Entrevista

Livro sobre a "nova direita" será lançado hoje em SP; confira entrevista com o autor

Flávio Henrique Casimiro: "Não podemos entender o Estado como organismo separado das relações das lutas de classe"

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Ouça o áudio:

Livro “A Nova Direita: Aparelhos de ação política e ideológica no Brasil contemporâneo” será lançado nesta quarta-feira (28)
Livro “A Nova Direita: Aparelhos de ação política e ideológica no Brasil contemporâneo” será lançado nesta quarta-feira (28) - Divulgação

A ascensão da "nova direita", cristalizada na figura de Jair Bolsonaro (PSL), não deve ser tratada como especial ou novidade. O resultado das eleições presidenciais no Brasil pode ser entendido como ação orquestrada de um movimento que engloba instituições da sociedade civil e a formatação de um discurso neoliberal pregado ao longo dos últimos 30 anos, desde a redemocratização.

Continua após publicidade

A avaliação é de Flávio Henrique Calheiros Casimiro, doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Pró-Reitor do Instituto Federal do Sul de Minas Gerais. Ao longo de quase 600 páginas, na obra “A Nova Direita: Aparelhos de ação política e ideológica no Brasil contemporâneo”, ele descreve como organizações neoliberais atuam de maneira decisiva na cultura e política do país.

Nesta quarta-feira (28), haverá um debate para o lançamento do livro às 19h30 em São Paulo, no Centro de Estudos da Mídia Alternativa “Barão de Itararé” -- rua Rêgo Freitas, 454 (República).  Esther Gallego, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Kelli Maffort, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) participam da mesa.

O livro, publicado pela editora Expressão Popular, será sorteado na Rádio Brasil de Fato, na próxima sexta-feira (30). Para participar, envie nome completo, cidade e a frase “Quero participar do sorteio” para (11) 94503-4203 ou [email protected].

A partir das teorias do filósofo marxista italiano Antonio Gramsci (1891-1937), Casimiro discorre sobre a expansão do projeto de uma nova direita na consolidação de uma hegemonia social. “A direita brasileira, a partir dos anos 1980, se insere em um conjunto de organizações que estabelece um novo modus operandi de atuação”, explica.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Casimiro explica como Instituto Millenium, Instituto Von Mises Brasil, entre outros, têm desempenhado um papel fundamental nas relações entre sociedade civil e o cenário político atual, ajudando a “reverberar o discurso da burguesia”.

Brasil de Fato - O que são os aparelhos privados de hegemonia, e como esse conceito gramsciano aparece ao longo do livro?

Flávio Henrique Calheiros Casimiro - Esse conceito dialoga com aquilo que chamamos de “Estado ampliado” e a forma como ele se insere na sociedade civil. Não podemos entender o Estado como organismo separado das relações das lutas de classe.

A ampliação estatal nos possibilita entender como organizações coletivas são fundamentais para a edificação do poder de classe. Um aparelho privado de hegemonia se caracteriza justamente pela desvinculação direta das relações de produção, mas são mecanismos de adesão voluntária, seja ele por parte da burguesia, no caso dos aparelhos privados, como também das organizações da classe trabalhadora que tem os seus aparelhos privados de ação contra-hegemônica.

O que o surgimento dessa nova direita nos diz acerca do embate entre os aparelhos hegemônicos da burguesia e os contra-hegemônicos da classe trabalhadora?

Nós vivemos um processo, que também está na teoria de Gramsci, que aborda a ocidentalização da sociedade civil ou uma ocidentalização tardia. A direita brasileira vem se organizando, e isso não quer dizer que a esquerda não tenha os seus próprios aparelhos e formas organizativas, mas a direita brasileira, a partir dos anos 1980, se insere em um conjunto de organizações que estabelece um novo modus operandi de atuação.

Mais do que pensar o que a esquerda deixou de representar nos espaços, o importante é entender como a direita assume essa estratégia como fundamental para continuação e atualização da dominação de classe. No Brasil, houve um aumento das organizações de esquerda, mas houve substancialmente um avanço da direita nesses espaços.

No livro, você fala sobre uma nova direita que atropela uma “direita antiga”. Como se dá esse processo e o que ele reserva para o futuro?

Um aspecto disso é a escalada do discurso de ódio nos últimos anos. Obviamente que nós temos essa escalada muito característica a partir de 2014. Esse discurso não nasce aqui ou é algo absolutamente novo no conjunto dos discursos e ações desenvolvidas pela classe dominante. Mas ele é um discurso construído desde os anos 1980, através desses aparelhos privados de hegemonia, que fazem com que esse discurso se torne proeminente e que alcance reverberação atual.

Essa disseminação discursiva ganhou muita força a partir de 2014, mas a construção disso é um processo, que vem se desenvolvendo dentro das forças da direita. É neste sentido que essa nova direita atropela a direita mais tradicional, com a sua forma de atuação e, principalmente, com esse discurso mais radical, com elementos do neofascismo.

Quais aparelhos de hegemonia podem servir de exemplo na relação entre sociedade civil – Estado e a ascensão da direita?

No livro, mostro ao menos 24 aparelhos que têm essa atuação. São alguns com função mais pragmática, como na Assembleia Nacional Constituinte. Nos anos 1990, há o fortalecimento de instituições da direita voltadas para a doutrinação e difusão dos valores do pensamento neoliberal, além do fortalecimento de organizações que são caracterizados por uma presença marcante no Estado. Um aparelho de ação doutrinária que aparece na pesquisa é a UDR [União Democrática Ruralista], de atuação na Assembleia Constituinte. O Instituto Liberal surge na década seguinte e, até hoje, difunde os valores do neoliberalismo. Há outros, como o Instituto Millenium, o Instituto Von Mises Brasil, o Estudantes pela Liberdade.

São diversas organizações que difundem esses valores e atuam politicamente, então não é uma questão só cultural. Essas ações estão intrínsecas ao Estado. Quando falamos do Movimento Brasil Competitivo (MBC), de Jorge Gerdau Johannpeter, por exemplo, estamos vendo a presença de uma organização proporciona uma mistura entre Estado e sociedade civil. Há o LIDE (Grupo de Líderes Empresariais), que acabou sendo mola propulsora para eleger João Dória (PSDB), o Instituto Atlântico. São várias instituições que se articulam em forma de rede, com discursos que se tornam aparentes verdades na medida em que são difundidas de maneira capilarizada.

Qual o embate deve ser feito pela esquerda para contrapor essa ação?

A luta de classes precisa ser acirrada. As forças da esquerda, os movimentos sociais, precisam se organizar. Nesse momento, percebemos um movimento reacionário muito forte, e que coloca em xeque direitos e conquistas sociais, direitos de liberdade de expressão e cátedra. Tudo isso está sob vigilância, então necessitamos de toda forma de luta possível.

Gramsci fala sobre as trincheiras na guerra de posição, no sentido de nos precaver das futuras ações e contrarreformas que estão por vir, mas também como reação. É o momento da esquerda se reorganizar e, embora eu não saiba como, entendo que isso é um fato urgente em nossa conjuntura.

Edição: Daniel Giovanaz