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Plano Diretor do Recife é aberto novamente para debate

Debates na Câmara de Vereadores definem últimas alterações no projeto da cidade

Brasil de Fato | Recife (PE) |
O calendário de revisão do plano diretor teve início em junho de 2018
O calendário de revisão do plano diretor teve início em junho de 2018 - Wesley D'almeida/PCR

Da próxima quinta-feira (21) até o fim de abril fica aberto o último período em que a sociedade civil poderá contribuir para a elaboração do Plano Diretor do Recife (PDDR). Encontros são abertos ao público e ocorrem no Plenarinho da Câmara de vereadores do Recife, sempre nas manhãs das quintas-feiras. O Plano Diretor é uma lei que define as prioridades e rumos da expansão urbana e do desenvolvimento e funcionamento da cidade.

No plano diretor a sociedade e o poder público definem as áreas em que a Prefeitura deve investir mais em saneamento ou em mobilidade, por exemplo, ou ainda os locais em que deve ser estimulado novas moradias, onde deve ser área de preservação ambiental ou de patrimônio histórico e, claro, em quais espaços da cidade as populações mais pobres podem viver e onde as construtoras podem levantar prédios. O plano diretor aponta como queremos o Recife daqui a 10 anos.

Este é um instrumento garantido pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal nº10.257 de 2001), como obrigação dos municípios com mais de 20 mil habitantes. Próximo de completar os 10 anos, o Plano Diretor do Recife (PDDR) é novamente aberto a revisões. O último PDDR foi realizado entre 2005 e 2008. Sua revisão teve início no ano passado. E é provável que o plano seja concluído até agosto, totalizando um ano de discussão.

O tempo para revisão é considerado curto por setores da sociedade civil. "Foi uma revisão que durou menos de 6 meses, sem o debate necessário. A participação foi muito prejudicada", lamenta Rud Rafael, militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). "Esperamos que na Câmara isso melhore. Mas é impossível termos um bom plano diretor sem tempo para construí-lo", pontua.

Um ponto crucial para os movimentos de moradia é o debate da função social da propriedade, classificado exigida no artigo 5º, parágrafo XXIII da Constituição Federal. "Existem 70 mil famílias precisando de moradia no Recife, mas há um número ainda maior de imóveis abandonados ou subutilizados na capital", queixou-se Rud.

O MTST integra a articulação Recife de Luta, da qual também participam outros movimentos de moradia, como o MNLM, o MLPC e a UNMP, além de articulações comunitárias de Santo Amaro, Ibura, Jordão, Ilha de Deus e Graças. Integram ainda universidades, como UFPE e UFRPE; o sindicato dos trabalhadores informais (Sintraci), institutos de arquitetos e urbanistas; e ongs como Ameciclo, Habitat para a Humanidade, ActionAid e FASE. A articulação lançou 30 propostas que chamam de inegociáveis para o PDDR.

Um dos pontos espinhosos do debate do plano diretor são as zonas especiais de interesse social, as ZEIS. "Quando uma área é ocupada por pessoas sem moradia, muitas vezes as pessoas sofrem ameaças, além das carências estruturais. Ao virar uma ZEIS, essa comunidade terá prioridade de investimentos da prefeitura em urbanização, serviços e na legalização de terras", informa Rud.

Quando uma região é reconhecida como ZEIS, muda-se as regras de ocupação daquele território. Proibe-se, por exemplo, prédios altos e que um mesmo proprietário tenha grandes lotes um uma grande quantidade de lotes. "É isso que impede que as construtoras comprem para si esses bairros. Brasília Teimosa, Pina, Entra Apulso, Coelhos, Santo Amaro, Coque e outras comunidades em áreas nobres da cidade não existiriam se não fossem as ZEIS. As pessoas teriam sido afastadas para longe", diz Rud. O militante do movimento sem teto alerta ainda dos riscos de flexibilização da lei. "Há quem diga que o problema da moradia seria solucionado se abrissem as ZEIS para as construtoras. Mas elas constroem moradias para outras faixas de renda", pontua. Um terço da população do Recife vive em ZEIS.

Entidades como a Associação de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi) e o Sindicato da Indústra da Construção Civil (Sinduscon), que representam os interesses das grandes empresas, estiveram presentes em todo o processo do PDDR.

O calendário de revisão do plano diretor teve início em junho de 2018. Foram realizados seis momentos de escuta pública nas regiões político-administrativas da capital (RPAs), seguida de oito oficinas temáticas abertas ao público, nas quais debateu-se diretrizes para uma cidade pensada para as mulheres; a preservação de patrimônio; habitação e regularização fundiária; a função social da propriedade imobiliária; entre outros.

Ao longo de meses o site do PDDR também ficou aberto para receber propostas. Por fim, novas audiências nos bairros devolveram o PDDR já com as alterações. Todo o processo foi conduzido pela Prefeitura do Recife, mas o resultado final desagradou parte da sociedade civil que considera que suas propostas não foram contempladas e houve protesto na conferência de revisão e aprovação do PDDR.

Após aprovação, em dezembro de 2018, a Prefeitura do Recife protocolou na Câmara o projeto de lei que estabelece o novo PDDR. Já este ano, foi criada uma comissão de sete vereadores para a revisão dessa lei, etapa obrigatória para esse tipo de projeto. Compõem a comissão Rodrigo Coutinho (SD), que preside a comissão; Ivan Moraes (PSOL), vice-presidente; Aerto Luna (sem partido), responsável pelo relatório; além de Agusto Carreras (PSB), Aimée Carvalho (PSB), Hélio Guabiraba (PRTB) e o líder do governo na Câmara, Eriberto Rafael (PTC).

Seis audiências temáticas serão realizadas, sendo a primeira provavelmente já na próxima quinta-feira (21), às 9h da manhã. Após as audiências abre-se um prazo de 20 dias para que os 38 vereadores proponham emendas, alterações no PDDR. "O projeto conduzido pela Prefeitura foi péssimo, atrapalhado. Faltou formação, participação e democracia. Mas não vamos começar do zero. O trabalho da Prefeitura foi entregue e agora a Câmara faz a tentativa de ouvir a sociedade mais do que a Prefeitura ouviu", diz Ivan Moraes.

Já Aerto Luna considera positivo o processo conduzido pela Prefeitura, mas celebra a oportunidade para reajustes. "É óbvio que num plano dessa magnitude há sempre alguém que reclama, sem se sentir contemplado. Mas a Câmara abre espaço para essa rediscussão. Não vamos reinventar o plano, mas rediscutir para que fique o mais justo possível".

AGENDA
A agenda de audiências no Plenarinho da Câmara de Vereadores ainda não está totalmente definida, mas deve começar nessa quinta-feira, às 9h, com o tema do ordenamento territorial. Haverá audiências ainda com os temas instrumento urbanístico (28/março), meio ambiente e saneamento (4/abril), mobilidade e acessibilidade (11/abril), habitação e segurança (18/abril) e planejamento urbano participativo (25/abril). As datas podem mudar conforme avaliação da comissão.

Rud Rafael reafirma a importância do envolvimento da sociedade nesse processo. "É a legislação mais importante depois da Lei Orgânica, que define como as instituições vão atuar na cidade. Mas o PDDR define como a cidade vai existir", diz Rud. "Se a legislação muda, é arriscado que dentro de alguns anos você não possa mais morar no lugar em que mora hoje. É um risco. Mas é também uma oportunidade para mudar as regras para termos um Recife melhor nos próximos anos".

Edição: Marcos Barbosa