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A “teoria dos dois demônios” vira arma de campanha

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'“Teoria dos dois demônios” consiste em afirmar que tanto Bolsonaro quanto Haddad são extremistas', explica colunista
'“Teoria dos dois demônios” consiste em afirmar que tanto Bolsonaro quanto Haddad são extremistas', explica colunista - GGN
Nada que o voto popular não possa desmentir nas eleições que vem aí

Uma das mais recentes bizarrices desta eleição, por si só uma das mais bizarras da história, é o contrabando feito por adversários de Fernando Haddad e do Partido dos Trabalhadores. Desde a fronteira argentina introduziram uma muamba na campanha brasileira. Trata-se da famosa e burlesca “teoria dos dois demônios”. Verdade que, aqui, a tese sofreu uma enjambrada, uma certa adaptação ao ambiente eleitoral.

A tese surgiu na Argentina quando se instalou sua comissão da verdade para identificar e denunciar os autores de crimes contra a humanidade durante a ditadura militar (1976-1983) daquele país. Torturadores e assassinos passaram a alegar que tudo aquilo era injusto e deveria ser esquecido, uma vez que o outro lado, seus adversários armados ou não, também haviam cometido delitos. Haveria, portanto, dois demônios. Seria injusto punir apenas um deles. Aplicada também no Chile e no Uruguai, ela foi derrotada nos três países. No Brasil, porém, graças ao Supremo Tribunal Federal (STF) – Ah, o STF... – nenhum carrasco jamais foi punido. Aqui, de algum modo, levou-se a sério esta interpretação fuleira da realidade.

No Brasil, ainda prospera entre círculos mais obtusos – há pouco premiados com a adesão do ministro Dias Toffoli – o argumento que 1964 teria sido um contragolpe, embora a vítima tenha sido João Goulart, o presidente legal e legítimo, e que jamais tomou qualquer medida para suprimir direitos. No apagar das luzes da tirania, depois da tortura de grávidas e do estupro de homens e mulheres com cassetetes até a morte, dilacerando-lhes os intestinos, a arenga retornou. Embora não existisse – como continua não existindo – qualquer prova de que os inimigos do regime tenham agido da mesma forma. Mas, gente que acredita que a Terra é plana e o nazismo é de esquerda acredita nisso também.

Na sua recauchutada eleitoral, a “teoria dos dois demônios” consiste em afirmar que tanto Bolsonaro quanto Haddad são extremistas. Tem sido brandida pela direita sem votos, casos de Alckmin e Álvaro Dias, cujo coro, lastimavelmente, Ciro engrossa vez por outra. Também obsessivamente pelas capitanias hereditárias da mídia empresarial e seus pet-jornalistas, aqueles que são pitbulls para os hereges contestadores da agenda neoliberal e poodles para o patrão. O que, aliás, configura entrega de produto avariado ao seu consumidor. Alguns avulsos, caso do diretor José Padilha, também adotaram a mutreta, não obstante o ridículo.

Todo mundo e mais a torcida do Corínthians sabem que Haddad é um moderado. Todo mundo sabe que nos mandatos de Lula e Dilma jamais houve qualquer violência contra as liberdades democráticas. Jamais houve perseguição por conta de credo, cor, origem ou opção sexual. Que houve liberdade de expressão até para pregar o assassinato de ambos.

Mas, Haddad, na teoria que virou arma de campanha, é “extremista”... Bolsonaro desfiou um sem número de insultos contra mulheres, negros e gays. Rendeu-lhe inclusive processo e condenação criminal. Planejou explodir bombas no Rio, com direito a croqui de próprio punho publicado pela Veja, ainda no tempo em que era uma revista. Já prometeu fechar o Congresso e matar “pelo menos uns 30 mil” como disse em alto e bom som. Seu vice age às patadas, ofendendo negros e índios. Não há nada remotamente parecido que Haddad tenha feito ao longo de sua carreira política. Nada. Mas também virou “demônio” na fábula contada pelo oportunismo, o desespero, a marquetagem e o desprezo pela verdade factual.

Nada que o voto popular não possa desmentir nas eleições que vem aí..

 

* Ayrton Centeno é jornalista, trabalhou, entre outros, em veículos como Estadão, Veja, Jornal da Tarde e Agência Estado; documentarista da questão da terra, autor de "Os Vencedores" (Geração Editorial, 2014) e “O Pais da Suruba” (Libretos, 2017).

 

Edição: Cecília Figueiredo