Crime Ambiental

Indígenas e pescadores: vidas tomadas pela lama, respostas da Samarco "em análise"

Atingidos continuam aguardando reparação da empresa responsável pela contaminação da bacia do rio Doce

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Tupiniquins de Aracruz/Divulgação
Tupiniquins de Aracruz/Divulgação - Protesto indígena na porta da empresa Vale, em Vitória (ES), relembra pior crime ambiental da história do país

Um grupo de indígenas do povo tupiniquim de Aracruz, na foz da bacia do rio Doce, realizaram um protesto na tarde desta quinta-feira (6), em Vitória (ES), bloqueando a portaria da empresa transnacional Vale/BHP Billiton, dona da Samarco. O objetivo do bloqueio é exigir o pagamento imediato da indenização dos atingidos pelo vazamento de rejeitos de mineração ocorrido em 5 de novembro de 2015. O crime ambiental impactou as cidades às margens da bacia do Rio Doce e também a atividade pesqueira em alto mar, no Espirito Santo. 

A Fundação Renova, instituição criada em março do ano seguinte para reparar os danos, afirmou ao Brasil de Fato que o trabalho ainda está em fase de "análise", "mapeamento" e "lançamento de campanha" para comunidades indígenas, artesãos e pescadores.

De acordo com o atingido Douglas Silva, o crime ambiental afetou a organização social, a espiritualidade e a cultura dos indígenas. A Renova, segundo ele, não atende às necessidades dessa população.

“Eles estão enrolando, estão empurrando com a barriga. Só que o nosso povo é bem fechado. É bem unido. Se for reivindicar, a gente reivindica assim, pressionando quem tem que pressionar, quem cometeu o crime. A Renova é só uma maquiagem”, diz.

As praias ao longo do leito dos rios e a pesca farta desapareceram. “É a natureza que não retorna mais em três anos. Não tão cedo teremos o que é nosso de volta”, acrescenta Silva.

Modo de vida de pescadores destruído

Os rejeitos de mineração da Samarco continuam impactando a vida de trabalhadores por toda a bacia do rio Doce e indo além. Os pescadores de camarão em alto mar do litoral do Espírito Santo perderam mais da metade da renda e tiveram que dobrar os esforços para continuar pescando.

É o que explica o Braz Clarindo Filho, vice-presidente do sindicato dos pescadores autônomos do Espírito Santo.

“Eles mataram o mangue. E ‘matou o mangue’ acabou a vida no mar. Toda a fauna: camarão, pescadinha, camarão branco depende do rio. A desova é no manguezal e sai para o mar. Agora acabou”, disse Clarindo.

Antes do crime ambiental, os pescadores iam pescar camarão a 40 km do litoral e conseguiam pescar entre 200 kg e 300 kg. Agora, os barcos precisam se afastar mais de 150 km da costa e mal conseguem 50 kg.

A qualidade do pescado, segundo Clarindo, diminui também. O quilo do camarão sete barbas da região, que era vendido por R$ 15 ou R$ 16, agora sai por R$ 8.

Sem ajuda

Passados mais de três anos do crime ambiental, os moradores do município de São Mateus não receberam o ressarcimento necessário da empresa Samarco ou da Fundação Renova, que deveria ser um cartão para despesas emergenciais e uma indenização, como denuncia Cláudia Monteiro Teixeira de Oliveira, presidente da associação do moradores de Barra Nova do Sul, região onde fica a ilha de pescadores de São Mateus.

“Eu fiz uma listagem dentro da minha comunidade e deu 125 pessoas que foram impactadas, mas só 12 pessoas receberam a indenização e só alguns, o cartão de ajuda. Os que não receberam nada precisam pagar o pão de cada dia", disse Cláudia.

A presidente da associação conta que faz três meses que nenhum representante da Fundação Renova aparece na comunidade para mapear as famílias atingidas.

O que a Renova diz:

O Brasil de Fato procurou a Fundação Renova questionando sobre as ações de reparação para indígenas, pescadores e comunidades ribeirinhas ao longo da bacia do rio Doce. 

Em relação ao número de pessoas que a fundação considera impactadas, a Renova afirmou que "até o momento, foram realizadas 39 mil solicitações de ingresso ao Cadastro Integrado. É por meio deste cadastro que se torna possível caracterizar a extensão do impacto para cada pessoa. A fundação afirma que "o preenchimento é voluntário". "Até o momento foram desembolsados R$ 1,2 bilhão em indenizações e auxílio-financeiro. Mais de 25 mil pessoas atendidas pelo programa de auxílio financeiro", afirma a fundação em sua resposta. Segundo levantamento do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) ficam sem reconhecimento "mais de 1 milhão de atingidos, sendo que 70% das mulheres cadastradas não obtiveram resposta alguma, 17 aldeias, 4 territórios e 3 povos (Krenaks, Tupinikins e Guaranis), um total de 3540 indígenas atingidos, 8 municípios."

A Renova argumenta que a Fundação Nacional do Índio (Funai) instituiu, em "seu Termo de Referência, a necessidade de contratação de uma consultoria independente, para realização de Estudo de Componente Indígena", e que tal estudo está em fase de finalização. "A Fundação Renova ressalta ainda que mantém diálogo permanente com estes povos, respeitando suas prerrogativas".

Sobre as ações voltadas para as comunidades indígenas da região, a Renova afirmou na nota que aguarda um estudo da Funai para "dimensionar o impacto e assim traçar o planejamento das medidas de reparação e compensação".

Especificamente sobre os garimpeiros, a nota da fundação cita um cadastro e diz que "as pessoas que fizeram o cadastro e foram ou venham a ser consideradas diretamente atingidas terão seus processos analisados e, se forem elegíveis aos Programas da Fundação Renova, serão chamadas para atendimento, na medida em que as políticas de indenização para cada grupo de atingidos forem sendo definidas."

Em relação à situação dos pescadores, a Renova ressaltou que atua para restabelecer as atividades econômicas, porém, ainda depende de parcerias com institutos de pesquisa para determinar "entre outras questões, se o peixe está próprio para o consumo humano".

Edição: Brasil de Fato