Consciência

Em São Paulo, negros e negras celebram resistência e luta por direitos no Brasil

Todos os anos, Dia da Consciência Negra reforça o combate a todas as formas de exploração e discriminação

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Concentração aconteceu no vão do Museu de Arte de São Paulo (Masp), a partir do meio-dia
Concentração aconteceu no vão do Museu de Arte de São Paulo (Masp), a partir do meio-dia - Juca Guimarães

Batuques, faixas, gritos contra o racismo e a exploração. Centenas de negros e negras não se intimidaram com a chuva fina e tomaram a Avenida Paulista, em São Paulo (SP), na tarde desta terça-feira (20), durante a 15ª Marcha da Consciência Negra.

Foi uma marcha diferente. Para além da questão racial, reuniu vários elementos caros ao movimento negro e ao movimento democrático, em diálogo com a atual conjuntura. A luta contra o fascismo e o autoritarismo, que vieram à tona nas últimas eleições, deu o tom desde o início da manifestação, que teve como eixo principal a defesa da democracia, contra qualquer tipo de retrocesso.

A concentração aconteceu no vão do Museu de Arte de São Paulo (Masp), a partir do meio-dia, ao som da percussão do Levante Popular da Juventude. Trabalhadores de diferentes categorias se juntaram ao protesto, que celebrou a resistência e pediu o fim do genocídio do povo negro.

Luiz Gonzaga da Silva, da Central de Movimento Populares e do Movimento de Moradia da Cidade de São Paulo, explicou que o combate à violência nas periferias é um dos elementos centrais da marcha. "[A Marcha] tem como objetivo central combater o racismo, combater todas as formas de exploração contra o nosso povo negro. A nossa juventude está sendo fuzilada pelas costas. A serviço de quem? Do capital. E o trabalho que a polícia tem feito, o extermínio da população negra, nos preocupa muito. Nós não sabemos onde eles querem chegar. Será que eles querem fazer o que fizeram com a população indígena? Tínhamos 775 etnias indígenas, hoje não temos 200", lamenta.

O militante lembra também que os negros e negras são hoje quase 55% da população brasileira, mas não se veem representados nos chamados "espaços de poder": "Quando se elege uma bancada de 375 deputados federais, dificilmente tem 10% de negros e negras"

A cantora e compositora Larissa Nunes, conhecida como Larinu, valoriza a importância da união dos trabalhadores e trabalhadoras, em pleno feriado, para celebrar a resistência e chamar a atenção para as lutas do povo negro: "Eu acho muito importante que artistas, professores e educadores estejam aqui. Eles são a base da nossa luta, junto aos trabalhadores, sendo trabalhadores da educação, da arte. Então, um salve. Resistência e vida longa a essas vidas negras!", disse, entusiasmada, durante a concentração.


(Foto: Juca Guimarães)

A diversidade de crenças também caracterizou a 15ª Marcha -- uma fé que não exclui, não discrimina, mas sim, une sujeitos criados em tradições diferentes.

Gerações em luta

Flávio Jorge Rodrigues da Silva, integrante da Soweto Organização Negra e da executiva nacional da Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), participou das 15 marchas realizadas até hoje em São Paulo. Ele afirma que a resistência existe desde a época da escravidão, e que se fortalece em qualquer conjuntura política. "Faço parte de uma geração da militância que está há quase 40 anos em lutas. Uma geração que começa lutando contra a ditadura militar, que desmascara a democracia racial e que hoje está em luta, também, contra os desmandos, a perda dos nossos direitos, principalmente com a eleição de Jair Bolsonaro", analisa.

Ao mesmo tempo em que condena o racismo, Silva considera que a marcha deve aproveitar a oportunidade para valorizar as conquistas de períodos anteriores. "Embora o Brasil seja um país racista e muito desigual, tivemos em anos recentes, nos governos Lula [PT] e Dilma [PT], principalmente, várias conquistas. A política de cotas, que fez com que quase um milhão de estudantes negros tivessem acesso à educação [superior] em nosso país, o Estatuto da Igualdade Racial, e as políticas de quilombos em nosso país", enumera.

Ao ressaltar a importância da memória, o militante lembra que a Soweto Organização Negra e a Fundação Perseu Abramo estão organizando um livro em parceria com o Sesc sobre os 40 anos do Movimento Negro Unificado (MNU), um das referências da luta contra o racismo no Brasil.

Hamilton Cardoso é um dos militantes históricos desse movimento, que começou quando jovens negros foram proibidos de entrar na piscina de um clube, em 1978. De lá para cá, ele avalia que injustiças continuam ocorrendo em diversos âmbitos, em função dos conflitos de interesse que tomaram conta do Poder Judiciário: "É uma vergonha, por exemplo, uma figura como Luiz Inácio Lula da Silva estar preso porque queriam barrar a candidatura dele à Presidência. Tudo isso vai ter um peso muito grande. Estamos esperando esse Bolsonaro para ver o que vem no início de 2019. E nós, as forças progressistas, vamos para cima, exigindo nossos direitos, nossos espaços, e cumprindo nosso papel".

Cardoso interpreta que a redução da maioridade penal, que está na pauta do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), seria mais uma injustiça contra o povo negro. "Eles querem reduzir para matar a juventude negra mais cedo. Vão matar os negros ainda crianças. Se bobear, vão querer matar ainda no ventre materno. Então, nós vamos estar atentos, vamos enfrentar isso".

A marcha, que começou no MASP, terminou no fim da tarde no Teatro Municipal.

Edição: Daniel Giovanaz