Bahia

MATRIZES

Blocos afro, samba-reggae e afoxés marcam luta e resistência negra soteropolitana

Tais expressões artísticas carregam a força e a ancestralidade do povo baiano

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
Bloco Afro Didá fortalece a organização feminina através da cultura negra.
Bloco Afro Didá fortalece a organização feminina através da cultura negra. - Inácio Teixeira/Agecom

Não há como falar em movimento negro e resistência negra em Salvador e não pensar nas músicas, danças e toda a beleza das cores e estampas que caracterizam os blocos afro, samba-reggae e afoxés.
Samba-reggae: resistência e protagonismo feminino
A Banda Didá foi criada em 1993 e é formada apenas por mulheres, dedicadas a fazerem o Samba-Reggae, ritmo criado por Neguinho do Samba, também criador da banda. Tem ainda o Bloco Afro Didá, desde 1994, e o projeto Sódomo, que trabalha com crianças. Além de outros trabalhos que são realizados com teatro ou dança buscando fortalecer as mulheres.
Viviam Caroline, percussionista e diretora de projetos da Didá, conta que a cidade não estava preparada para ter mulheres tocando tambor, pois a referência e o vínculo naturalizado era “corpo masculino e tambor”, e não “corpo feminino e tambor”. “Nós conseguimos tornar isso realidade. Hoje tocar tambor é uma realidade de mulher. Não é fácil, porque nenhum projeto social no país consegue viver de maneira tranquila. Especialmente projetos pautados em matriz afro-brasileira. O racismo tenta nos invisibilizar. Os grandes cachês não são para blocos afros e bandas de samba-reggae, são para outros artistas, de outra estética, de outro universo”, pontua.
Com quase 25 anos de banda e 24 de bloco, são grandes os desafios. A percussionista diz não ser fácil conseguir o patrocínio que precisam e que realizam milagres para manter o projeto com o pouco apoio financeiro. “A gente sonha com um momento em que todo o sacrifício vai ser reduzido ou vai estar ligado apenas à coreografia, à composição ou a afinação. A questão econômica sempre está tentando reduzir o nosso brilho. Só que essa gente nossa, gente negra, essa história que a gente carrega tem uma potência, uma capacidade de transformação, de se refazer e se reconstruir. A gente quer até poder usar menos isso, porque não temos que estar sofrendo tempo inteiro para provarmos que somos fortes. Mas ainda é necessário renascer todos os dias e é assim que a gente tem feito com o bloco”, finaliza.
Moa do Katendê e Jorjão Bafafé foram os fundadores do Afoxé Badauê em 1978, na Ladeira de Nanã em Salvador./Crédito: Leo Ornelas
Moa do Katendê e Jorjão Bafafé foram os fundadores do Afoxé Badauê em 1978, na Ladeira de Nanã em Salvador./Crédito: Leo Ornelas
Afoxés: “a força que vem de dentro”
“Os Afoxés surgem como um elemento de resistência. Os primeiros afoxés registrados como tal datam de 1895, momento muito próximo do pós-abolição. Os negros ainda tinham seus direitos restringidos pelo Estado e pelas elites brancas. E os afoxés começaram a ir para as ruas como forma de levar a alegria e as festividades negras para desfilar nos carnavais”, diz o artista, gestor e pesquisador cultural, Chicco Assis.
Segundo Chicco, a trajetória dos afoxés na história brasileira é de altos e baixos. Os primeiros afoxés registrados foram “Embaixada Africana” e “Pândegos d’África”. Houve momentos de proibição dos batuques nas ruas e de desarticulação. Em 1949, surgiu os Filhos de Gandhy, um dos afoxés mais antigos ainda em funcionamento na cidade. Já em 1978 foi criado o Afoxé Badauê, que trouxe inovações na forma de fazer o afoxé, no desfile e nas performances, com Moa do Katendê e Jorjão Bafafé como fundadores.
“Pensar em afoxé, que tem como um possível significado ‘a força que vem de dentro’, é considerar que essa força vem de dentro dos terreiros de candomblé, já que muitos afoxés nascem dentro dos terreiros. Moa do Katendê traduzia a palavra badauê como “mensageiro da alegria”. Então, o afoxé, através da alegria, é esse espaço de resistência negra, de valorização das culturas afro-brasileiras, de valorização e de respeito das religiões de matriz africana. Não dá para pensar na luta do movimento negro, nas lutas de resistência se a gente não pensa nos afoxés”, ressalta.
Assis pontua ainda sobre importância do diálogo entre os blocos afro, como o Ilê Aiyê que completou 45 anos, e os afoxés para a construção do movimento negro na Bahia e no Brasil. Para o pesquisador, a participação dos afoxés é muito significativa, mas por vezes é silenciada. “Quando a gente pensa no final da década de 1970, quando esses afoxés ressurgem e agregam a juventude negra soteropolitana, deram muito fôlego para essa revolução racial que começou a acontecer a partir do carnaval. Os afoxés deram o axé para que essa revolução pudesse acontecer. E que a gente até hoje pudesse reverenciar essas entidades carnavalescas”, conclui.

Edição: Elen Carvalho