Falsa polêmica

TSE confirma que "kit gay" nunca existiu e proíbe "fake news" de Bolsonaro

Para ministro, notícias sobre livro que nunca foi distribuído pelo MEC "gera desinformação no período eleitoral"

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Bolsonaro utiliza exposição no Jornal Nacional para espalhar notícias falsas
Bolsonaro utiliza exposição no Jornal Nacional para espalhar notícias falsas - Foto: Reprodução

O presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) e seus apoiadores mentem ao relacionar o candidato Fernando Haddad (PT) com a distribuição de um suposto "kit gay" em escolas de todo o país. A falsidade da notícia foi confirmada por uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta segunda-feira (15), que pediu a suspensão de links de sites e redes sociais com a expressão.

A decisão do ministro Carlos Horbach atendeu a um pedido da defesa de Haddad para barrar links que vinculam o livro Aparelho Sexual e Cia. a programas do Ministério da Educação enquanto Haddad estava à frente da pasta.

Horbach escreveu que a informação equivocada "gera desinformação no período eleitoral, com prejuízo ao debate político, o que recomenda a remoção dos conteúdos com tal teor".

O livro escrito por Zep (pseudônimo do autor suíço Philippe Chappuis) foi mostrado por Bolsonaro no Jornal Nacional, da Rede Globo, em uma entrevista no dia 28 de agosto. O episódio retoma acusações de 2011. Desde então, o fato tem circulado novamente nas redes sociais em diversos links e vídeos como prova da distribuição de um conteúdo didático que "incentiva a sexualidade precoce nas crianças".

A Cia das Letras traduziu e lançou o livro em português em 2007. A editora confirma que o livro "nunca foi comprado pelo MEC, como tampouco fez parte de nenhum suposto "kit gay". O Ministério da Cultura comprou 28 exemplares em 2011, destinados a bibliotecas públicas". 

A editora afirma ainda que a obra é, em todo mundo, modelo de como informar os jovens sobre "temas importantes e incontornáveis" e que já foi publicada em 10 línguas. O livro foi transformado em exposição que ficou em cartaz por sete anos pela Europa.  "Sem que tivesse recebido qualquer acusação ou reprimenda", adiciona a Cia das Letras em nota.

"O livro conta ainda com uma seção chamada 'Fique esperto', que alerta os adolescentes para situações de abuso, explica o que é pedofilia — mostrando como tal ato é crime —, o que é incesto e até fornece o contato do Disque-denúncia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos."

A verdade

Em 2011, o Ministério da Educação financiou uma cartilha de orientação para professores chamada "Escola Sem Homofobia" que integrava o programa Brasil sem Homofobia, lançado em 2004. A versão impressa, no entanto, nunca foi distribuída por acusações da bancada evangélica e setores conservadores de que o material estimulava "o homossexualismo (sic) e a promiscuidade".

A professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Ana Bock era presidenta do Conselho Federal de Psicologia na época. Ela afirma que o material produzido pelo MEC respondia a uma demanda social. O contexto de fortalecimento de discussões sobre pautas LGBT, que se fortaleceu a partir de 1990, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças.

"Ele não é um material obrigatoriamente para ser usado na escola, mas para ajudar o professor a trabalhar a questão. O que os professores sabiam era que alunos seus sofriam com a gozação de colegas, bullying que colegas faziam. Havia sofrimento presente. E a escola é uma instituição educacional, ela não pode se furtar a discutir todo e qualquer problema que exista no cotidiano da vida", explica. 

O conteúdo vetado, no entanto, vai ao encontro de medidas internacionais como a da Unesco, órgão das Nações Unidas que lançou em 2014 um guia para os professores brasileiros sobre como abordar a educação sexual com alunos.

Para Bock, a discussão traz o debate do papel da escola como pano de fundo. "As pessoas que são contrárias a esse debate na escola e que chamam isso de 'kit gay' ou 'ideologia de gênero', elas veem o papel da escola conservador, de uma instituição de um saber registrado, livresco, decoreba de alguns conteúdos. Isso é um equívoco", pontua a professora.

"Nenhum tema social, nenhuma realidade que aconteça na vida cotidiana deve ser estranha à escola, seja futebol, novela, disputa eleitoral. A escola é uma instituição abrangente de formação de cidadania. E é dessa forma que a escola foi vista naquele período. É a visão mais avançada que pode ter para a escola. Isso se faz com qualquer temática", contrapõe Bock.

Edição: Diego Sartorato