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O voto da virada vem da vida

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Onze milhões e quinhentos mil brasileiros e brasileiras podem afastar o Brasil do desastre se votarem pela democracia no segundo turno
Onze milhões e quinhentos mil brasileiros e brasileiras podem afastar o Brasil do desastre se votarem pela democracia no segundo turno - Ricardo Stuckert
É do bolso que virá o impulso para romper com a ilusão com os "valores éticos"

Onze milhões e quinhentos mil brasileiros e brasileiras podem afastar o Brasil do desastre. Essa é, em “conta de padeiro”, a quantidade de eleitores que, pelas mais diversas razões, digitaram o 17 na urna e que precisam ser convencidos de que tal opção é a negação de seus próprios interesses, aspirações e necessidades.

A aritmética que levou a esta cifra é amadora e singela. Aos 49,3 milhões de votos no 17, adicionei 85% dos dados a Alckmin, Amoedo, Meirelles, Daciolo, Marina e Álvaro; deixando o saldo para novas abstenções, brancos e nulos, seriam potencialmente 59,8 milhões de eleitores. Por segurança, “presenteei” o capitão com 30% dos votos no 12, o que o levaria a 63,8 milhões. 

Se Haddad mantiver 100% dos votos que teve em primeiro turno, atrair 70% dos dados ao Ciro e 85% dos que Boulos obteve, somará 41,1 milhões. Como diz a velha regra política que “voto virado é dois”, chegamos aos tais 11,5 milhões que dimensionam o desafio. Com 11,5 milhões de votos que precisa ganhar no segundo turno, Haddad venceria com 52,6 milhões de votos, enquanto Bolsonaro perderia com 52,3 milhões.

Apesar de nada científicas, diria que são continhas que servem razoavelmente para começar uma conversa.

Por mais que seja essencial e decisiva a formação de uma enorme frente política e social em defesa da democracia, da civilidade e do convívio minimamente harmônico entre todos os brasileiros - independentemente de suas preferências eleitorais, partidárias, comportamentais, religiosas ou ideológicas – penso que a quantidade de votos necessária para derrotar o neofascismo supera em muito o alcance dessa iniciativa.

Se é evidente que urge a denúncia incessante do autoritarismo, do preconceito, da violência e da opressão que formam o “pacote” do bolsonarismo; se é vital a desconstrução da falsa imagem de probidade, desapego, firmeza e dedicação ao povo associada ao candidato do PSL; se é necessidade imediata a convocação de todos os democratas para que se juntem em defesa de um Brasil com futuro decente e sem medos para as maiorias; se tudo isto tem que ser feito, mesmo o fazendo creio que ainda faltará uma boa parte dos 11,5 milhões de votos que precisam ser recuperados.

Há um crescente apelo, oriundo principalmente dos grandes veículos de comunicação, por uma tal “reorientação ao centro” da campanha de Haddad e Manu. Se por isso quisessem significar tão somente a junção de esforços dos eleitores e partidos de esquerda com os partidos e eleitores de centro e centro-direita, em defesa da democracia, nada mais correto e meritório. Mas, como nos adverte a sabedoria popular, o diabo está nos detalhes.

Embrulhada no discurso democrático vem uma demanda que, se aceita, impedirá irreversivelmente a vitória da candidatura progressista: é a adesão ao austericídio liberal e, portanto, a inviabilização de qualquer programa emergencial de saída da crise econômica e social em que o golpe de 2016 enterrou o Brasil. 

A única rota realista de convencimento de 11,5 milhões de eleitores, principalmente das camadas populares, para que troquem seu voto é a explicitação do que o capitão propõe (e esconde) para a vida cotidiana dessas pessoas e de suas famílias, acompanhada da apresentação simultânea de uma alternativa crível, vinda de Fernando Haddad.

Com perdão do mau trocadilho, é do bolso que virá o impulso para o rompimento da ilusão com os “valores éticos” e com a “dureza contra o crime” que foram habilmente colados em J. Messias. Só quando muitos eleitores perceberem que seus empregos (formais ou não); que seus rendimentos; que o atendimento dos serviços públicos de que dependem; que o funcionamento econômico e social do Brasil; que tudo isso corre sério risco é que abrirão seus ouvidos, olhos e corações para uma alternativa em tudo oposta. E só assim e só por isso mudarão seu voto.

Desnudar por todos os meios ao alcance da campanha o que é de fato o “posto Ipiranga” tem que ser missão ininterrupta. A isso contrapor medidas, iniciativas, ações muito urgentes e definidas deve ser o centro da comunicação da chapa e de seus apoiadores.

Geração imediata de milhões de postos de trabalho, principalmente via retomada de obras paradas. Compromisso de injeção acelerada de bilhões de reais para recuperação do SUS, dos sistemas de segurança e da educação pública. Revolução no crédito oferecido pelos bancos públicos, com juros baixos e prazos adequados, para “limpeza do nome” e recuperação da capacidade de consumo de massas. Garantia de aumento real do salário mínimo. Contratação de obras de saneamento, moradia, mobilidade urbana e infraestrutura logística, gerando fortes encomendas de produtos e serviços para as empresas brasileiras (que, por sua vez, terão que comprar insumos e contratar trabalhadores). Menos impostos para os “de baixo” e mais impostos para os “de cima”; pouco imposto sobre consumo e produção, muito imposto sobre propriedades, dividendos, grandes heranças e grandes patrimônios. Impedir a deforma das aposentadorias e recuperar os direitos trabalhistas. Erradicar a Emenda do Teto que asfixia o Estado para oxigenar os agiotas. 

Todos esses são compromissos reais com a melhoria da vida dos trabalhadores e que, pela dinamização da economia, permitem expansão dos lucros empresariais e aumento acelerado da arrecadação tributária. É o caminho sensato para o “saneamento das contas públicas” e para o “controle da inflação” sem ter que recorrer ao arrocho, à expansão da miséria, à trava no desenvolvimento e à repressão para conter a justa insatisfação e protesto.

Por serem compromissos com a vida e pela vida da maioria dos brasileiros são, também, a alavanca da virada eleitoral em 28 de outubro.

Pois é só da vida que vem a virada do voto.

 

*Artur Araújo é administrador hoteleiro e ex-Diretor da EMBRATUR. Consultor em gestão pública e privada.

Edição: Daniela Stefano