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Biógrafo de Lula em cordel afirma que o ex-presidente foi preso por preconceito

Crispiniano Neto concedeu entrevista ao Brasil de Fato e analisou a disputa de narrativas que antecede as eleições 2018

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Crispiniano Neto fala aos acampados da Vigília Lula Livre, em Curitiba
Crispiniano Neto fala aos acampados da Vigília Lula Livre, em Curitiba - Foto: Joka Madruga / APT

“Eu olho pra trás / Pelo livro da verdade / Vejo que a humanidade / Tá repetindo o passado / E o pobre é tão massacrado / Quanto na antiguidade”. Os versos são do cordel “Se Cristo voltasse agora”, de Crispiniano Neto, cordelista membro da Academia Brasileira de Cordel e biógrafo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Engenheiro agrônomo de formação e cordelista por vocação, Crispiniano Neto começou a fazer versos de cordel inspirado pelos movimentos populares dos quais participava. Com sorriso no rosto, ele conta que fez “aquele papel que Antonio Gramsci chama de intelectual orgânico” e construiu, ao longo de sua vida, o movimento sindical, o movimento pastoral e o movimento estudantil. 

Em 2008, seguindo a tradição cordelista de transformar em poesia a história de grandes figuras do povo brasileiro, Crispiniano produziu o livro “Lula na literatura de cordel”, segundo ele, uma biografia do ex-presidente. O livro reúne, em mais de 500 páginas, 111 poemas de Crispiniano e outros cordelistas brasileiros. 

Hoje, as lutas do cordelista, que também é jornalista e radialista, estão focadas na comunicação popular e na disseminação da cultura do cordel pelo Brasil. Em entrevista ao Brasil de Fato, Crispiniano Neto falou sobre a prisão política de Lula e sobre o embate de narrativas que acontece no Brasil atualmente. 

Brasil de Fato -- O livro “Lula na literatura de cordel” foi lançado em uma época muito diferente, quando Lula ainda era presidente do Brasil. Comparando hoje àquela época, como o senhor enxerga essa criminalização do Lula?

Crispiniano Neto -- Há algum tempo, eu resolvi que ia escrever um outro livro, que eu ainda não consegui terminar: Lula e a vitória sobre o preconceito. É o preconceito de ser nordestino, o preconceito de ser mutilado (de ter o dedo cortado por uma máquina), preconceito de ser pardo, de descendência de negros, preconceito de ser peão, trabalhador, de não ter diploma superior, de falar o português que não é o português das academias, da erudição. 

E eu diria que é muito o preconceito pelas bandeiras que ele e o PT defendem, isso joga uma carga imensa de ódio sobre Lula. O fato de ele defender o direito dos índios, dos negros, dos favelados e os direitos humanos em geral. 

Quando o Lula ganhou a primeira eleição, eu falei: pronto, é a vitória sobre o preconceito. Mas olha, quando o Lula começou a governar, os preconceitos apareceram com muito mais força, virando, assim, quase uma ideologia. No fim, é uma ideologia, porque tem um fundo que é o fascismo. 

A partir daí, foi nascendo mais e mais preconceitos. E hoje Lula está na cadeia. Isso é todo um processo de construção de ódio, discriminação e perseguição para que ele não volte. 

Como jornalista e radialista, o senhor entende que a mídia popular cumpre qual papel nessa conjuntura política?

Essa é uma batalha. Para fazer a simbologia da Bíblia: é a batalha de Davi contra o gigante. Só que nós estamos vivendo um tempo que nos apresenta grandes possibilidades, porque nós temos, hoje, as mídias alternativas. 

Nós já tínhamos todas as bases da comunicação popular, seja fazendo rádio ou fazendo um jornalzinho. Acontece que antigamente isso era muito restrito e hoje é muito amplo. 

A tecnologia mudou o mundo. Por exemplo, uma cidade, para ser segura, tinha que ter grandes muralhas. Hoje, de que vale uma muralha diante de um avião, de um foguete ou um lançador de mísseis? Não vale mais nada. 

Então, a Rede Globo, por exemplo, tem um aparato gigantesco e é um gigante que ainda vai espernear muito. Mas nós também temos força diante da hegemonia dessa mídia burguesa e empresarial, dessa mídia golpista. 

Eu moro em uma comunidade de 120 casas, eu diria que tem umas 30 casas com internet e tem 100 ou 150 celulares que pegam wi-fi. Então, não tem como esconder mais nada de ninguém. 

Falando um pouco sobre o cordel. Recentemente, a literatura de cordel foi reconhecida como patrimônio cultural brasileiro. O senhor acredita que isso vai ajudar a disseminar o cordel pelo Brasil?

Isso foi uma pauta de 12 itens que nós fizemos. Fui eu o condutor dessa pauta, no dia do lançamento do meu livro [em 2008]. Era o 1º encontro de cordelistas e repentistas, em Brasília, com a presença de Lula. Eu entreguei para ele a pauta e ele se comprometeu a cumprir. Algumas coisas foram atendidas em parte e três foram atendidas bem direitinho. 

Primeiro: o prêmio que a gente queria de editais. O Lula mandou o Juca Ferreira, [então] Ministro da Cultura, fazer o edital Prêmio Patativa do Assaré, que foi de R$ 3 milhões, quando a gente esperava uns R$ 500 mil. Pena que depois não se repetiu nem no governo Dilma, nem no governo de agora. Outro ponto foi o reconhecimento da profissão de repentista e cordelista como profissão. 

Mas finalmente saiu o do patrimônio. É de grande importância porque, quando a gente pega os grandes dicionários de antigamente, é assim: literatura menor, literatura do povo analfabeto, é uma coisa muito eivada de preconceitos. E hoje, nós temos a literatura de cordel reconhecida como patrimônio cultural do Brasil. 

Tudo que é feito de cordel tem muito valor. Por exemplo: o teatro de Ariano Suassuna, de Bráulio Tavares, o cinema de Glauber Rocha, a música, que vai de Luiz Gonzaga até Chico Buarque, as artes plásticas que vem da xilogravura, da temática do cordel, são extremamente valorizadas e aplaudidas. Então, como é que tudo que vem do cordel tem valor e o cordel não tem? 

Eu fiquei muito feliz com essa vitória e espero que, com a volta do Lula e com a chegada do Haddad, a gente possa ser feliz de novo e aprofundar o processo de cordel nas escolas, valorizar mais a profissão e o patrimônio cultural.

Edição: Diego Sartorato