Crime ambiental

Artigo | O que é mais dispendioso, cumprir condicionantes ou remediar catástrofes?

Questionamentos surgem diante de situações trágicas como as que estamos vivendo

Brasil de Fato | São Paulo |
"A lama de rejeito é, resumidamente, uma composição de resto de solo com todo o material químico utilizado para segregar o produto final."
"A lama de rejeito é, resumidamente, uma composição de resto de solo com todo o material químico utilizado para segregar o produto final." - Maria Júlia Andrade - MAM

Para acompanhar o desastre ocorrido em Brumadinho, primeiro é preciso entender o básico do processo de uma atividade de mineração. A obtenção do minério compreende as etapas de lavra – que é o processo de retirada do minério da jazida – e beneficiamento, que consiste no tratamento para preparar, concentrar ou purificar minérios, visando extrair o material de interesse econômico, ou seja, o produto final da atividade mineradora. 

A lama de rejeito é, resumidamente, uma composição de resto de solo com todo o material químico utilizado para segregar o produto final, portanto, tóxica, tanto pela sua composição quanto pela concentração e volume dos compostos químicos presentes. 

Em segundo lugar, há de se diferenciar a barragem de rejeitos de uma barragem hidráulica. As barragens constituídas com rejeitos se comportam basicamente como aterros hidráulicos (aterro de material fluido) e não para reter cursos d’água. 

O objetivo final da barragem de rejeitos é sedimentar, compactar ou simplesmente endurecer o fluido dentro de um espaço impermeável para que não haja infiltração e contaminação do solo e dos corpos hídricos (subterrâneos ou superficiais), tornando aquele pedaço de chão inócuo porém seguramente isolado. É exatamente o inverso disso que ocorre com o rompimento da barragem. Essa sedimentação passará a ocorrer no leito do rio, afinal, o rejeito é mais denso e pesado do que a água, que não poderá simplesmente dissolvê-lo. 

Existem vários tipos de Barragens de Rejeito. A maioria delas no Brasil são as que utilizam o método de alteamento para montante do dique de lançamento, que são mais suscetíveis a rompimentos do que à jusante. O rompimento pode ser por danos no dique, quebra de talude, ou simplesmente por piping (estouro dos canos de drenagem). 

Todos os rompimentos anteriores foram em estrutura desse tipo. Assim, após a tragédia em Mariana, o Estado de Minas Gerais, através do Decreto Nº 46.993 de 2016, determinou a suspensão de licenciamento ambiental de novas ou ampliação de antigas barragens de contenção de rejeitos nas quais se pretenda utilizar o método de alteamento para montante; exceto os trâmites que existiam antes do decreto mediante a realização de Auditoria Técnica Extraordinária de Segurança de Barragem.

Questionamentos surgem diante de situações trágicas como as que estamos vivendo. Diante do encerramento do depósito de rejeitos e instalação do reuso de material depositado, a Auditoria Técnica foi realizada na barragem que se rompeu em Brumadinho? Se sim, como as causas da ruptura não foram identificadas? O Licenciamento Ambiental é o grande inimigo do desenvolvimento econômico nacional? Se tivesse sido cumprido à risca, ao menos o alarme teria soado e salvado centenas de vidas? O que é mais dispendioso, cumprir condicionantes ou remediar catástrofes? 

O Presidente da República, Jair Bolsonaro, desde a campanha eleitoral, preconizou o Licenciamento Ambiental como um problema a ser resolvido de forma equivocada e perigosa. 

O novo governo já propõe revogar vários decretos que tratam do tema, assim como retirou a atribuição do licenciamento do Ministério do Meio Ambiente. O novo ministro fala em redução de prazos, mas não menciona o fim do arrocho e cortes na área, novas contratações e melhoria de equipamentos e infraestrutura. 

Infelizmente, o discurso nacionalista pouco se vê implementado nessa área. Em vez de tratar nossas barragens hidrelétricas e de rejeitos como questão de segurança nacional, criminalizar servidores, os taxando de ideológicos e ineficientes e afrouxar regulamentações para destravar licenças parecem ser o caminho que o governo escolheu. 

Sistemas à jusante são de mais fácil operação e mais seguros, porém levam mais tempo para serem construídos por motivos técnicos que não vem ao caso. Para uma operação de extração mineral que dura séculos, tempo não é bem um fator limitante. Mas existe um fator de vantagem da montante em relação à jusante, alinhada com a política ambiental do novo governo: menos investimentos, ou vulgarmente conhecido como mais lucro imediato.

*Marcela Rodrigues é Engenheira Ambiental e mestranda em Ciências Mecânicas pela UnB.

Edição: Daniela Stefano