DITADURA

Lembrar é preciso

Conheça a história de quatro estudantes da UFMG que foram perseguidos e assassinados pela ditadura militar

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
"Pensam que me enterraram? Plantaram uma semente!”, escreveu a mãe de Walquíria Costa, última guerrilheira capturada no Araguaia
"Pensam que me enterraram? Plantaram uma semente!”, escreveu a mãe de Walquíria Costa, última guerrilheira capturada no Araguaia - Thyana Hacla

Walquíria até hoje é lembrada pelos ribeirinhos da região do Araguaia, que contam que a estudante de pedagogia ensinou muita gente a ler. Idalísio liderou um movimento para garantir que jovens como ele pudessem entrar na universidade pública. Gildo estudava economia, mas trocou os estudos pela construção da Ação Popular e foi assassinado antes de conhecer sua filha. José Carlos Matta Machado foi traído pelo cunhado, preso e torturado pelos militares, mas não entregou nenhum companheiro. Conheça um pouco mais da história de quatro estudantes da UFMG que lutaram contra a ditadura militar instalada no Brasil com o golpe de 1964.

Walkíria Afonso Costa, 27 anos, Uberaba

Última guerrilheira a ser capturada na Araguaia, a mineira Walkíria Afonso Costa é um símbolo da luta e determinação das brasileiras. Estudante de pedagogia na UFMG, ela começou sua militância no movimento estudantil e foi presidenta do Diretório Acadêmico, que hoje carrega o seu nome. Em 1972, deixou as terras mineiras para se juntar à luta armada na Guerrilha do Araguaia. No final de 1973, o exército brasileiro descobriu o front de resistência do PCdoB e desmantelou os destacamentos do partido. Walkíria foi a única sobrevivente do ataque e durante nove meses ficou foragida nas matas. Quando não resistiu mais à fome e aos desafios da floresta, resolveu pedir ajuda a uma família, que a entregou para a ditadura militar em troca de 5 mil cruzeiros.

Como foi a última guerrilheira a ser capturada, a morte de Walkíria representava a vitória do exército. Seu corpo foi exibido pelos vilarejos da região içado em um helicóptero, como um trunfo da ditadura militar.

Mas a história e a luta dessa mulher jamais serão esquecidas. Até hoje Walkíria é lembrada pelos ribeirinhos da região, que contam que a professora ensinou muita gente a ler e que sempre alegrava o vilarejo com sua sanfona.

Em homenagem à filha, Edwin Costa escreveu os versos: “Pensam que me mataram? Ressuscitaram um ideal! Pensam que me enterraram? Plantaram uma semente!”

Ouça a biografia completa de Walkíria:

https://www.youtube.com/watch?v=ceOGHb8ZVWI

Idalísio Soares Aranha Filho, 25 anos, Rubim

Oitavo de uma família de nove irmãos, aos 21 anos Idalísio deixou o Vale do Jequitinhonha para estudar psicologia na Universidade Federal de Minas Gerais. Na capital, liderou o Movimento dos Excedentes, uma frente de vestibulandos aprovados na UFMG, mas que não iriam conseguir estudar porque não havia vagas suficientes. Depois da luta, os alunos conseguiram ingressar nos cursos. Mais adiante, Idalísio foi eleito presidente do Diretório Acadêmico de Psicologia. Em 1972 entra para o PCdoB e ingressa na Guerrilha do Araguaia. Na região, ficou no grupo que era comandado por Osvaldão.

Após a segunda investida do exército contra a guerrilha, o destacamento B perde contato com o C. Por causa disso, um grupo de quatro militantes de confiança é enviado para restabelecer a comunicação, entre eles Idalísio.

No caminho, o grupo é atacado e se dissipa. Idalísio fica sozinho e vai procurar ajuda no vilarejo. Chegando à casa de um conhecido dos guerrilheiros, ele é pego em uma armadilha e é entregue ao exército.

Valente, como um autêntico filho do Vale do Jequitinhonha, Idalísio resiste sozinho ao exército e é assassinado. No “Relatório Oficial do Ministério da Guerra”, consta que Idalísio Aranha “foi morto por ter resistido ferozmente”. Seu corpo nunca foi encontrado.

Ouça a biografia completa de Idalísio:

https://www.youtube.com/watch?v=3XvjCVcjX-Y&t=2s

Gildo Macedo Lacerda, 24 anos, Ituiutaba

O Outubro Sangrento de 1973, marcado pela traição de um membro da Ação Popular, fez sete vítimas fatais, entre elas Gildo Macedo Lacerda, estudante de economia da UFMG. Gildo começou sua militância logo cedo, aos 17 anos, quando ingressou no movimento estudantil após se mudar para Belo Horizonte. Com o passar do tempo, Gildo se torna um dos principais dirigentes da Ação Popular e justamente por ser uma referência dentro da organização é destacado para reconstruir a entidade na Bahia. Nas terras de Jorge Amado, conhece sua companheira, a jornalista e também integrante da AP, Mariluce Moura. Eles não sabiam, mas há tempos estavam sendo vigiados e seguidos pela ditadura militar.

No dia 22 de outubro o casal é preso. No Quartel do Barbalho, os dois foram separados e a esposa nunca mais viu Gildo. No dia seguinte, a foto dele estava em diversos jornais do país, noticiando que seria um dos “terroristas” assassinados durante um tiroteio com a polícia, na Avenida Caxangá, em Recife. Seis meses após a morte de Gildo, nasce Tessa Moura, a filha que por 18 anos não teve o direito de receber no registro de nascimento o nome do pai.

Apesar de ter sido enterrado na mesma cova em que foi encontrado o corpo de outro dirigente nacional da Ação Popular, os restos mortais de Gildo nunca foram entregues à família.

Ouça a biografia completa de Gildo:

https://www.youtube.com/watch?v=T8ClqT_HFw0&t=40s

José Carlos Novaes da Matta Machado, 27 anos, Rio de Janeiro

A traição foi o fio condutor para captura de José Carlos Novaes da Matta Machado. Depois de uma delação de um ex-companheiro, ele e Gildo foram torturados pelos militares e mortos. O assassinato do dirigente nacional da Ação Popular desencadeou no maior massacre dos grandes líderes do combate à repressão, o chamado Outubro Sangrento de 1973.

Filho de um advogado e jornalista influente, José Carlos começou sua militância na faculdade de Direito da UFMG, foi dirigente nacional da UNE e em seguida entrou para a Ação Popular, onde se tornou referência. Na AP, conheceu Maria Madalena Prata Soares, companheira de luta e de vida, e conheceu também seu traidor, o cunhado Gilberto Prata.

Desde março de 1973, Gilberto – conforme ele mesmo confessou - repassava às forças armadas todos os passos de Zé e de seus companheiros. A captura do dirigente foi minuciosamente planejada pelo mais temido dos algozes, o delegado Fleury, do Departamento de Ordem Política e Social.

Zé foi preso no dia 19 de outubro na rodovia de São Paulo para Belo Horizonte a caminho de um sítio, onde ficaria até seguir para o exílio. A saída de José Carlos do Brasil já estava decidida, mas não aconteceu a tempo. De São Paulo ele foi encaminhado para Recife, onde foi assassinado juntamente com Gildo Macedo. Quando ainda estava preso, Zé pediu a outro companheiro de cela, Rubem Lemos, para que avisasse à Ação Popular, que apesar de torturado ele não havia passado nenhuma informação sobre a organização.

O corpo de José Carlos foi entregue à família em novembro de 1973, por causa da influência política do pai, Edgar Godoy. Ele conseguiu com que o apelo pela busca do corpo do filho fosse noticiado em diversos jornais internacionais. Com a pressão o regime militar se viu obrigado a atender o pedido da família.

Ouça a biografia completa de Zé Carlos:

https://www.youtube.com/watch?v=hykpbA0AXbo

Edição: Joana Tavares