Pernambuco

Artigo

A literatura militante de Lima Barreto

Para o autor a literatura tinha uma missão e talvez por isso ele tenha vivido um isolamento artístico

Brasil de Fato | Recife (PE) |
A matéria prima da ficção de Lima Barreto era a realidade que o cercava
A matéria prima da ficção de Lima Barreto era a realidade que o cercava - Reprodução

O povo brasileiro com acesso à literatura teve um excelente reencontro com o escritor Lima Barreto em 2017. Em virtude do lançamento da biografia feita por Lilia M. Schawrcz e a edição da Feira Literária de Paraty (FLIP), a obra e a vida do autor carioca ficaram em evidência. Não poderia ter tempo melhor para uma redescoberta. Em uma época em que nos defendemos da naturalização do preconceito, fazer referência a Lima Barreto é um exercício de resistência e uma forma de reacender o papel militante da literatura.
O pensamento hegemônico, na época em que Lima Barreto produziu os seus livros, era o darwinismo social, conceito que justificava cientificamente o racismo. Num claro sinal de autonomia intelectual, o escritor tratou o racismo e o negro na literatura com olhar mais contundente, o que fez ele sair do comum, sobretudo por se autodeclarar um intelectual negro numa cena marcada pela hegemonia europeia. Nascido no final do século XIX, Afonso Henriques Lima Barreto era herdeiro de uma negra alforriada e um tipógrafo, trabalhou no serviço público, teve problemas com o álcool, foi vítima de racismo e, ainda assim, escreveu obras importantes como Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909) e Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915).
A matéria prima da ficção de Lima Barreto era a realidade que o cercava. Ele abordou novos cenários (narrou o subúrbio) e personagens (Isaías Caminha, um jovem negro como protagonista). Combateu a injustiça social, os privilégios da classe política, a violência contra mulher, o planejamento urbano da cidade do Rio de Janeiro e o papel do negro na sociedade brasileira. Deu espaço para os esquecidos e os comuns.
Para ele, a literatura tinha uma missão. Talvez por isso tenha vivido um isolamento artístico, não compondo o cânone literário nacional por um bom tempo. Foi, injustamente, esquecido. Tempos depois, na década de 1950, teve seu primeiro redescobrimento. Francisco de Assis Barbosa escreveu A vida de Lima Barreto (1952) e o resgatou do desprezo literário. Agora, com o livro de Schawarcz, em que é visto como Triste Visionário, ele retoma o fôlego e, sabiamente, continua nos lembrando da missão da literatura neste mundo: nos salvar do preconceito, da injustiça social e combater todo tipo de opressão.

 

*Jornalista

Edição: Monyse Ravena