Há pouco mais de um ano a Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória do Estado da Paraíba apresentou relatório final de mais de quatro anos de trabalhos investigando crimes de violação dos direitos humanos praticados por agentes públicos contra paraibanos durante o período da Ditadura Militar.
Criada pelo então governador Ricardo Coutinho, o relatório, com 748 páginas, foi entregue em uma solenidade no Palácio da Redenção, no centro de João Pessoa em dezembro de 2017.
Durante os quatro anos de pesquisa, a Comissão Estadual da Verdade colheu 69 depoimentos. Através deles, foram identificadas que 14 pessoas morreram ou desapareceram na Paraíba durante a Ditadura Militar. Além dessas, pelo menos 125 pessoas denunciaram que foram torturadas, na Paraíba ou paraibanos em outros estados.
Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro espantou a todos(as) ao ordenar aos quartéis militares da República brasileira que se comemorasse o dia do Golpe Militar no Brasil. Conversamos com o professor de história da UFPB e presidente da Comissão estadual da Verdade, Paulo Giovanni, sobre essa questão.
Paulo Giovanni entrega relatório nas mãos de Ricardo Coutinho Foto: Divulgação
Brasil de Fato: Como o senhor recebe essa notícia de que Bolsonaro ordenou aos quartéis a comemoração da Ditadura Militar no Brasil?
Paulo Giovanni: Com muita indignação. Sabemos que o cidadão Jair Bolsonaro sempre foi um defensor da ditadura militar, de torturadores, inclusive afirmando que a ditadura devia ter matado mais gente, mas ao tomar essa atitude como presidente da República, ele está desprezando a democracia e desrespeitando as vítimas e familiares da repressão, desse regime opressivo, além de todos os brasileiros que lutaram pelo fim desse regime de exceção.
Há uma tentativa de golpe militar em curso?
É cedo para se afirmar isso pois o presidente Jair Bolsonaro ainda tem um certo capital político, mas as ações de seu vice-presidente, General Mourão, indicam que ele já se coloca para setores da mídia conservadora e para as elites burguesas como um nome confiável, capaz de realizar as reformas conservadores que esse setores desejam, então se o governo se mostrar totalmente incapaz de governar, de acordo com os interesse das elites e do grande capital, a possibilidade de golpe existe.
O povo brasileiro se regozija — tem prazer — com o sofrimento das pessoas? Seria esta uma característica impregnada na nossa ideologia colonizada?
É uma afirmação difícil de fazer, sem dados empíricos que confirmem ou refutem uma afirmação desse tipo, só podemos ficar no achismo. Além disso, é sempre temerário fazer afirmações gerais sobre todo o povo de um país. Sem dúvida, alguns elementos fazem parte da cultura política brasileira, ligadas a nossa formação histórica, como o autoritarismo, por exemplo.
A gente sabe que a história deve ser discutida e ensinada, porque de outro modo, os erros se repetem. O senhor acha que o estado brasileiro falhou no debate sobre o nosso lado perverso na história? (perversidade com indígenas, negros, militantes de esquerda, mulheres, trabalhadores/as…)
A produção acadêmica brasileira, no campo das ciências humanas, especificamente da História, refletiu bastante sobre todas essas temáticas, de maneira crítica e a produção acadêmica dando visibilidades a luta desses segmentos é imensa, tanto em livros publicados como em teses e dissertações defendidas nos programas de pós-graduação, mas talvez essas temáticas não estejam sendo discutidas como deveriam no ensino fundamental e médio. É fundamental que todas essas discussões cheguem ao ensino, com o objetivo explícito de se “educar para o nunca mais”.
O que fazer diante dessa calamidade, do mal que não se acanha em se desnudar na face das pessoas?
Até pouco tempo atrás a grande maioria das pessoas se sentiam constrangidas em apoiar os abusos da ditadura militar, por exemplo, ou outras pautas conservadoras da extrema direita, pelo menos de forma pública, mas atualmente alguns segmentos da população se sentem orgulhosos de defendê-las publicamente, inclusive muitas delas indo de encontro a princípios elementares dos direitos humanos. Diante desse quadro, só vejo uma solução, o investimento em educação que vise respeitar o outro, aceitando as diferenças, enfim, que insista que a pauta dos direitos humanos é inegociável.
Comissão estadual da verdade PB / Foto: Divulgação
Comissão
A Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória tem como presidente Paulo Giovani Antonio Nunes, Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco, bacharel em História e Comunicação Social pela UFPB. Professor da UFPB ele é membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em História do Século XX, na linha de Pesquisa História política – Culturas políticas na História.
Os demais membros são: jornalista João Manoel de Carvalho; Irene Marinheiro (Centro da Mulher 8 de Março); Lúcia Guerra de Fátima Guerra Ferreira, Doutora em História pela USP e professora da UFPB; Iranice Gonçalves Muniz, Doutora em Direito Público, atualmente é professora titular do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ); Fábio Fernando Barbosa de Freitas (UFPB/UFCG); e Waldir Porfírio, advogado, escritor, pesquisador da história das esquerdas na Paraíba, graduado em psicologia pela URNe (UEPB) e atual chefe de gabinete do governador.
Leia o relatório final aqui: http://www.anpuhpb.org/docs/relatorio_comissao_estadual_da_verdade_pb.pdf