Pernambuco

RESISTÊNCIA

Editorial | Sobre Marielle: não haverá justiça sem democracia

A conjuntura atual coloca um enorme desafio às forças populares

Brasil de Fato | Recife (PE) |
 "O desafio é articular o combate ao governo neofascista de Bolsonaro com a construção de um amplo movimento na defesa dos direitos sociais"
"O desafio é articular o combate ao governo neofascista de Bolsonaro com a construção de um amplo movimento na defesa dos direitos sociais" - Roger

Com menos de 30 dias de mandato, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) revelou não apenas sua verdadeira face, mas também a trama mais profunda do estado de exceção instaurado no país desde o golpe de 2016. O caso de corrupção envolvendo o filho do presidente, tendo como centro a utilização de laranjas para desvio de dinheiro público revelou não apenas a profundidade da corrupção praticada pela família do presidente, mas o envolvimento direto com o crime organizado do Rio de Janeiro. 
Entender o significado desse episódio exige, contudo, recompor os objetivos contraditórios do golpe sofrido pela democracia em 2016. A questão colocada era evidente: como garantir que a esquerda deixasse de ter influência nos setores populares durante um governo ilegítimo cujas medidas de desmonte dos direitos agravavam aceleradamente a miséria do povo brasileiro? A resposta era também evidente: minando a democracia formal existente no país. 
O primeiro semestre de 2018 representou, contudo, um sinal de alerta aos setores golpistas. Mesmo com toda a campanha difamatória do aparato judicial e da grande mídia, Lula seguia como favorito na disputa presidencial e, do outro lado, o setores conservadores e neofascistas seguiam sem uma candidatura viável para legitimar a ruptura da democracia. É nesse contexto que a estratégia do golpe sofre uma inflexão decisiva utilizando como laboratório a cidade do Rio de Janeiro. 
Não havia novidade na utilização de forças militares no Rio. O balanço das operações realizadas nos anos anteriores demonstrava claramente a ineficácia de tais forças contra o crime organizado: tanto no que se refere ao narcotráfico, quanto contra as milícias organizadas, que passaram a ocupar as favelas disseminando o terror para extorquir a população mais pobre. Os setores progressistas da sociedade carioca ocupavam um lugar central na denúncia da atuação das milícias e eram também principais opositores à intervenção militar no estado. Sua voz mais corajosa na cidade do Rio era a vereadora Marielle Franco, assassinada menos de um mês após a intervenção militar. Na outra ponta encontrava-se o clã da família Bolsonaro, conhecida por sua defesa pública das milícias no parlamento e, naquele momento, ponta de lança na defesa da intervenção militar. 
Menos de um mês depois do assassinato de Marielle, os inimigos do povo davam outro passo decisivo com a prisão de Lula, contando com a pressão do aparelho militar sobre o judiciário como meio de garantir a subordinação do STF. A ligação de Flávio Bolsonaro com as milícias suspeitas do assassinato de Marielle é inseparável da estratégia ultraconservadora que tomou conta do país. 
A conjuntura atual coloca, assim, um enorme desafio às forças populares. Trata-se de articular o combate ao governo neofascista de Bolsonaro com a construção de um amplo movimento na defesa dos direitos sociais e pelo retorno à democracia. Somente com a retomada da democracia será possível frustrar a estratégia neofascista de entrega do país e finalmente fazer justiça à Marielle Franco.

Edição: Monyse Ravenna