aldyr Schlee, reconhecido e admirado tanto no Brasil quanto no Uruguai, com uma curiosidade: morador da fronteira, Schlee torce para a seleção uruguaia, mas na juventude foi ele quem criou a camisa canarinho, verde-e-amarela da seleção brasileira.

Um dos primeiros integrantes deste time foi o jornalista e dramaturgo carioca Nelson Rodrigues (1912-1980). Torcedor do Fluminense, as crônicas que escreveu fugiam do simples relato dos acontecimentos e eram verdadeiras declarações de amor ao futebol. Foi ele quem disse que o Brasil havia superado o seu complexo de vira-lata, o sentimento de inferioridade, ao conquistar a Copa do Mundo pela primeira vez em 1958. Suas crônicas foram reunidas em livros como “A Pátria de Chuteiras” e “Somos o Brasil”. Seu irmão, Mario Filho, também foi importante em defender o futebol na imprensa, foi homenageado com o nome oficial do Estádio do Maracanã

As histórias reais do futebol

Para os que preferem ler sobre histórias reais, também há muitas opções. O jornalista Juca Kfouri foi editor da revista Placar e trabalhou em diversos veículos e programas esportivos. Se tornou conhecido por denunciar a corrupção na CBF e na FIFA. Sua autobiografia, “Confesso que perdi” (Companhia das Letras), conta sua trajetória com o esporte, mas também sua atuação política.

O ex-jogador e atualmente comentarista Walter Casagrande também publicou sua autobiografia, onde além da passagem pela Democracia Corintiana, conta sua luta contra a dependência química. Casagrande, aliás, é tema também de “Casagrande & Sócrates – uma história de amor” de Gilvan Ribeiro, que retrata a parceria dentro de campo e amizade fora dele entre os dois jogadores desde a época em que jogaram no Corinthians.

O Dr. Sócrates, conhecido por suas convicções políticas – prometeu não jogar na Europa se o país aprovasse a emenda das Diretas Já em 1984, campanha em que se envolveu pessoalmente – é tema de outros livros, como a biografia escrita por Tom Cardoso e o testemunho de sua última esposa Kátia Bagnarelli.

Outros livros partem do futebol para entender o mundo e a sociedade, como faz o historiador Hilário Franco Junior, que já escreveu “A Dança dos deuses”, comparando a história política do Brasil com a do próprio esporte no país.

Já o historiador Gerson Fraga partiu da derrota do Brasil para o Uruguai na Copa de 1950, para discutir o racismo e a visão que o brasileiro tem sobre si mesmo em “O Maracanazzo – uma triste história de futebol no Brasil”. Com tantas opções, o certo é que quando as letras invadem a linha do campo, quem ganha são os torcedores-leitores.

 

Edição: Marcelo Ferreira