SANGUE BANDEIRANTE

Quem é João Camilo, primeiro militar a assumir a Segurança de São Paulo em 40 anos?

Militar da reserva assume sob as promessas de Doria de endurecer o combate ao crime e mandar “bandidos para o cemitério”

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Primeiro militar no comando da SSP desde 1979, general tem ideias vagas sobre como resolver os problemas do estado
Primeiro militar no comando da SSP desde 1979, general tem ideias vagas sobre como resolver os problemas do estado - Tribunal de Justiça de São Paulo

O novo Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP), João Camilo Pires de Campos, tem 64 anos e é o primeiro general a comandar a SSP desde Erasmo Dias, que ocupou esse posto durante o regime militar, entre 1974 e 1979, e ficou conhecido por liderar a repressão política contra estudantes reunidos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Pires de Campos tem extensa ficha de atuação nas Forças Armadas: iniciou sua carreira no Exército em 1970, com 16 anos, e chegou a chefiar o Comando Militar do Sudeste e a Escola de Comandos, responsável pela formação de generais. Também foi, no ano passado, assessor da campanha de Geraldo Alckmin (PSDB) à presidência da república.

João Camilo ascende ao posto de comandante das polícias do estado sob a ideia endurecimento no combate ao crime, uma das bandeiras de campanha do governador tucano João Dória, que se elegeu surfando na "onda Bolsonaro" e prometendo que o policial que matasse em serviço teria “acesso aos melhores advogados”. 

“Polícia na rua e bandidos na cadeia. Aqui em São Paulo bandido não vai ter moleza. Direitos humanos é proteger as famílias, proteger a propriedade. Criminoso será imobilizado, preso e se necessário, ao reagir, entre a vida de um policial e a de um bandido, eu como governador determino que vamos salvar a vida do policial e que o bandido vá para o cemitério”, disse o governador João Dória antes de passar a palavra ao novo secretário.

Doria propôs investir em equipamento para as polícias e criar novas unidades do Batalhão de Operações Especiais (BAEP), como forma de reduzir os índices de criminalidade. 

“Não adianta a polícia prender, se a lei manda soltar”, dizia o governador em uma de suas longas inserções na televisão, ainda no segundo turno, logo antes de prometer que, se eleito, lutaria pela redução da maioridade penal e endurecimento das leis de encarceramento no país. Além disso, como forma de dialogar com o eleitorado feminino, prometeu a construção de mais delegacias da mulher e a criação de um aplicativo com “botão de pânico”, para que uma mulher em perigo iminente pudesse acionar a viatura mais próxima.

Soluções vagas

Ao ingressar na secretaria, Pires de Campos herda bons indicadores em relação aos homicídios, que tiveram queda consistente desde 1999, e hoje estão em oito para cada cem mil habitantes, metade da média nacional. A situação é semelhante nos casos de roubos e furtos de veículos. Mas nem tudo são rosas.

Entre os problemas que o novo secretário terá de enfrentar estão o aumento do número de estupros, a crescente letalidade policial e os conflitos entre as polícias civil, científica e militar. Dados da própria SSP mostram que, entre 2017 e 2018, houve aumento de 11% nos casos de violência sexual no estado. Ao mesmo tempo, 2017 registrou o maior número de mortes causadas por policiais nos últimos 21 anos: 939 ao total. 

Apesar da experiência, o general Pires de Campos parece ter poucas ideias concretas a respeito de como solucionar os problemas que afligem a área de segurança no estado, conforme demonstrou em um briefing com jornalistas realizado logo após a coletiva de imprensa em que foi apresentado, em novembro do ano passado. 

Neste sentido, reproduzimos aqui as perguntas feitas pelos repórteres e, também, as respostas do general:

General, vai ser uma gestão linha dura? Uma gestão serena. Serena e segura. 

O grau de letalidade [policial] tem sido muito alto. O senhor se preocupa com essa questão? Eu tenho a convicção de que não se mata por matar. 

Mas tem alguns casos de execução: Isso tem que ser tratado caso a caso.  

A polícia e o estado devem pagar advogados [aos policiais] inclusive em casos de execução? Cada caso é um caso. Sou a favor daquilo que o governador diz. O policial tem que ser valorizado e tem que ser amparado pelo estado. 

Os crimes contra a mulher são os que mais crescem em São Paulo. Como o senhor acha que é possível reverter essas estatísticas? Tem que ser combatido. Combatidos com tecnologia. Nós estamos vendo a Prefeitura de São Paulo implementando um programa espetacular de tecnologia, que tem que ser expandido, e será expandido de forma conveniente. Elas tem que ser protegidas. 

Relação com os movimentos sociais

Durante a campanha de segundo turno nas eleições de 2018, o atual governador fez esforços para aproximar-se do discurso de Bolsonaro, seguindo a mesma toada de declarações agressivas contra os movimentos sociais, em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em um tweet, Dória escreveu: “Ao contrário do meu adversário, quero distância de movimentos criminosos como o MST. Nossa gestão vai valorizar o agronegócio e levar mais segurança ao homem do campo” 

Declarações como essas foram utilizadas amplamente, tanto nas inserções de televisão como nos debates e redes sociais. O General Camilo, entretanto, baixou o tom em relação ao novo governador. Quando questionado por jornalistas a respeito da relação que teria com o MST, respondeu: “Se permanecer em condições normais de temperatura e pressão, não é um problema de segurança pública, quando ultrapassa a barreira da ordem e da disciplina, ele passa a ser de segurança pública”. O problema será determinar o que são a “ordem” e a “disciplina” das quais o general falou.

Gilmar Mauro, integrante da Coordenação Nacional do MST, comentou as declarações, e apresentou uma análise das últimas eleições: “Não é preciso ser sociólogo para saber que foram os problemas sociais que produziram os movimentos populares. O MST não criou o problema agrário no Brasil. A lógica para acabar com os sem-terra é resolver os problemas sociais, então [a ideia de Dória] é como fazer uma represa em um rio: se não houver vazão, uma hora ela vai explodir”, diz Mauro.

“Essa criminalização, do ponto de vista ideológico, escamoteia o principal da intenção do Dória e dos seus: ganhar dinheiro, se apropriar do estado para promover uma série de privatizações e aberturas ao capital”, completa.

Ao ser perguntado se as recentes declarações preocupam a direção do MST, Gilmar afirma que, para que ele sobreviva, será preciso continuar ativo, apesar de todas as dificuldades: “Qual vai ser o nosso comportamento? Muito cuidado, mas vamos continuar fazendo luta e fazendo pressão. A Constituição estabelece que toda terra que não cumpre com a função social pode ser desapropriada. Então, o movimento popular vai continuar se organizando, lutando e fazendo suas reivindicações. Se o movimento não fizer isso ele perde o sentido de ser”.

Sangue Bandeirante

O General Pires de Campos é ao mesmo tempo descendente das famílias bandeirantes Pires e Camargo que, entre 1640 e 1660, protagonizaram uma sangrenta “guerra civil” dentro de São Paulo, conhecida como Guerra dos Pires contra os Camargo, pelo controle de instituições políticas da cidade.

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira