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Coiso acuado, o sonho de Alckmin, o bazar de Temer e o fascismo que não acabará

Resenha política semanal que analisa as notícias da semana

Brasil de Fato | São Paulo |
Boletim semanal Ponto é elaborado em parceria com o Brasil de Fato
Boletim semanal Ponto é elaborado em parceria com o Brasil de Fato - Divulgação

Confira edição desta sexta-feira (28) do boletim semanal Ponto, projeto em parceria com o Brasil de Fato. A newsletter trazer um resumo das principais notícias da semana, além de análises, indicações de leituras e outros conteúdos que, na correria do dia a dia, não é possível acompanhar.

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A campanha se acirrou na reta final, tradicional período em que bem, a campanha se acirra e começam a surgir as bombas. Por enquanto, a primeira delas é contra Bolsonaro, que já via sua rejeição aumentar pela mobilização das mulheres. Nesta edição, mapeamos também os outros movimentos recentes da eleição e os sinais sobre a última semana. Vale ver a discussão sobre o cancelamento de títulos eleitorais em função do cadastramento biométrico. No Retrocesso Diário, a pressa de Temer para terminar o serviço que lhe foi confiado. Não deixe de ler as dicas de leitura lá no final para entender o fenômeno do bolsonarismo e como o fascismo não ficará em casa após as eleições.

 

Bolsonaro sob ataque. Não há eleição sem uma bomba na reta final. E ela veio da revista Veja. Na esteira da reportagem da Folha de São Paulo mostrando que, em 2011, a ex-mulher de Bolsonaro relatou ao Itamaraty ameaças de morte por parte do deputado, a Veja deste fim de semana vem com uma história ainda mais forte: um processo em que Ana Cristina Valle acusa Bolsonaro de ter roubado valores de um cofre da ex-mulher e ainda ocultar bens na declaração ao TSE após a separação. A denúncia ocorre em meio à pesquisa Datafolha, que será divulgada na noite desta sexta-feira (28).

Resta saber se a semana mais pesada de ataques contra Bolsonaro surtirá algum efeito. Porque o Ibope do começo da semana mostrava estabilidade: resistência no voto em Bolsonaro, que apenas oscilou negativamente, e um crescimento um pouco mais lento de Haddad. O jornalista José Roberto Toledo, que costuma ter boas análises sobre pesquisas eleitorais, afirma que o crescimento mais lento do petista era esperado porque a transferência de votos de Lula foi muito rápida. O desafio do petista, agora, seria conquistar o voto daqueles que ainda não o associam a Lula e dos que perderam a confiança que um dia tiveram no PT, como os eleitores das periferias. Já Bolsonaro vem demonstrando resiliência, embora veja sua rejeição crescer, principalmente entre as mulheres, que neste sábado (29) promovem atos em todo o País com o mote #EleNão (veja a agenda das manifestações no Brasil de Fato). Na Folha, o jornalista Bruno Boghossian dizia, ainda antes da Veja, que era cedo para dizer se a onda de Bolsonaro foi prematura demais, a ponto de provocar uma reação contrária igualmente vigorosa. Falta uma semana para o primeiro turno e é de se esperar que mais bombas surjam, para qualquer lado.

Último voo do tucano. O Datafolha desta sexta será a última chance de Alckmin, estabelecida pela próprio "centrão" como prazo para continuar ou desembarcar da candidatura tucana. O centrão já estaria discutindo uma posição para um segundo turno sem Alckmin. Em reportagem com analistas, o Estadão confessa o desejo de que o voto antipetista ainda pule de Bolsonaro para Alckmin. Interessante ler a opinião do tucano Cássio Cunha Lima, para quem a estratégia de bater em Bolsonaro é errada, porque Bolsonaro se tornou "um sentimento". O desafio de Alckmin é quase impossível, ainda que a candidatura de Bolsonaro também venha dando sua parcela de contribuição para uma improvável virada. A mais recente, desta quinta, foi Mourão atacando o 13º e as férias remuneradas. Como aponta Marcos Nobre, "a campanha de Bolsonaro criou confusão onde ela não existia. O eleitorado antipetista estacionado na candidatura do capitão parece começar a pensar duas vezes onde parecia mais do que decidido." Porém, talvez estejamos lendo essa eleição como líamos as anteriores, e isso pode estar errado. Este artigo de Fabrício Pontin, professor de Direito e Relações Internacionais, sustenta que "candidatos com as características do Bolsonaro até podem perder eleição, mas eles dificilmente perdem votos". Ele lembra que um movimento parecido com o #EleNão contra Trump deu com os burros n'água e sugere que é um erro esperar que Bolsonaro derreta ou atinja um teto no segundo turno, porque o candidato estaria à frente na "guerra cultural" jogada pela extrema-direita e sabe agregar o voto "neointegralista".

Dois extremos? Essa agitada reta final de campanha tem como pano de fundo uma tentativa do Centrão e de Alckmin de ir para o segundo turno. Começou com a carta de FHC pedindo "aliança contra candidatos não radicais" e com uma tentativa frustrada de reunir candidatos mal posicionados nas pesquisas para um apoio conjunto ao tucano. A reunião fracassou. O interessante é o nome do movimento, "Não aos extremos", que tem como articulador Miguel Reale Jr., que assinou a peça do impeachment de Dilma, e aparece também no manifesto "Democracia Sim", assinado por uma miríade de artistas e intelectuais. Além disso, o tucano tenta se colocar até no movimento #EleNão para se apresentar como a moderação entre os extremos. Alckmin e parcela dos formadores de opinião na grande imprensa estão insistindo na tese de que há dois extremos ponteando a eleição. Mas receberam boas respostas: vale ler os artigos de Fernando Barros e Silva, na Piauí, descascando Merval Pereira, de Bernardo Mello Franco, no Globo, de Mario Magalhães, no Intercept, e até mesmo de Gregório Duvivier, na Folha, mostrando por que não faz nenhum sentido comparar Bolsonaro com Haddad. Ao mesmo tempo, Rafael Cariello analisa que, ao contrário, Haddad é quem pode dialogar com o centro, tanto como vacina ao discurso autoritário, quanto por defender medidas econômicas que não seriam austeras, mas também não seriam irresponsáveis.

Enquanto isso, ainda sobre cartas, a campanha de Bolsonaro não conseguiu chegar a um consenso sobre a divulgação de uma carta em que o candidato pregaria fidelidade aos valores democráticos. Pra você ver...

RADAR

#EleNão: ameaças físicas. Não é pequena a chance de haver confusão e agressões nos atos deste sábado, conforme indicam os sinais da semana que passou. Uma das organizadoras do ato no Rio sofreu uma agressão, num ato que os bolsonaristas correram para dizer que foi assalto, e mais de dez mulheres sofreram ameaças em Ribeirão Preto.

Biometria. O STF rejeitou na quarta-feira uma ação do PSB que pedia a reversão do cancelamento dos títulos de eleitores que não compareceram ao cadastramento biométrico. São entre 3,3 e 3,6 milhões de títulos cancelados e os Estados mais afetados são Bahia e Pará, cada um com mais de 700 mil. Esta matéria do G1 mostra o número por Estado. A BBC traz números diferentes, mostrando São Paulo como segundo Estado mais afetado, e levanta a questão: o cancelamento pode desequilibrar a disputa presidencial? Se por um lado há um temor de que os votos seriam majoritariamente para Haddad, uma vez que provavelmente eleitores mais pobres e de menor escolaridade sejam a maioria dos que não realizaram o recadastramento, por outro há que se considerar que os votos seriam diluídos proporcionalmente entre os demais candidatos, além dos inúmeros casos de pessoas que morreram ou se mudaram de cidade e não comparecem às urnas. A jurista Roberta Gretas, entrevistada na reportagem, ampliou suas opiniões em postagem em seu Facebook, ponderando que estas revisões são regulares e a biometria vem tornando mais real o universo do eleitorado - as cidades com biometria têm tido abstenção abaixo da média nacional.

Lula Livre? O ministro Marco Aurélio Mello admitiu que as eleições presidenciais foram determinantes para adiar a discussão sobre a prisão em segunda instância e que acredita numa reversão do atual entendimento do STF. Porém, Ricardo Lewandowski surpreendeu na quinta (27) ao retirar os julgamentos de recursos de Lula do plenário virtual e devolver ao plenário presencial. No pedido de vistas, Lewandowski pede que o presidente do STF Dias Toffoli coloque a questão da prisão em segunda instância em votação. As decisões até agora do STF neste tema tratavam de casos específicos e em pedido de liminar. O novo julgamento se tornaria uma resolução definitiva da questão. Lewandowski está inspirado: no início desta sexta (28), surpreendeu novamente e autorizou que Lula dê entrevista nos próximos dias para o jornal Folha de São Paulo.

RETROCESSO DIÁRIO

Previdência. A exigência número 1 do mercado financeiro para qualquer candidato é a Reforma da Previdência. Para tanto, o tucano e homem dos bancos internacionais Armínio Fraga está à frente de uma equipe de economistas que trabalha numa proposta ainda mais "ousada" que a reforma suspensa há sete meses. O próprio Temer estaria considerando a possibilidade de retomar o tema ainda este ano, suspendendo a intervenção militar no Rio. A ideia aproxima a dupla de auxiliares de Bolsonaro, General Mourão e Paulo Guedes, do governo Temer. Como apontado pelo jornal O Globo apurou, ambos encontraram-se com secretário de Assuntos Estratégicos de Temer, Hussein Kalout. Os bolsonaristas consideram que a aprovação da reforma acalmaria o mercado e evitaria que um hipotético governo Bolsonaro tenha que se desgastar negociando com o Congresso.

Terceirização. Após o entendimento do STF sobre a terceirização, Temer já promulgou o decreto que permite a terceirização absoluta no poder público. Podem ser terceirizados, por exemplo, os professores de universidade federais, os trabalhadores da Petrobras, da Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, entre outros. Entidades sindicais alertam que a medida deve provocar redução de salários, aumento de jornada e no número de acidentes de trabalho, além de praticamente extinguir os concursos públicos.

Temer tirando o atraso. Temer, que esteve na ONU e ninguém se importou, parece mesmo imbuído a salvar sua biografia - pelo menos com o mercado financeiro e as grandes corporações. Ele estaria correndo para selar a venda da Embraer e da Braskem até o fim de seu cambaleante mandato. O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos afirma que a Embraer e o governo federal terão papel apenas figurativo na empresa após a compra pela Boeing. O sindicato prevê a perda de 13 mil postos de trabalhos diretos e 20 mil indiretos. Nesta sexta, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) realiza mais uma rodada de licitação da partilha do Pré-Sal. A Federação Única dos Petroleiros (FUP) ingressou com uma ação judicial contestando a realização do leilão.

Teto de gastos. A aplicação da Emenda do teto de gastos derrubará o desempenho do Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano. Indicadores como mortalidade infantil e acesso à educação serão atingidos pelos cortes em investimentos sociais. O desemprego e a queda na renda das famílias também deve provocar a piora dos índices. A análise é do cientista político Rafael Geroges no Brasil de Fato. No caso da saúde, o congelamento deverá desmontar o SUS. Somente no orçamento de 2019, a aplicação da emenda já causou uma perda direta de R$ 9,5 bilhões.

VOCÊ VIU?

As entrevistas de Adélio. Um juiz do TRF-3 suspendeu a autorização para que Adélio Bispo fosse entrevistado na última semana da eleição pelo SBT e pela revista Veja. Na primeira decisão, o juiz Federal Dalton Igor Kita Conrado autorizou as entrevistas e estabelecia prazo de cinco dias para a realização. Já a Procuradoria da República questionou a decisão, argumentando que o juiz de primeira instância estava violando a separação dos poderes, ao tomar decisões que cabem à administração penitenciária. Agora, o juiz de segunda instância considerou também que as entrevistas poderiam influenciar a reta final da eleição, favorável ou não a Bolsonaro. Em outra reportagem, o El País se pergunta por que Adélio poderia dar entrevistas e Lula não. "O fato de a pessoa perder o direito de liberdade não retira a possibilidade de conceder entrevistas", diz um especialista.

Os juízes podem tudo. O juiz responsável por apurar o caso da advogada Valéria Lúcia dos Santos, algemada por policiais durante uma audiência, não viu nenhuma anormalidade no episódio e considerou correta a atitude da juíza e servidores. A OAB considera uma afronta ao Estado de Direito e considerou que a decisão do desembargador é uma "farsa" para "proteger a visão de que o Judiciário pode tudo". Para o juiz, a advogada "se jogou no chão".

Hepatite C. Na semana passada, contamos a situação da liberação da patente de um medicamento norte-americano para o tratamento da Hepatite C que seria mais caro e inviabilizaria a produção do genérico desenvolvido no Brasil. Porém, uma liminar da da 21ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal revogou a autorização e reabriu a esperança de que o medicamento brasileiro chegue aos pacientes com menos custos a população e ao Estado. O estado atual desta disputa é relatado pelo Nexo.

Wikipedia. Um computador vinculado à Polícia Militar de São Paulo foi utilizado para fazer uma série de alterações no artigo sobre o AI-5 (Ato Institucional Número Cinco) na Wikipédia, amenizando o período de ditadura militar no Brasil. A edição do artigo substituiu "ditadura", "tortura" e "golpe de estado" por "regime", "práticas de extração de informação" e "revolução", respectivamente.

É BOATO

Carreata. Caminhões militares usados em carreata do PSL no Rio Grande do Sul não pertenciam ao Exército, mas a colecionadores. Os veículos eram emplacados e usavam a antiga marca do Exército.

BOA LEITURA

Corrupção e ditadura militar. O diplomata José Jobim foi sequestrado, torturado e morto pela ditadura militar após anunciar que revelaria o superfaturamento na construção da Usina de Itaipú. O Estado brasileiro reconheceu a responsabilidade por sua morte no último dia 21, desfazendo a versão militar de suicídio. Relacionando com o desaparecimento de Jobim, a Carta Capital revela documento de diplomatas dos EUA sobre a corrupção durante a ditadura militar. O grau de corrupção entre os militares é tão elevado que  são descritos como "um conjunto de vagabundos" pelos norte-americanos.

"Não foi você". Uma leitura bastante certeira sobre o fenômeno do bolsonarismo: "O bolsonarismo, avesso à complexidade e à reflexão, oferece ao eleitor o conforto das certezas inabaláveis e a convicção de que a responsabilidade é sempre dos outros. A dieta de notícias falsas, memes antiesquerda e clichês pró-Bolsonaro dificultam qualquer visão realista e equilibrada dos problemas brasileiros, mas pode fazer muito bem à autoestima". Ensaio de Bruno Carvalho na revista Piauí.

Sem controle. Na Carta Capital, o alerta é que o bolsonarismo já teria saído do controle de Bolsonaro: "O bolsonarismo se enraizou e entrou em metástase no interior do tecido social brasileiro". Na mesma linha, e tentando entender porque o voto em Bolsonaro parece tão consolidado até agora, vale ver a exposição de Vladimir Safatle sobre os desafios da esquerda após as eleições, que precisaria radicalizar sua ação para equilibrar forças contra o avanço do fascismo.

Continência. "O Bolsonaro era execrado pelos militares, pelo passado de insubordinação, hoje ele penetrou nos dois setores mais efervescentes do Exército: a reserva, que pode falar o que quer sem ser punida, e os majores e capitães, que estão em um ponto da carreira em que olham para o futuro". Análise do apoio militar a Bolsonaro na Carta Capital.

Fábrica de Fake News. O El País acompanhou por três semanas os grupos de Whatsapp de eleitores de Bolsonaro. Os grupos atuam em duas frentes: responder a imprensa e espalhar notícias falsas sobre apoios ao candidato e pesquisas. Muitas delas são produzidas pela própria campanha oficial. A reportagem está aqui e é complementada por uma entrevista com um dos administradores destes grupos e por um especialista em combater boatos no Whatsapp.

Paternidade. Para o ex-secretário nacional de Direitos Humanos no governo FHC, José Gregori, Bolsonaro nasce pela campanha antipolítica da Lava-Jato e pelos gostos pela exagero midiático da operação.

Mitos sobre o mito. Autor do badalado livro "Como as democracias morrem", o norte-americano Steven Levitsky escreve sobre três mitos que existem sobre a candidatura Bolsonaro: 1) "ele não fará o que diz", 2) "ele é incompetente demais para ameaçar a democracia" e 3) "podemos controlá-lo". É assim que as democracias morrem, diz o autor.

Aviso de incêndio. Comércio e finanças mais internacionalizados combinados com um sistema político cada vez mais fragmentado é uma combinação incendiária para uma nova crise financeira, pior do que dez anos atrás. Governos sem mecanismos e bancos sem controle são parte da receita perigosa analisada pela Carta Capital.

Brancos e nulos. O Brasil de Fato traz uma explicação rápida sobre o mito dos votos nulos e brancos: "ao escolher uma dessas opções, o votante colabora para a diminuição dos números verdadeiros que cada candidato deveria ter para ganhar uma eleição, permitindo que pessoas com menos preferência se elejam." Uma questão que vem a propósito quando as buscas por "como anular o voto" no Google batem recorde nesta eleição, como aponta a revista Piauí.

A relação do nordestino com Lula. Reportagem da Folha de São Paulo mergulhou no sertão pernambucano para entender a relação do eleitor nordestino com Lula - e Haddad, por consequência. "Severino tem cinco filhos. Fala sem parar. Ele faz uma conta simples. 'Como era a minha vida quando Lula era presidente? Ah! É o que basta para eu votar nesse aí', explica."

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Edição: Daniela Stefano