Investigação

CPI pede renúncia de secretário-adjunto de Saúde da presidência de OSS em São Paulo

Antônio Rugolo Junior é presidente de uma das organizações sociais que mais lucrou com o orçamento da saúde

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CPI das Organizações Sociais de Saúde vota relatório final na Alesp
CPI das Organizações Sociais de Saúde vota relatório final na Alesp - Foto: Júlia Dolce

Os deputados estaduais membros da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Organizações Sociais de Saúde (OSS) votaram, na tarde desta quarta-feira (12), o parecer final dos mais de quatro meses de investigação. O relatório original denunciava o governador Márcio França (PSB), ex-vice do presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB) e candidato ao governo de São Paulo nessas eleições gerais, por crime de responsabilidade. No entanto, após intervalos para a discussão entre os deputados, a denúncia foi excluída do relatório. 

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O relatório foi aprovado por unanimidade pelos deputados na sessão plenária, realizada na sede da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). A denúncia contra França diz respeito à nomeação do secretário-adjunto de Saúde, Antônio Rugolo Junior, presidente licenciado da Fundação para o Desenvolvimento Médico e Hospitalar (Famesp), uma das organizações sociais que recebeu mais recursos do estado nos últimos anos. O texto inicial também incluía a representação junto ao Ministério Público contra o secretário-adjunto de Saúde do Estado.

No lugar da criminalização de França e Rugolo, em vista da discordância de parte dos deputados da comissão, foi pedido apenas um ofício para que o governador exija a renúncia do secretário-adjunto do cargo de presidente da Famesp nos próximos sete dias.

Relatório

O documento, com cerca de 140 páginas, pede a alteração da Lei Complementar (LC) 846/1998, que dispõe sobre a qualificação de entidades com organizações sociais, propondo um anteprojeto de LC que garanta maior transparência e rigor nos contratos entre o Poder Público e as OSS.

Entre as propostas apresentadas no PL estão a quarentena de um ano para empregar funcionários de OSS na administração pública, o fim do nepotismo, o entendimento de que médicos e funcionários públicos não podem ser sócios ou proprietários de OSS ou empresas quarteirizadas - empresas subcontratadas pelas instituições que firmam convênios com a administração pública -, e a observação do teto do salário do governador para a remuneração de dirigentes das instituições. 

O deputado estadual Carlos Neder (PT) foi o único que assinou o relatório com ressalvas, e se recusou a assinar o PL. Entre as justificativas do petista estão as de que os dirigentes não deveriam ser remunerados com recursos do fundo público e de que o modelo de quarteirização, ou subcontratação das empresas por partes de OSS, não está sendo fiscalizado. "Acho que há problemas no relatório e acredito que devemos continuar com o debate", afirmou.

Neder explicou que a retirada da representação contra o governador Márcio França e o secretário-adjunto foi uma resposta à crítica do deputado estadual Barros Munhoz (PSB) de que a abordagem era uma personificação do problema. "Deixamos claro que é incompatível a função do exercício do secretário-adjunto e a permanência dele licenciado até 31 de dezembro [como presidente da Famesp]. É algo inaceitável. Está muito claro que pediu um afastamento da presidência [da entidade] até o último dia desse governo. A pergunta que fica é: de onde veio a proposta de nomeá-lo? Por que os órgãos internos não foram consultados sobre a legalidade ou não da nomeação feita?", questiona. 

Projeto de lei

As medidas do PL respondem as 23 irregularidades na execução de convênios entre as entidades, o estado e municípios de São Paulo, apresentadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP), em maio deste ano. Entre as principais irregularidades pontuadas estão contratos entre parentes de dirigentes de organizações não-governamentais (ONGs), a suspeita de fraudes nas folhas de ponto dos hospitais, a quarteirização de atividades-fim e a remuneração paga a dirigentes acima do teto estabelecido por lei.

Em agosto, uma decisão judicial determinou a divulgação dos salários dos dirigentes das OSs que mantêm contratos com o governo estadual. Os valores chegam a R$ 26,8 mil, no caso do Hospital Geral de Itapevi, administrado pela OSS Cruzada Bandeirante São Camilo. Até junho deste ano, o teto para o funcionalismo público no estado era de R$ 21 mil.

Neder destacou ainda que parte do texto final do relatório faz apologia à política de expansão das OSS no estado. Isso porque, em sua conclusão, o documento enfatiza que o modelo de parceria com organizações sociais foi bem sucedido em São Paulo e "veio para ficar". "Qualquer posicionamento em sentido contrário transmitiria uma ideia irreal de que o Poder Público teria a capacidade de absorver diretamente toda a assistência hoje prestada por intermédio das OSS, condição que sabemos nem de longe corresponder à verdade", diz o relatório.

"Quando chegamos ao final do relatório é feita toda uma defesa dessa modalidade que, de preferência, se tornou quase como exclusiva nesses governos que temos tido em São Paulo. Não cabe essa defesa tão enfática. Eu defendo a ideia de que é preciso haver diferentes modalidades de gestão até para podermos fazer uma análise comparativa mais isenta entre elas. O Poder Público compra análises de mercado e auditorias de empresas pagas por eles, para dizer a eficiência do modelo", criticou.  

Marca tucana

As OSS representam uma das principais marcas do governo do PSDB no estado de São Paulo, pioneiro na contratação de entidades para o gerenciamento de serviços públicos de saúde. Nos últimos cinco anos, as organizações receberam mais de R$ 50 bilhões dos cofres públicos. Atualmente, o orçamento destinado às entidades representa 25% do orçamento da pasta da saúde, ou R$ 5,6 bilhões apenas em 2018. Hoje, existem 46 OSS no estado de São Paulo, das quais, 29 estão vinculadas à Secretaria de Saúde do Estado. Atualmente, são cerca de 40 mil funcionários de OSS trabalhando nos hospitais paulistas. 

Na opinião de Mauri Bezerra, conselheiro estadual da saúde, o modelo já se tornou uma política de estado em São Paulo. 

"Todos os hospitais novos estão sendo entregues para a OSS, [Ambulatórios Médicos de Especialidades] AMEs e [outros] ambulatórios também. É uma política de Estado já estabelecida. Hoje o estado [de SP] é refém das OSS, creio que se a gente não mudar o governo, ano que vem continuará essa política. Ao terceirizar o serviço, entregá-lo para terceiros, você está abrindo mão da gestão. Quem vai assumir terá toda a autonomia para gerir aquele recurso público. Esse é o principal argumento de todos os presidentes da OSS que foram prestar depoimento na CPI, que foram contratados para gerenciar, de que a forma não importa e sim as metas", afirma.  

Bezerra destaca que os governos deveriam ser responsabilizados pela "expansão descontrolada" das entidades e pelas irregularidades encontradas nas investigações. 

"Mas essa responsabilização é difícil. Alckmin estabeleceu, nos seus quatro mandatos, esse modelo. Quando ele mostra nas campanhas mostra as unidades mais novas, em funcionamento. Mas, a CPI levantou fatos concretos, demonstrou que em diversos hospitais o tratamento é igual ao da administração direta, cenário de guerra em pronto socorro, ambulatório, pacientes sem atendimento", completa.

Em sua campanha, Alckmin vem destacado a saúde pública de São Paulo, e sua formação de médico, como modelo para uma potencial gestão federal. 

A CPI completaria seis meses na próxima segunda-feira (17), data limite para seu encerramento. O relatório será entregue ao TCE para ser encaminhado à Secretaria Estadual de Saúde.

Edição: Cecília Figueiredo