Balanço

Raquel Dodge completa um ano à frente da PGR com atuação ambígua

Procuradora-Geral da República assumiu a instituição em meio a polêmicas políticas

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Dodge sucedeu Janot em período de fortes críticas à Procuradoria-Geral da República por conta de atuação na Lava Jato
Dodge sucedeu Janot em período de fortes críticas à Procuradoria-Geral da República por conta de atuação na Lava Jato - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Raquel Dodge completa, nesta semana, um ano à frente da Procuradoria-Geral da República, órgão de cúpula do Ministério Público brasileiro que é responsável, entre outras coisas, por apresentar acusações contra autoridades políticas cujos processos ocorrem no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal (STF).

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Ela sucedeu Rodrigo Janot no comando da instituição. À época, sua nomeação gerou especulações sobre que rumos daria à instituição, já que foi escolhida por Michel Temer (MDB) entre os nomes da lista tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República em detrimento de Nicolao Dino, primeiro lugar do rol e mais próximo de Janot.

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A observância da lista não é obrigatória, mas ao longo dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, o candidato mais bem votado sempre foi empossado, "tradição" quebrada após o golpe de 2016. 

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A substituição de Janot por Dodge se deu em um momento em que atuação da PGR estava sob intenso questionamento, principalmente no que toca à Lava Jato, por conta de questões como a colaboração de executivos da JBS, que chegaram a ter os benefícios anulados pelo STF posteriormente.

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Uma das polêmicas foi a atuação de Marcelo Miller, que trabalhava no gabinete de Janot, em empresa de advocacia que defendia os integrantes da empresa. A colaboração, que contou com a gravação de áudios, foi considerada ilegal por muitos juristas, e embasou as duas denúncias contra Temer rejeitadas na Câmara dos Deputados. A forma como as delações eram fechadas -- e muitas vezes vazadas -- também levantava ataques à credibilidade da instituição.  

Em seu discurso de posse, Dodge sinalizou uma possível mudança de perspectiva em relação a Janot, afirmando que sua atuação visaria garantir que "ninguém esteja acima da lei e ninguém esteja abaixo da lei". Mas seu primeiro ano à frente da PGR significou poucas mudanças na esfera dos posicionamentos da instituição quando se trata da interpretação da lei.

Abusos

A atual procuradora-geral da República, por exemplo, se manifestou favoravelmente à possibilidade de prisão após condenação em segunda instância em todas oportunidades que o tema foi debatido no STF. A Constituição diz que a privação de liberdade só pode ocorrer após todos os recursos terem sido esgotados, o que inclui não só a segunda instância, mas também o STJ e o STF.  

Dodge também se manifestou favoravelmente à possibilidade de condução coercitiva -- ou seja, do uso de força policial para forçar a prestação de depoimentos -- sem convocatória prévia que tenha sido desrespeitada pelo investigado, prática bastante utilizada pela operação Lava Jato.

Após a maioria do STF rejeitar tal entendimento, o Ministério Público passou a pedir prisões preventivas e temporárias. O último caso a ganhar holofotes foi o de Beto Richa (PSDB), ex-governador do Paraná e candidato ao Senado. Posteriormente, o ministro Gilmar Mendes concedeu liberdade ao tucano. Dodge, por sua vez, pediu que a prisão fosse restaurada e a questão decidida no Plenário da Corte.

Em temas fora da esfera penal, como a defesa de povos tradicionais e o combate ao trabalho escravo, Dodge tem mostrado sensibilidade. Na primeira questão, por exemplo, se manifestou contra a tese do marco temporal, que defende que indígenas e quilombolas só teriam direito a territórios que ocupavam efetivamente no momento da promulgação da Constituição, em 1988. Em relação ao aborto, cuja criminalização é contestada no STF, tem demorado a apresentar seu parecer, afirmando que esperaria o fim das audiências públicas sobre o tema para se posicionar. 

Processos

Uma das críticas recorrentes à sua condução da PGR é a de que Dodge se posiciona tardiamente. Quando, em fevereiro, por exemplo, Fernando Segovia, então diretor da Polícia Federal, afirmou em entrevista que seria arquivado por ausência de provas o inquérito contra Temer relativo ao Decreto dos Portos, que supostamente teria beneficiado empresas ligadas ao emedebista, o ministro do STF Luís Roberto Barroso pediu esclarecimentos ao policial pelas declarações à imprensa. A PGR se manifestou dias depois sobre o assunto, no mesmo documento em que pediu a prorrogação da investigação.

A atuação da Procuradoria-Geral em relação a Temer, na qual se inclui o referido inquérito, é outro alvo de polêmicas. Dodge inovou em relação a Janot ao entender que é possível investigar o presidente da República por atos anteriores ao exercício do mandato, afirmando ser apenas vedada o processo penal, que ficaria para depois do fim do governo. De outro lado, rejeitou a solicitação feita pela Polícia Federal de quebra de sigilo bancário e fiscal de Temer no curso da investigação. O ministro Barroso, contrariando a posição da PGR, decidiu pela quebra de sigilo.

Mais recentemente, em meados de setembro, o ministro Edson Fachin determinou que a PGR se manifeste sobre o oferecimento ou não de denúncia contra Temer em caso relacionado a suposto recebimento de propina por parte da Odebrecht ocorrido em 2014, quando o emedebista era vice-presidente. Janot havia optado por não incluir Temer na investigação, o que foi modificado por um pedido de Dodge. Caso a PGR opte pelo não oferecimento, o caso irá para a primeira instância com a perda de mandato de Temer. A Constituição veda que o presidente seja processado por fato anterior ao seu governo, posição que Dodge já afirmou outras vezes. 

Raquel Dodge, segundo levantamento da PGR, ofereceu 46 denúncias ao STF e ao STJ durante seu primeiro ano, envolvendo 144 pessoas. O número equivale a uma denúncia a cada semana. Além das denúncias, que são a primeira petição do processo penal, a Procuradoria solicitou a abertura de 85 inquéritos, ou investigações, fase que antecede o processo propriamente dito.

A relação de Dodge com o meio político não é completamente clara. Ofereceu denúncias contra petistas e petebistas. Nos primeiros seis meses de condução da PGR, não fechou nenhum acordo de colaboração. A partir do segundo semestre deste ano, o ritmo das denúncias oferecidas caiu consideravelmente. 

Avaliações

Lembrando da posição de Dodge em temas como a prisão após condenação em segunda instância, defendida pela procuradora, Paulo Teixeira, deputado federal pelo PT paulista e doutor em direito pela USP, vê mais continuidade do que rupturas em relação à Janot. 

“Acho que continua com os mesmos vícios, só mudou de gênero. Eu acho que é o retorno da democracia. Estamos vivendo um Estado de Exceção. A eleição pode ser um curativo para isso. Um governo que tenha legitimidade democrática para equilibrar a relação entre os poderes”, diz. 

Já Antônio Carlos “Kakay” de Almeida Castro, advogado criminalista que tem atuado na Lava Jato , entende que a postura de Dodge conduzindo o órgão é distinta da de seu antecessor. 

“O primeiro mandato do Rodrigo Janot foi um mandato em que ele trabalhou bem, com maior tranquilidade. O segundo mandato foi mais difícil, no qual ele se perdeu um pouco. Ele falar 'enquanto houver flecha, haverá flechada'. Se manifestando muito. As delações sendo feitas de forma apressada. Delações que agora começaram a ser questionadas no Supremo. Várias denúncias não estão sendo recebidas”, avalia. 

O estilo de Dodge, para Kakay, tem representado um “freio de arrumação”, incluindo seu maior “recato” ao interagir com a imprensa, o que ele entende ser uma atitude mais respeitosa em relação a acusados e investigados. Uma das questões que a PGR passou a enfrentar em 2018, por demanda do Supremo Tribunal Federal, foram os vazamentos de delações. Até o momento, nenhum esclarecimento veio a público. 

“O inicio do mandato dela está tendo uma grande vantagem. Está fazendo as coisas com um pouco mais de estudo. Mesmo as delações mais espetacularizadas não estão ocorrendo. Eu acho isso positivo para a advocacia. O poder dela é um poder enorme, e uma extrema responsabilidade deve ser correspondente”, diz. 

O mandato de Dodge se encerra em 2019, com possibilidade de recondução para mais dois anos à frente da PGR.

Edição: Diego Sartorato