TRABALHO

A crise da indústria calçadista: 26 mil demitidos em sete anos

Em julho passado, duas empresas cerraram as portas. Ao todo, foram 900 trabalhadores demitidos

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Mesmo com as fábricas abertas algumas das empresas já tiveram a falência decretada.
Mesmo com as fábricas abertas algumas das empresas já tiveram a falência decretada. - Fotos: Divulgação-Abicalçados

A indústria calçadista do Rio Grande do Sul fechou 26 mil postos de trabalho nos últimos sete anos. É o que aponta levantamento da Federação Democrática dos Trabalhadores da Indústria de Calçados/RS. Seu presidente, João Batista Xavier da Silva, observa que, apenas em julho passado, duas empresas cerraram as portas: a Botero, de Parobé, e a Crisale, de Três Coroas. “A primeira demitiu 500 trabalhadores e a segunda 400.”

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Porém, na visão do diretor da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abical), Heitor Klein, não se trata de uma grande crise, mas somente uma dispensa sazonal. Ele admite que, desde 2016, o número de desempregados está aumentando em todo o Brasil.  “Em junho de 2017, o setor utilizava a mão de obra de 297,6 mil trabalhadores e, no mesmo mês de 2018, esse número baixou para 291,2 mil”. No mesmo período, segundo o IBGE, a venda de sapatos também caiu 3,5%.

As exportações que, em 2008, somavam 2 bilhões de dólares, despencaram 50%. Klein acrescenta que atualmente as exportações absorvem apenas 15% da produção brasileira. “Oitenta e cinco por cento segue para o mercado interno e esta também está caindo”, registra.

Para o empresário, a aguardada retomada da atividade econômica está demorando demais. E, por conta disso, há empresas fechando algumas plantas ou diminuindo a produção em algumas linhas. Os industriais ainda mantem as fábricas abertas na espera de uma reação das vendas, mas algumas das empresas já tiveram a falência decretada.

Uma atividade envelhecida

Tiago Souza, vereador e secretário de Formação do Sindicato dos Sapateiros de Campo Bom, conta que, desde seus 16 anos, trabalha no setor. Já esteve em vários departamentos. Sua última atividade é como mecânico de manutenção de máquinas. Diz que o setor está muito envelhecido, embora com alguma modernização nas máquinas, e os trabalhadores têm em média idade acima de 45 anos. 

“Os mais novos querem estudar e por isso procuram estágio em outras atividades. A indústria calçadista tem horário muito estendido”, afirma. Lembra que, na década passada, os jovens tinham que trabalhar e, se possível, estudar. Mais tarde, com a criação de muitos cursos técnicos, a situação se inverteu. “As famílias querem que os filhos estudem e ‘se der’, trabalhem”, repara.

O grande problema que Souza percebe é que pessoas que trabalharam 20 ou até 30 anos como sapateiros, “quando são dispensados, como está acontecendo agora, não encontram mais trabalho por causa da idade e também por não saberem fazer outra coisa”. Alguns dos desempregados colocam ateliês de artesanato para oferecer serviços terceirizados, mas ficam dependentes da situação do mercado e das outras grandes empresas.

Explica que, mesmo com a modernização da maquinaria, o calçado segue sendo um produto artesanal que tem que ter cortador, costurador, montador, etc.  E quando reacender a economia não haverá mais mão de obra capacitada.

Lembra que grandes marcas estão terceirizando os serviços para ateliês que empregam de 50 a 100 pessoas, de acordo com as encomendas.  Com a diminuição das vendas alguns desses ateliês vão sendo fechados e, dificilmente serão reabertos com um novo aquecimento do mercado.

Não é mais o principal setor da economia da região

Embora até o final do século passado o setor coureiro-calçadista representasse a principal atividade do Vale do Rio dos Sinos e até atraísse grandes contingentes de trabalhadores do interior gaúcho em busca de emprego, desde os anos 1990, com o Plano Real, perdeu esta condição. 

O presidente da Câmara de Vereadores de Campo Bom, vereador Victor de Souza (PCdoB), que também trabalhou na indústria de calçados, lembra que, naquela década, com a desvalorização do dólar, houve uma quebradeira geral das indústrias que tinham sua produção voltada para o exterior. “Somente sobreviveram as fábricas como a Beira Rio e Usaflex que produziam para o mercado brasileiro.”

Souza explica que, em Campo Bom, o setor representa hoje somente 33% da receita do município. No passado, porém,  esse percentual era de 90%. Município de 64 mil habitantes, Campo Bom tinha oito mil pessoas atuando no segmento. Em 2015, já eram somente quatro mil e hoje tem menos de duas mil pessoas.

Segundo ele, existem grandes grupos como Arezzo e Usaflex que contratam muitas empresas terceirizadas. “Mas grande parte dessas indústrias migraram para o Nordeste em busca de menos impostos e mão-de-obra mais barata”, explica. Na atualidade, o ramo de serviços é o mais importante da economia local. 

Edição: Marcelo Ferreira