ARTIGO | Rasteira Institucional

Agrogolpe e política externa parte 2: a normalização

Bolsonaro continuará o projeto do grande agronegócio de tentar calar os êxitos da agricultura familiar e da agroecologia

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Bancada ruralista durante encontro com Jair Bolsonaro.
Bancada ruralista durante encontro com Jair Bolsonaro. - Foto: Divulgação/FPA

O futuro chanceler do Brasil, Ernesto Araújo, tuitou que o Ministério das Relações Exteriores (MRE) terá um Departamento do Agronegócio. Para ele, o Agronegócio é portador dos reais valores da nação brasileira. Assim, o Departamento promoverá exportações do agronegócio e de seus ideais. O tuíte também declara a intenção de se afastar da política externa dos governos petistas. Em se confirmando a criação do Departamento, Bolsonaro normalizará a rasteira institucional aplicada pelo agrogolpe na política externa brasileira. 

A política externa do PT era repleta de contradições, refletindo o que era o governo de maneira geral. Defendia os interesses tradicionais do agronegócio, mas, de forma inovadora, também representava as posições da pequena agricultura familiar. Isso não é coisa menor: o Brasil, formado como colônia exportadora de recursos naturais e fundado na escravidão, nunca teve uma diplomacia que representasse os povos simples do campo. Nos períodos de industrialização induzida, em que o poder ditatorial abafou relativamente a oligarquia, a economia camponesa jamais sonhou ter sua bandeira hasteada para o mundo com símbolo do que há de melhor no Brasil. Em meio às duras contradições dos governos Lula e Dilma, o Itamaraty e outros ministérios, como o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), e empresas estatais como a EMBRAPA e a CONAB, tiveram espaço para mostrar ao público internacional como era possível organizar sistemas agroalimentares a partir da pequena propriedade, com apoio do Estado. O agrogolpe, na política externa, quis impedir exatamente isso. 

É claro que os camponeses não têm o poder econômico das oligarquias rurais. Porém, o movimento ganhou espaço na disputa por corações e mentes, mostrando-se como alternativa ao sistema excludente e venenoso do agronegócio. Por isso, muitos países buscaram a cooperação técnica do Brasil para desenvolver sistemas de alimentação escolar, de compras institucionais, de organização de estoques. O agrogolpe, na política externa, tentou soterrar a divulgação dessa alternativa. 
Vejamos os atos e seus símbolos. O tucano José Serra (derrotado em eleições por Lula, Dilma e Haddad), eliminou a Coordenadoria de Ações de Combate à Fome (CGFome) do MRE quando se tornou chanceler de Temer. Temer extinguiu o MDA no dia em que assumiu como presidente interino. Com o MDA, cabe lembrar, os camponeses sentaram-se na mesma mesa que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para discutir as negociações internacionais do Brasil. 
A rasteira que derrubou essa estrutura institucional busca agora se limpar dos vestígios. O governo Bolsonaro, democraticamente eleito, continuará o projeto do grande agronegócio de tentar calar os êxitos da agricultura familiar e da agroecologia. Neste cenário, será importante construir alianças transnacionais com os povos interessados em justiça social no campo, comida saudável e preservação do meio ambiente. O Brasil dos pequenos tem muito a mostrar ao mundo.

*Professor de Relações Internacionais da UFPB. Coordenador do Grupo de Pesquisa Fome e Relações Internacionais (FomeRI).

Edição: Heloisa de Sousa