Descaso

Jornalistas relatam restrições no acesso a água, alimentos e banheiro durante a posse

Repórteres credenciados estão na Esplanada desde às sete da manhã e podem ficar confinados por até 14 horas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Normas impostas nesta terça-feira (1º) nunca haviam sido aplicadas em outras posses presidenciais
Normas impostas nesta terça-feira (1º) nunca haviam sido aplicadas em outras posses presidenciais - @Iaralemos via Twitter

Dezenas de repórteres presentes na posse do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) têm denunciado as restrições impostas pelo Palácio do Planalto para realização da cobertura jornalística -- entre elas, a impossibilidade de ir ao banheiro, de ingressar com certos tipos de alimento e garrafas d'água. 

Sob a alegação de "medidas de segurança", o Palácio do Planalto impôs restrição à circulação de jornalistas na Esplanada dos Ministérios. Os trabalhadores tiveram que chegar às sete horas da manhã para a cobertura da posse, que começou às 15 horas. Incomodados com as condições inéditas, jornalistas da França e da China decidiram abandonar a cobertura.

Colaboradora do jornal New York Times em Espanhol, a jornalista Carol Pires escreveu na sua conta do Twitter: "Essa é a 1ª posse em que jornalistas são proibidos de transitar entre o Palácio, Congresso e Itamaraty - quem vê a diplomação no plenário não pode ver a passagem da faixa. Dentro dos prédios também foram criados setores- portaria, salão ou plenário. Ninguém vê o cenário completo."

Na Câmara dos Deputados, onde ocorrerá a solenidade de posse de Jair Bolsonaro (PSL), faixas impedem o livre trânsito de jornalistas, que foram proibidos de ingressar no Comitê de Imprensa da Casa, tradicional espaço de trabalho dos correspondentes, e também de portar itens como Equipamentos de Proteção Individual (EPI), garrafas d'água e até maçãs inteiras -- supostamente, para evitar agressões.

Os profissionais tiveram acesso à água somente depois das 10 horas da manhã, mesmo trabalhando em esquema de plantão desde as oito, conforme havia sido determinado pela segurança do evento como regra geral para a cobertura.

Jornalista, e editora-chefe do jornal Destak, foi uma das várias profissionais que criticou as condições de trabalho. 

 

Esse tipo de norma nunca foi aplicado em outras posses presidenciais. Os jornalistas passaram por duas revistas -- uma no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e outra no Senado. O fotógrafo Lula Marques relatou em sua conta no Facebook o que teria sido dito por agentes de segurança no ônibus que levou os jornalistas do Centro Cultural Banco do Brasil para a cobertura da posse: “Acabei de ouvir: quem não obedecer leva tiro”.

Segundo informações apuradas pelo Brasil de Fato, somente cerca de 20 jornais receberam a senha de acesso ao plenário da Câmara dos Deputados. Entre aqueles que obtiveram a permissão, estão o jornal O Estado de São Paulo e os veículos das Organizações Globo. Os critérios de escolha e a lista oficial dos nomes não foram divulgados. Embora a informação não seja oficialmente confirmada, a reportagem apurou ainda que a seleção dos veículos foi feita pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE).

O governador do Maranhão, Flávio Dino, expressou solidariedade aos jornalistas em sua conta no Twitter: "A lógica do “conflito pelo conflito”, como instrumento ideológico para o exercício do poder, produz hoje suas primeiras vítimas em Brasília: a liberdade de imprensa e o exercício digno do trabalho dos jornalistas. Recebam a minha solidariedade pessoal."

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal emitiu nota exigindo uma "mudança imediata" na forma em que estão sendo tratados os jornalistas. 

"Desde o começo do dia, jornalistas que estão no Congresso e no Itamaraty reclamam de proibição de acesso aos banheiros e fornecimento de água, já que foi proibido que os jornalistas levassem garrafas de água para os locais. Houve até ameaças de tiro caso os trabalhadores deixassem a área reservada para imprensa. Alguns jornalistas estrangeiros já solicitaram suas respectivas saídas do Itamaraty devido ao tratamento desumano a que foram submetidos. (...) Isso é inaceitável e não há qualquer justificativa de segurança que dê sentido a esse tratamento. Enquanto isso, alguns veículos alinhados ao novo governo recebem credenciais com livre acesso às cerimônias de posse, mostrando um favorecimento impensável em uma democracia", denunciam os trabalhadores organizados na nota.

Edição: Mauro Ramos