Expressão Popular

“Precisamos radicalizar a nossa democracia”, afirma Miguel Stedile

Membro da direção nacional do MST destaca urgência em transformações estruturais da nossa sociedade

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Para Miguel Stedile, Brasil vive uma ''semidemocracia", com um Congresso paralisado e uma crise geral no Estado
Para Miguel Stedile, Brasil vive uma ''semidemocracia", com um Congresso paralisado e uma crise geral no Estado - Reprodução

“Vivemos um regime tutelado”. É assim que Miguel Stedile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), avalia a conjuntura política no Brasil de 2018. Diante desse cenário, a revolução, argumenta Stedile, faz-se necessária: “A demanda que se coloca agora é restaurar os processos democráticos no Brasil. Precisamos radicalizar essa democracia”, diz.

O diálogo com o termo revolução, e sua respectiva importância atual, surgiu a partir da análise das obras do mês na Editora Expressão Popular: “O que é revolução”, do sociólogo brasileiro Florestan Fernandes, e “O que é uma revolução”, de Álvaro Garcia Linera, vice-presidente da Bolívia, sorteados pela Rádio Brasil de Fato.

Para Miguel Stedile, os livros de Florestan Fernandes e Garcia Linera “dialogam entre o local e o universal”, discutindo conceitos que vão desde a terminologia até a aplicação real da revolução em nossos dias. “Temos que ampliar a participação popular além dos espaços que já estão constituídos, construindo um conjunto de medidas de transformações estruturais da nossa sociedade”, completa.

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato - De que revolução esses dois livros tratam?

Miguel Stedile - Os dois livros têm a revolução como tema, mas eles partem de pressupostos diferentes. O Florestan Fernandes escreve, ao final da ditadura militar brasileira, preocupado em recuperar o termo no sentido da palavra revolução, porque o golpe militar de 1964 foi anunciado como uma revolução redentora. Ele está propondo recuperar o sentido original da palavra, que é de transformações estruturais e sociais. Já o Garcia Linera pega a experiência no governo boliviano e, a partir do centenário da Revolução Soviética, faz um balanço do que foi essa revolução e quais os seus legados. Em essência, os dois estão pensando conceitos e dialogando com o local e o universal.

Logo nas primeiras páginas o Florestan diz que é preciso libertar-se da tutela do Estado na área cultural. Como a Expressão Popular tem ocupado esse vácuo de atuação?

O Florestan, como outros intérpretes da formação social e econômica do Brasil, sempre chamaram a atenção para nossas elites, que são subordinadas internacionalmente, inclusive na cultura. Não se constituiu, no Brasil, um incentivo à produção do conhecimento, à leitura. Vemos isso no descaso com o incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, os cortes nas bolsas do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], então há uma ideia de que o conhecimento não faz parte do projeto de Nação. A Expressão Popular é justamente o esforço para romper essa tradição e esse projeto de mentalidade colonial, oferecendo livros e produzindo reflexões que nos ajudem a pensar em outro projeto para o País.

Ainda na obra do Florestan, ele diz que uma "semidemocracia" é melhor do que democracia nenhuma. Nós ainda estamos nessa "semidemocracia"?

Em relação ao período que o Florestan escreveu nós recuamos e retrocedemos muito. O que vivemos hoje é um regime de tutela. Temos um Supremo Tribunal Federal interferindo na vida política, um Congresso paralisado, uma crise do Estado brasileiro em geral, em função da Emenda Constitucional 95, do teto de gastos. Mesmo do ponto de vista de "semidemocracia" nós ficamos paralisados. A demanda que se coloca agora é restaurar os processos democráticos no Brasil. Agora, não podemos simplesmente voltar para o espaço anterior. Precisamos radicalizar essa democracia e ampliar a participação popular além dos espaços que já estão constituídos, construindo um conjunto de medidas de transformações estruturais da nossa sociedade. A ditadura, que estava visível na época do Florestan, também acontece hoje, só que com maior sutileza: nos juros dos bancos, do abuso de poder do Judiciário, no monopólio da mídia.

Sobre a construção de espaços populares, Florestan Fernandes e Garcia Linera falam sobre a participação do proletariado na revolução. Como você tem visto esse movimento atualmente?

A teoria clássica, o marxismo visto como uma teoria mecânica, dizia que o sujeito da revolução é o operário. Marx estava pensando isso por causa das contradições do desenvolvimento do capitalismo, na Inglaterra do século XIX. Mas, para ele, o sujeito era o proletário, assim como Florestan também traz o mesmo conceito quando diz que as pessoas que vivem do trabalho, independentemente se estão na fábrica como terceirizados, sindicalizados ou no regime intermitente. O Linera vai trazer a experiência da Bolívia mostrando o sujeito étnico, da questão indígena, e de como isso aporta na tese do Bem Viver, apresentando outras demandas nas relações que não são o que a teoria clássica pressupõe.

Quando pensamos na conjuntura, percebemos que o trabalho, mais do que nunca, é determinante. A ideia de que as pessoas não vivem mais do trabalho, ou que o trabalho precarizou de maneira tão intensa, é justamente a prova de que o sujeito da revolução é quem depende do trabalho. O sujeito da transformação é quem tem a força do trabalho para transformar o mundo e garantir a sua sobrevivência e isso permanece atual na obra dos dois autores.

Edição: Cecília Figueiredo