GUERRA SUJA

Bolsonaro repete métodos de Donald Trump em sua campanha

Analistas abordam as semelhanças entre as estratégias de campanha do presidente estadunidense e do militar da reserva

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Bolsonaro vem utilizando de métodos de campanha similares ao utilizado em 2016 nas eleições estadunidenses.
Bolsonaro vem utilizando de métodos de campanha similares ao utilizado em 2016 nas eleições estadunidenses. - Reprodução

Guardadas as devidas diferenças, inclusive do ponto de vista programático, a estratégia eleitoral utilizada pela campanha do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) tem remetido a outras eleições que ocorreram nos últimos anos em alguns países, como lembra o cientista político Pedro Otoni. Para ele, a ausência de um aprofundamento da democracia é o que melhor explica a ascensão de candidaturas chamadas “antissistêmicas”.

“Isso aconteceu na França, na Espanha, isso acontece na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Itália. Um descontentamento com a democracia porque ela não respondeu às demandas da sociedade. Então isso leva a um mal-estar com a democracia no mundo ocidental como um todo. E figuras como o [Donald] Trump, a [Marine] Le Pen (França), pessoas com um discurso extremamente antidemocrático, autoritário, antiimigração, ‘nadam de braçada’ nessa crise democrática do mundo ocidental”. 

No caso brasileiro, apesar de adotar um discurso ultraliberal, diferente do programa econômico de Donald Trump, nos Estados Unidos, Bolsonaro vem utilizando de métodos de campanha similares ao utilizado em 2016 nas eleições estadunidenses. “Em primeiro lugar, na dimensão dos instrumentos, do uso das redes sociais, dos instrumentos de comunicação digitais, mas mais do que isso, também há uma exploração bastante organizada da big data, de banco de dados e utilização de robôs. Os dois utilizam muito isso”. 

A esse respeito, o sociólogo e professor da Universidade Federal do ABC Sérgio Amadeu afirma que não só há semelhanças entre os dois casos, mas uma referência clara dos grupos neofascistas brasileiros com os chamados out rights, ou a "direita alternativa" estadunidense. 

“Só pra se ter uma ideia, o script do MBL é muito parecido com o de um especulador norte-americano que era um dos donos da Cambridge Analytica, o Robert Mercer, que financiava grupos que tinham muita semelhança com o que é essa startup do ódio no Brasil, que é o MBL”. 

Segundo Amadeu, além da forte desinformação que circula nas redes sociais, uma das ferramentas mais perigosas, e que surtiu efeito nas eleições estadunidenses, foi a desconstrução do adversário, algo que já tem ocorrido em relação aos governos petistas no Brasil. 

“O que foi decisivo foi a estratégia de neutralizar o que seria o eleitorado que poderia ter derrotado o Trump, votando na Hillary. É preciso tomar muito cuidado com isso. Porque eles vão tentar, no caso brasileiro, usando desinformação, principalmente no Whatsapp, neutralizar o voto dos mais pobres que têm muita gratidão, além de uma memória do que era a vida deles durante o governo Lula. E aí é mais importante o trabalho do fundamentalismo religioso nisso, o que é muito perigoso”. 

Outra semelhança entre as campanhas de Trump e Bolsonardo destacada por Otoni é o foco no combate às pautas dos Direitos Humanos, alimentado pela desordem social em que o país se viu mergulhado, a partir do golpe de estado de 2016.

“Os direitos humanos são um código já antigo de rejeição da direita. Agora ele ganha um fenômeno de massas porque há uma dimensão real da desorganização da institucionalidade brasileira, dos poderes, do Judiciário, Legislativo e Executivo, desde o golpe. Existe uma desorganização econômica por causa da crise, do desemprego elevado que temos hoje. E essa desordem é sentida por boa parte da sociedade, a classe média, os trabalhadores. E aí, boa parte dessas bases sociais que estão, inclusive de uma maneira justificada, contra essa desordem que foi implantada depois do golpe, clamam por essa ordem, mas de uma maneira bastante simplista, beirando o primitivismo político, que é o que representa o Bolsonaro”. 

Em agosto deste ano, o filho de Bolsonaro, Eduardo, foi aos EUA se encontrar com Steve Bannon, marqueteiro que ajudou a eleger Trump e atualmente atua como estrategista para candidatos de extrema direita no mundo. Ex-editor do site Breitbart, que tem conexões com movimentos de supremacia branca, Bannon foi anunciado por Eduardo como um "consultor eventual" da campanha de Bolsonaro.

Quem financia o fascismo?

Mesmo sem uma bancada de deputados e senadores que respalde financeiramente sua campanha, outdoors espalhados pelo país, carreatas organizadas, comícios e viagens geraram custos à campanha de Bolsonaro. Segundo o filósofo Paulo Ghiraldelli, os financiadores são pessoas aparentemente anônimas, mas vinculadas com setores econômicos interessados na eleição do capitão. 

“A gente não percebe porque não conhecemos as figuras. As figuras que apoiam o Bolsonaro não são figuras públicas, não são políticos nem empresários desses que aparecem na TV. Porque os empresários da mineração, os empresários do meio rural, os empresários das igrejas, porque no fundo, no fundo, essas igrejas caça-níquel não são de pastores, mas de empresários… Esse pessoal está no palanque do Bolsonaro. A indústria das armas, a indústria da mineração e esses pastores desconhecidos estão na campanha, estão no palanque, principalmente quando estão longe dos grandes centros. Em cada lugar que ele [Bolsonaro] vai, estas pessoas estão lá organizando a campanha”. 

Ghiraldelli alerta ainda que as posições do candidato contra as chamadas minorias políticas não estão totalmente desvinculadas dos interesses econômicos de quem o financia. 

“Na verdade, quando ele fala contra indígenas, dizendo que quer que o índio se integre, que acha que não deveria haver mais demarcações de terras indígenas, muitos interpretam como um ataque às minorias. Mas no fundo, isso é secundário. A questão maior é que ele está advogando que as mineradoras entrem nas terras indígenas, e nós sabemos bem o que as mineradoras fazem”.

Jair Bolsonaro aparecia em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República até a Justiça Eleitoral decidir cassar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Partido dos Trabalhadores.

Segundo os números do começo da campanha eleitoral, Lula tinha grandes chances de vencer o pleito ainda no primeiro turno. Nas mais recentes pesquisas divulgadas, Bolsonaro aparece em primeiro lugar, e Fernando Haddad (PT) em segundo, indicando que o segundo turno das eleições, no dia 28 de outubro, deve ser definido entre esses dois candidatos. 

Edição: Diego Sartorato