Deserto verde

Eucalipto domina dois terços das florestas plantadas no Brasil

Plantações aumentaram e, segundo especialistas, podem avançar ainda mais, com o aval das autoridades

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Ouça o áudio:

Indústria de celulose na cidade de Eunápolis, na Bahia
Indústria de celulose na cidade de Eunápolis, na Bahia - Amanda Oliveira/GOVBA

O Brasil possui 9 milhões e 850 mil hectares de florestas plantadas. E, segundo o levantamento Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura 2017, divulgado na última quarta-feira (19) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 75% desse território é voltado à produção de eucalipto, cujas florestas são apelidadas de "desertos verdes" pela grande quantidade de água que consomem e o estrago que causam ao solo.

A maior parte das florestas plantadas está nas regiões Sul (36%) e sudeste (25%). João Dagoberto dos Santos, pesquisador da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) explica que embora a quantidade de hectares de florestas plantadas seja menor do que outros tipos de cultivo, o forte impacto socioambiental está relacionado com o alto nível de concentração desses cultivos.

“O empreendimento do agronegócio de árvores é extremamente pequeno, se comparado aos milhões de hectares de cultivo agrícola tradicional, soja, milho e algodão. O problema do impacto dele é a concentração. Eles estão concentrados em muito poucas regiões. Então o impacto na dinâmica dos territórios onde eles atuam é muito forte", pondera.

"O sistema de silvicultura atual é incompatível com outros manejos. Eles têm um domínio muito grande sobre consumo de água onde eles estão instalados, uma homogenização da paisagem, uma absorção muito grande de nutrientes a logo prazo. E impossibilitam a utilização do solo de uma maneira muito drástica, gerando impactos ambientais e sociais muito graves”, completa.

Santos explica que, diferente de outras monoculturas, as florestas de eucalipto demandam uma quantidade enorme de água e nutrientes, inviabilizando o solo para outros tipos de cultivo, e afetando as famílias de pequenos agricultores.

“Se você tem hoje uma monocultura de cana ou de soja, em dois meses você passa um trator em cima e começa a fazer outra coisa. Você tem um monocultivo de eucalipto, para você desmobilizar essa terra para plantar outro tipo de agricultura é muito difícil, é uma energia muito grande. Então inviabiliza mesmo, porque toma todo o espaço, toda a luz, nutrientes. Com o atual padrão de silvicultura, seja para produção de celulose ou de energia, não cabe outras coisas”. 

Para Kelli Mafort, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), os dados revelam mais uma vez o domínio do agronegócio sobre o campo brasileiro.

“Esse dado de que temos no Brasil 75% das florestas plantadas com eucalipto é revelador de como o campo brasileiro está hegemonizado por esse modelo do agronegócio, das transnacionais, das grandes empresas. No setor de celulose, especificamente, estamos falando de grandes empresas, como por exemplo, a Suzano Celulose, que há mais ou menos dez anos comprou uma empresa israelense de produção de transgênicos; estamos falando da Fibria, da Votorantim, são gigantes do agronegócio que se ocupam das terras brasileiras”. 

Para Santos, o país chegou a essa realidade, graças a uma relação de simbiose entre o Estado e as empresas que dominam o setor.

“O estado tem tratado do jeito que ele trata o agronegócio convencional. 2016 mudaram as regras, saíram do Ministério do Meio Ambiente e foram para o Ministério da Agricultura, o que já mostra como o Estado tem tratado esse tema. Se você pegar o anuário estatístico do BNDES dos últimos 10 anos, o setor de produção de celulose foi o que mais tomou recursos do BNDES. Então o Estado sempre foi um sócio, beneficiando esse setor mais do que outros setores na questão do financiamento. Por isso é muito difícil exigir do Estado que trate essa questão de maneira diferente, porque ele é um acionista do setor florestal, principalmente via financiamento do BNDES e os antigos mecanismos de financiamento florestal”.

Eucalipto transgênico acelera a destruição

Se a situação já é grave, ela ainda pode piorar. Os estudiosos no tema alertam para o perigo de aumento substancial desse tipo de monocultivo a partir da aprovação do uso comercial do H421, uma espécie de eucalipto transgênico, pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) em 2015.

Kelli Mafort explica que o Brasil é praticamente o único país do mundo que autoriza o cultivo de eucalipto transgênico, que sequer tem a comercialização aprovada em muitos países. Ela conta que em 2015, as mulheres da Via Campesina realizaram uma ação de denúncia sobre um viveiro de mudas de eucalipto transgênico e outra ação durante a reunião da CTNBio, onde se discutia a aprovação do cultivo do H421 no Brasil.

“O eucalipto transgênico reduz de sete anos para até quatro o crescimento de uma árvore. A gente sabe que o eucalipto consome muita água. O monocultivo de eucalipto, em um tempo ainda mais abreviado, que significa que terá que fazer mais cortes, e, portanto, vai aumentar a produção, tem um impacto muito grande sobre as bacias hidrográficas, o que agrava a questão da crise hídrica”, alerta.

Outro impacto grave do chamado “deserto verde” é sobre as abelhas, como explica Mafort. “Por outro lado, interfere diretamente na produção de mel. 80% do mel produzido no Brasil é orgânico, boa parte produzida pela agricultura familiar, e esse mel é contaminado pelo eucalipto transgênico. Inclusive, parte dessa contaminação pode culminar com a extinção das colmeias. Quando a gente fala de abelhas a gente pensa logo na produção de mel, mas além da produção de mel, precisamos pensar que 75% da polinização de todos os vegetais é feita pelas abelhas, então elas têm uma função muito importante para a biodiversidade”, alerta. 

Diante do cenário pré-eleitoral no Brasil, Mafort faz um chamado a colocar o tema da agroecologia e das agroflorestas no debate, na busca de superar o modelo predatório aplicado pelo agronegócio em conluio com a bancada ruralista.

“Nós temos que derrotar as forças conservadoras, temos que derrotar as forças golpistas e, além disso, devemos também exigir que os presidenciáveis democráticos tenham um plano de defesa da reforma agrária, da agricultura familiar, da agroecologia e das agroflorestas. É por isso que nós estamos tão engajados nessa luta: para que a gente consiga ter vitórias nas urnas e consiga levar a pauta da agroecologia e da agrofloresta para a trincheira eleitoral”. 

Segundo o relatório do IBGE, o líder entre os estados brasileiros no cultivo de eucalipto é o Paraná, seguido por Minas Gerais e Santa Catarina.

Edição: Diego Sartorato