Inclusão duvidosa

Bolsonaro não tem propostas para comunidade surda

Com cortes impostos pela Emenda do Teto de Gastos, políticas públicas para surdos ficam comprometidas

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Representantes da comunidade estão inseguros com relação à expansão de políticas públicas no novo governo
Representantes da comunidade estão inseguros com relação à expansão de políticas públicas no novo governo - Reprodução Youtube

Desde a campanha eleitoral, o presidente eleito Jair Bolsonaro tem chamado a atenção para uma certa vinculação à comunidade surda. O então candidato do PSL elaborou uma propaganda específica a esse público, e passou a adotar tradução para a Língua Brasileira de Sinais (Libras) em todos os pronunciamentos na internet.

A língua de sinais é a principal língua e, por isso mesmo, uma das demandas da comunidade surda. Nesse sentido, a presença de intérpretes ao lado de Bolsonaro "influenciou bastante a eleição dele no sentido de mostrar respeito pela minoria surda e significando uma abertura para que reivindicações sejam atendidas", afirma João Carlos Carreira Alves, um dos diretores da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), e também surdo.

Sinais ocos

Isso não significa que toda comunidade surda esteja confiante nas ações de Bolsonaro. Para a pedagoga Malu Dini, que é surda desde os dois anos de idade, não há como garantir que no próximo governo haverá expansão de políticas públicas para pessoas com deficiência.

“Eu entendo isso não só numa questão de aproveitar, de atrair eleitores surdos, mas também pelo ambiente que ele sempre frequentou. Por exemplo, é muito comum ver nas igrejas os intérpretes. Intérprete de Libras, justamente para atrair os fiéis”, analisa.

A presença de Michelle Bolsonaro ao lado do marido também foi um diferencial para atrair e ganhar os eleitores surdos sem conhecimento político. É o que analisa a coordenadora do Programa Nacional dos Direitos das Mulheres Surdas, Maria Auxiliadora Araújo. A futura primeira-dama atua como intérprete de Libras nos cultos da Igreja Batista.

Depois de eleito, Bolsonaro assinou uma carta-compromisso para fortalecer as promessas relativas às políticas públicas voltadas a pessoas com deficiência no Brasil. O documento foi elaborado pelo Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência (CRPD).

Contradições

O investimento em políticas públicas de educação e saúde para surdos é um dos principais pontos da carta. Porém, Bolsonaro – que votou a favor da Emenda Constitucional 95, quando deputado – afirma em seu programa de governo que não pretende revogá-la. A Emenda Constitucional do Teto de Gastos congelou, pelos próximos 20 anos, investimentos públicos em saúde, educação, segurança, assistência social. Agravamento da queda na qualidade e capacidade de atendimento dos serviços são algumas consequências da medida já identificadas.

Dini também aponta outras incongruências no discurso do presidente eleito. A proposta de criação do Fundo Nacional para Pessoa com Deficiência, nos mesmos moldes dos fundos da Criança e do Adolescente e do Idoso, é uma delas.

“Ele é muito contraditório em seu discurso e é perigoso isso porque a gente não sabe exatamente, e com clareza, o que de fato ele vai fazer. Em declarações recentes, Bolsonaro fez críticas ao Estatuto da Criança e do Adolescente, chegando a defender a eliminação do Estatuto”, cita.

Marginalização agravada

A pedagoga receia que as ações inclusivas de Bolsonaro se concretizem em uma adaptação da minoria à maioria. Ela lembra que situação semelhante ocorreu na Itália, em 1880, no Congresso de Milão. O encontro debateu a educação dos surdos e estabeleceu a oralização como forma de inserção na sociedade.

“Essa votação foi feita por professores ouvintes. Eles tinham que ver qual era o melhor método para educação de surdos e achavam que era a oralização. E isso era muito preocupante, porque enquanto as crianças ouvintes estavam aprendendo conteúdos, estavam crescendo, né? As crianças surdas não estavam aprendendo conteúdo, elas perdiam o tempo delas tentando ser oralizadas. Isso demonstra uma total desigualdade”, compara.

De acordo com Malu, a oralização dos surdos representaria um retrocesso no ensino e uma marginalização ainda maior da comunidade surda, que tem na Libras seu principal meio de expressão cultural.

"Bolsonaro não fez nenhuma promessa específica, mas, partindo da mulher dele, espera-se que ele faça o possível para atender nossas reivindicações, principalmente o ensino em Libras para a população surda". Esta é a expectativa do diretor da Feneis.

Edição: Cecília Figueiredo