CABO DE GUERRA

O que você precisa saber sobre o crescimento da extrema direita europeia

Após crise de 2008, participação de ultranacionalistas cresceu no continente, mas especialistas apontam limites

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Sob liderança do premiê Viktor Orbán, Hungria limitou atuação de organizações de ajuda humanitária que auxiliam imigrantes
Sob liderança do premiê Viktor Orbán, Hungria limitou atuação de organizações de ajuda humanitária que auxiliam imigrantes - Foto: Ferenc Isza/AFP

Acostumada com resultados inexpressivos, a extrema direita, impulsionada principalmente pela crise econômica de 2008 e pela explosão migratória, que atingiu seu ápice em 2015, passou a ter uma presença constante na Europa durante a última década. O ressurgimento desse grupo político alterou a correlação de forças em alguns países e tornou evidente a existência de duas grandes tendências políticas: de um lado, partidos nacionalistas contrários à integração regional, de outro, representantes favoráveis à União Europeia (UE).

O cabo de guerra trouxe resultados eleitorais diferentes entre os membros do bloco europeu. Na Hungria, surfando em uma retórica anti-imigração, o partido de extrema direita União Cívica Húngara, em aliança com o Partido Democrata-Cristão, conquistou dois terços do Parlamento nas eleições de 2018 e a permanência de Viktor Orbán no cargo de primeiro-ministro. Na França, por outro lado, Emmanuel Macron, com uma enfática defesa da integração europeia, bateu a ultraconservadora Marine Le Pen no segundo turno das eleições presidenciais que ocorreram em 2017.

Já a Alemanha, que desde o final da Segunda Guerra Mundial não possuía representantes da extrema direita no Parlamento, passou por uma grande mudança em sua estrutura política quando o ultranacionalista Alternativa Para a Alemanha (AfD) conquistou o terceiro lugar nas eleições gerais de 2017.

O ressurgimento desse grupo político — que também obteve bons resultados na Polônia, Finlândia, Áustria e Dinamarca — pode impactar nas eleições para o Parlamento Europeu, marcadas para acontecer entre os dias 23 e 26 de maio. 

Segundo Pedro Feliú Ribeiro, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP), embora os fatores que ajudam a explicar o fortalecimento dessa tendência política variem em alguns países, “o desemprego seria uma das causas socioeconômicas relacionadas ao ressurgimento da extrema direita. Outro fator muito citado na literatura é o aumento da imigração”. 

O que os estudos tornam mais claros, segundo o professor, é a tendência desses eleitores. “Não é o perfil do eleitor de baixa renda. Geralmente está positivamente associado ao ensino superior, o que quebra um pouco a tese de que esses eleitores são os que competem pelo emprego que o imigrante pode buscar quando vai à Europa”. 

União Europeia

Formada por 28 países, dos quais 19 adotam o Euro como moeda comum desde 2002, a União Europeia é um bloco econômico que responde por uma significativa parcela de todas as importações e exportações que ocorrem no mundo. 

A participação no bloco permite que os países-membros possam trocar produtos e serviços sem a aplicação de taxas e impostos entre si. Além disso, os cidadãos europeus não enfrentam barreiras caso queiram viver e trabalhar em países do bloco. 

Com o fortalecimento dos partidos de extrema direita, ideias nacionalistas e contrárias ao bloco passaram a ter mais espaço. Alguns contestam a própria existência do bloco, enquanto outros criticam algumas das normas que os países membros precisam seguir e defendem uma maior independência com relação a Bruxelas. 

Um dos marcos dessa movimentação ocorreu em junho de 2016, quando o Reino Unido, por meio de um referendo, decidiu sair da UE, algo inédito desde a formulação do bloco. 

Para Ribeiro, “se analisamos o Partido de Independência do Reino Unido (Ukip), Frente Nacional (FN), da França, o Partido dos Verdadeiros Finlandeses (PS), e o Partido Popular Dinamarquês (DF), todos são antieuropeus. Todos são nacionalistas e propõem ou uma revisão ou uma quebra da supra-nacionalidade europeia na figura do Parlamento Europeu. 

Segundo ele, “o poder de Bruxelas seria uma pauta bastante comum entre todos esses partidos. E também o nacionalismo xenófobo é muito comum, embora não sejam todos idênticos. Mas certamente [é bastante comum] a pauta anti-integração europeia -- o que envolve a política migratória. Eles querem independência na formulação da política migratória em relação às leis europeias”. 

As diferenças quanto às políticas migratórias levaram a Hungria a desafiar a UE em junho de 2018, quando o Parlamento do país aprovou um pacote de medidas que criminaliza ajudar imigrantes sem documentação. A medida foi duramente criticada por limitar a atuação de organizações de ajuda humanitária que atuavam no país.

O premiê Húngaro, Viktor Orbán, é um forte crítico da postura de acolhimento adotada pela chanceler alemã, Angela Merkel. Orbán também se opõe ao modo como o bloco distribui as pessoas que solicitam asilo político entre os países-membros. 

Pauta esgotada

Segundo Giorgio Romano, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), os partidos de centro desempenharam um papel significativo para o crescimento da extrema direita. “Em toda a Europa, os partidos de centro direita, para evitar perder votos para os novos partidos nacionalistas, incorporaram parte dessa agenda”. 

Além disso, para ele, a esquerda impulsionou os movimentos nacionalistas ao não reconhecer que havia preocupações legítimas por parte da população. “Subestimou-se o problema em um momento em que você tem vários fenômenos simultâneos: a crise de 2008, transformações radicais no mercado de trabalho e a imigração. Quando tudo isso se mistura, gera incertezas. A esquerda não soube se renovar e escutar a população”. 

No entanto, o professor sustenta que o crescimento da extrema direita não é tão desenfreado como pode parecer em um primeiro momento. Para ele, pautas relacionadas a imigração ou ao aumento da criminalidade, constantemente usadas por esses grupos, “já estão se esgotando” em alguns países, o que pode levar a tendência à perder parte de seu apoio.

“É algo muito instável. Não é que a extrema direita vai crescer, crescer e vencer todas as eleições. Tudo depende muito de como eles conseguem mostrar alguma coisa concreta e de que forma os partidos conseguem se sensibilizar com o que a população está sentindo. As pessoas procuram desesperadamente novos líderes. Às vezes vem pela extrema direita, e em outras, como na Grécia, vem pela esquerda”, afirma.

O professor sustenta que embora a onda conservadora possa avançar nas eleições para o Parlamento Europeu que ocorrem entre os dias 23 e 26 de maio, não deve conquistar a maioria dos assentos. "O impacto disso tem que ser avaliado à luz de cada país. [No entanto], que a Europa está procurando uma resposta, é evidente".

Segundo ele, não é só a onda ultraconservadora que está se movimentando. “Foi muito noticiado o fato de que o novo partido de extrema direita da Holanda é uma nova força. Mas o partido da esquerda radical, que tem raízes no Partido Comunista da Holanda, dobrou também.

Além de Romano, o professor Pedro Feliú Ribeiro também afirma que o crescimento do grupo pode ser contido. “Ao mesmo tempo que a extrema direita cresceu e assusta, como em boa parte da Europa o voto é de livre arbítrio e não é compulsório, vai incentivar também uma contrarreação, como ocorreu no caso francês, [onde houve] maior comparecimento às urnas. É especulativo dizer isso, mas ainda há um longo caminho até uma mudança tão brutal do status quo na Europa”, diz. 

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira