Paraná

Justiça seletiva

“Em paz com a consciência”, desembargadores do TJ do Paraná validam assassinatos

Defesa de propriedade que não cumpria a função social foi considerado mais importante do que direito à vida no campo

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
 Posições como a do Tribunal de Justiça acabam por instigar ações violentas contra movimentos sociais.
Posições como a do Tribunal de Justiça acabam por instigar ações violentas contra movimentos sociais. - Reprodução

O Tribunal de Justiça do Paraná anulou, na quinta-feira (14), a decisão judicial que determinava que o atual secretário da agricultura de Paranavaí, Tarcísio Barbosa de Souza, fosse a júri popular pelo assassinato do agricultor sem-terra Sebastião Camargo.

Integrante da União Democrática Ruralista (UDR) e ex-presidente da Comissão Fundiária da Federação de Agricultura do Estado do Paraná (FAEP), Barbosa é acusado de ser o responsável pela contratação e pelo armamento da milícia privada que assassinou Sebastião Camargo.O agricultor foi morto no dia 7 de fevereiro de 1998, durante um despejo ilegal promovido pela milícia na Fazenda Boa Sorte, na cidade de Marilena, Noroeste do estado.

Com o discurso alinhado à defesa da propriedade privada, os três desembargadores da 1ª Câmara Criminal consideraram que não havia indícios suficientes para manter a decisão do juiz Vitor Toffoli, da Comarca de Nova Londrina, que em junho do ano passado considerou que existiam evidências de que o ruralista contribuiu para a morte do agricultor e por isso deveria ser julgado em júri popular. Com a derrubada da decisão por parte do TJ, o caso deve ser levado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Outras quatro pessoas já foram à júri popular pelo assassinato do agricultor e foram condenadas.

Uma vida a menos

Durante a sustentação oral, a defesa de Tarcísio Barbosa tentou amenizar o assassinato de Sebastião Camargo pelo fato de o mesmo ser do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

“Um homem trabalhou anos, acordou de madrugada, para poder comprar a fazenda. Os sem-terra invadem ela e querem o quê?”, questionou o advogado de Barbosa. Em sua sustentação, o advogado não mencionou o fato de que a Fazenda Boa Sorte, que era de propriedade de Teissin Tina, já havia sido declarada improdutiva pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária antes de ser ocupada pelas famílias. O imóvel estava em fase de desapropriação para criação de um assentamento da reforma agrária.

Esses fatos, no entanto, não foram levados em consideração pelos desembargadores do Tribunal de Justiça. Para eles, a ocupação promovida pelo MST se trata apenas de violação do direito da propriedade privada. “Se fosse na minha propriedade, seria eu aqui”, comentou o juiz substituto Benjamin Acácio que presenciava a sessão.

Relator do processo, o desembargador Clayton Camargo não escondeu o preconceito contra o MST: “Graças a Deus estamos vivendo outra época. O governo vai deixar de patrocinar esse tipo de movimento”, falou. “Os tribunais têm obrigação de defender o direito de propriedade”, declarou, e encerrou dizendo que dava o voto “em paz com a consciência”.  

Seletividade

Para a organização Terra de Direitos, esse resultado mantém o caráter de impunidade e seletividade penal que cerca o caso. A certeza da impunidade abre brechas para o aumento da violência no campo, em um cenário onde os conflitos no campo podem ser acentuados por meio da permissão do estado.

Caso

Às 6h30 do dia 7 de fevereiro de 1998, pistoleiros armados, sob o comando da União Democrática Ruralista (UDR), chegaram no acampamento em que viviam 300 famílias. Sob tiros, agressões e insultos, os acampados foram arrancados de barracos de lona e obrigados a deitarem no chão, com o rostos virado para baixo, pois seriam colocados em caminhões de gado e despejados em cidades vizinhas.

Sebastião Camargo era um dos integrantes do MST, com 60 anos, cinco filhos, esposa, uma vida de trabalho no campo e o sonho de conquistar a terra. Tinha problemas na coluna e não conseguia permanecer com a cabeça abaixada. Sebastião foi assassinado com um tiro de escopeta calibre 12, na cabeça.

Edição: Laís Melo