GOLPE DE 1964

Seis histórias sobre futebol e política na ditadura

O golpe de 64 completa 55 anos e nós selecionamos alguns fatos que mostram as ligações do futebol com o regime

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
A primeira faixa pela anistia aberta publicamente foi num jogo do Corinthians e Santos, em 1989 no Morumbi
A primeira faixa pela anistia aberta publicamente foi num jogo do Corinthians e Santos, em 1989 no Morumbi - Foto: Arquivo O Globo

O fiasco do Brasil na Copa do Mundo de 2014 foi seguido pela queda da presidenta Dilma, com apoio de manifestantes vestindo a camiseta da seleção brasileira. O sucesso do futebol na Copa de 1970 foi seguido pela "lua de mel" do governo militar com o povo em geral, que não sabia das prisões e torturas por causa da forte censura do regime.

As relações entre o futebol e a ditadura militar tanto no Brasil quanto na Argentina, Chile e Uruguai estão bem registradas no documentário “Memórias do Chumbo – O Futebol nos Tempos do Condor”, produzido pelo jornalista e historiador Lúcio de Castro. Filme está disponível no YouTube.

Cartolagem e ditadura

O marechal-presidente Arthur da Costa e Silva comunicou a João Havelange, então presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD, hoje CBF), que planejava apostar no futebol. Era final de 1968 e o ditador queria festejar o Tri mundial no seu governo. Costa e Silva, porém, morreu. Veio a junta militar e, após, o general mais afeiçoado ao esporte: Garrastazu Médici. Em 1971, surgiu o Brasileirão. A parceria ajudou Havelange a chegar à presidência da Fifa em 1974.

Depois da conquista de 1970, o autoritarismo e a cartolagem esmeraram-se nos festejos dos 150 anos do Grito do Ipiranga. Em 1972, trouxeram 20 seleções para disputarem a Taça Independência. A finalíssima juntou duas ditaduras: o Brasil de Médici e o Portugal de Marcelo Caetano. Brasília também estimulou a CBD a inflar o campeonato nacional. De 20 clubes, saltou para 40 e cresceu até 1979 quando bateu seu recorde: 94 equipes. Seguia-se o preceito “Onde a Arena vai mal, mais um time no Nacional”.

Ditadura demite João Saldanha

A seleção que traria o Tri, com nomes como Pelé, Tostão e Jairzinho, era conhecida como as “Feras do Saldanha”. O técnico João Saldanha obtivera 100% de aproveitamento nas eliminatórias. Mas foi demitido a seis dias do embarque da seleção para o México.Atribuiu-se a demissão à não convocação de Dario, o Dadá Maravilha. O centroavante seria do gosto de Médici.

Mas os atritos iam muito além. Saldanha era filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), na clandestinidade. “Sua escolha, um pouco foi para acalmar as críticas à seleção após o fiasco de 1966. A aceitação foi um pouco de pragmatismo do Partidão, tipo ‘melhor a gente no cargo que alguém pior’”, explica o jornalista esportivo Juca Kfouri.

Após o assassinato de Carlos Marighella em 1969, Saldanha teria distribuído um dossiê a autoridades internacionais citando milhares de presos políticos e centenas de mortos e torturados pela ditadura. Com a seleção já classificada, foi substituído por Zagallo, que voltaria ao Brasil trazendo a taça Jules Rimet.

Pra frente Brasil, salve a seleção

Com sua propaganda, o regime insuflou o ufanismo / Foto: Reprodução Internet

Médici aproveitou a euforia pela vitória do selecionado – fora a primeira copa transmitida ao vivo pela TV brasileira – para massificar campanhas publicitárias. Milhões de brasileiros se emocionavam com a seleção e cantavam “De repente é aquela corrente pra frente/ Parece que todo o Brasil deu a mão! (…) Pra frente Brasil! Salve a seleção!”.

Essa marchinha foi a vencedora de um concurso organizado pelas empresas patrocinadoras das transmissões e pela rede Globo. Caiu como uma luva para o culto ao ufanismo e a proposta de integração nacional.

Pelé, o rei do futebol

Ao retornar do México, Pelé ganhou passaporte diplomático para ser garoto-propaganda do governo na inauguração da praça Brasil, na cidade mexicana de Guadalajara. Em carta de agradecimento, afirmou “imensa satisfação” com a missão.

Em entrevista ao jornal uruguaio La Opinión, em 1972, Pelé afirmaria: “Não há ditadura no Brasil”. Anos depois, alegou que não foi à Copa de 1974 por descobrir que havia tortura no Brasil. “Ele era bom no futebol e ruim na política. Ao longo da história, esteve ao lado da maioria dos presidentes, foi inclusive ministro dos Esportes de FHC”, recorda Kfouri.

Os movimentos de Havelange

Em 2012, a Fifa divulgou documentos da justiça suíça confirmando que o ex-presidente da entidade, João Havelange, e seu genro, o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, receberam subornos milionários, somando R$ 45,5 milhões.

“Esse foi movimentador de ditaduras, mentiu a vida inteira”, acusa o jornalista. Presidiu a CBD de 1958 a 1975. Dias antes da publicação do Ato Institucional (AI-5), fechou um acordo com o então presidente Costa e Silva ele para investimento do Estado no futebol nacional. Veio a criação da Loteria Esportiva e exibições da seleção para o exterior, bancadas pela CBD, alçando-o ao cargo de presidente da Fifa, de 1974 a 1998.

Também foi membro do Comitê Olímpico Internacional (COI) de 1963 até 2011, quando renunciou ao mandato. Em 2013, renunciou também à presidência de honra da Fifa. As renúncias foram para escapar de punições pela condenação por corrupção.

Futebol e política hoje

Futebol e política se misturam. Nos últimos anos, observa-se desde protestos verde-amarelos contra a “corrupção” até o fenômeno das torcidas antifascistas.

Kfouri considera uma “suprema ironia você usar camisa da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para protestar contra corrupção porque é uma entidade cujos três últimos presidentes foram afastados por corrupção.”

Ao mesmo tempo, recorda ele, “a primeira faixa pela anistia aberta publicamente foi num jogo do Corinthians e Santos, em 1989 no Morumbi. Tivemos a Democracia Corinthiana, com jogadores como Sócrates e Wladimir, totalmente imbricada com as diretas. Tem de tudo”.


Este conteúdo foi originalmente publicado na versão impressa (Edição 12) do Brasil de Fato RS. Confira a edição completa. 

Edição: Ayrton Centeno