Minas Gerais

Precarização

“Setor mineral mata mais que as demais atividades”, diz auditor do trabalho

Mário Parreiras fala sobre o sucateamento da área e a importância da atuação dos fiscais em casos como o de Brumadinho

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |

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“Em 2017 a taxa de mortalidade dos trabalhadores na mineração foi 2,6% superior às de outras áreas de trabalho”
“Em 2017 a taxa de mortalidade dos trabalhadores na mineração foi 2,6% superior às de outras áreas de trabalho” - Foto: ALMG

O número de vítimas fatais do crime da Vale em Brumadinho já passa de 200, cerca de 79 pessoas ainda seguem desaparecidas debaixo da lama. O rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão é o maior acidente de trabalho da história do Brasil e o segundo maior do mundo. Para falar sobre a atuação da Superintendência do Trabalho em Minas Gerais no caso de Brumadinho e sobre a precarização do setor, entrevistamos Mário Parreiras de Faria, auditor fiscal do trabalho e coordenador da Comissão Nacional Permanente do Setor Minerário.

Brasil de Fato - Qual é o trabalho de um auditor fiscal?

Mário Parreiras de Faria - Especificamente na área de segurança e saúde, o trabalho de um auditor fiscal é verificar todas as normas de segurança das atividades profissionais. São 37 normas regulamentadoras, e a nossa função é verificar seu cumprimento. Caso as empregadoras não estejam cumprindo esses deveres, podemos autuá-la ou interditá-la, a partir de constatações de grave ou iminente risco. O trabalho dos auditores fiscais é muito grande, porque são muitas normas, municípios e empresas a serem fiscalizadas, e o contingente de auditores é muito pequeno.

E como está hoje a infraestrutura da Superintendência? Há um déficit no número de auditores?

Há muito tempo que a auditoria fiscal do trabalho tem tido uma redução significativa dos seus quadros. Temos um déficit de mais de 50% e por isso temos muita dificuldade em atender todas as demandas que temos. Hoje, mais da metade da equipe de Belo Horizonte está totalmente dedicada ao caso do rompimento da barragem em Brumadinho. Na área de segurança e saúde são cerca de 25 auditores e 15 estão em fase de aposentadoria. Em Minas Gerais temos apenas 230 auditores de fiscalização externa direta para os 863 municípios do estado, ou seja, um número muito pequeno para o tamanho da demanda.

Esse déficit de quadros e investimentos reflete na fiscalização do setor minerário?

A indústria extrativa mineral é um setor que tem muitos acidentes de trabalho. As estatísticas mostram que em 2017 a taxa de mortalidade de trabalhadores nessa área foi superior às outras em 2,6%. O setor mineral mata mais que os demais setores de atividades. Ele também tem uma gama de fatores de risco que o tornam um motivo de preocupação para a auditoria, como exposição a ruídos e poeira, trabalho físico intenso, equipamentos pesados. Além disso, esses empreendimentos nunca estão em centros urbanos, estão sempre distantes de uma gerência ou superintendência do trabalho. Isso demanda não apenas recursos humanos, mas também financeiros e de infraestrutura, como diária, deslocamento, combustível, etc. E com os cortes orçamentários que viemos sofrendo ao longo dos anos, isso está cada vez mais complicado. Todos esses fatores fazem com que o setor minerário não sofra uma vigilância da forma como merecia.

Esses deslocamentos, originados por causa de situações como a de Brumadinho, agravam ainda mais a situação da auditoria?

À vista do grande número de documentos a serem examinados foi preciso fazer uma força tarefa para esse caso e com isso, infelizmente, outros setores estão ficando defasados. Não tem jeito, temos pouca gente e ainda tivemos que deslocar um bom contingente para o caso do Córrego do Feijão.

Como esse relatório, que está sendo feito pela auditoria a partir das investigações sobre a causa do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, pode contribuir com os trabalhadores da empresa?

O nosso relatório ficará disponível para qualquer instituição, inclusive para trabalhadores atingidos ou familiares de trabalhadores mortos. Quando finalizarmos as investigações, vamos encaminhar também para a Previdência Social. Caso seja comprovada omissão ou negligência da empresa com relação ao rompimento, o INSS tem direito de entrar com uma ação regressiva contra a Vale. Isso para que a instituição seja ressarcida de todos os gastos que teve em relação aos benefícios que pagou aos trabalhadores e à população atingida. Nossa estimativa é que o relatório seja concluído em aproximadamente 45 dias. Estamos bem avançados nas investigações, mas ainda estamos recebendo várias documentações. No caso da barragem de Fundão, foram cinco meses de investigação até a finalização do relatório. E este era um caso relativamente mais simples do que o de Brumadinho. Ao contrário da situação de Fundão, no caso de Córrego do Feijão são várias empresas envolvidas nos processos de alteamento da barragem e foram realizados diversos processos de intervenção na estrutura, então o número de documentos é enorme.

Atualmente a legislação permite que os dados de estabilidade de segurança das barragens sejam realizados e fornecidos pelas próprias mineradoras. Essa autorregulação do setor minerário interfere no trabalho de fiscalização dos auditores?

Os dados para fazer as análises das barragens e os laudos dos empreendimentos são fornecidos pelas próprias empresas, o que causa um problema. São as próprias mineradoras que formulam e apresentam dados, por exemplo, sobre a estabilidade das barragens. Em contrapartida, a auditoria fiscal do trabalho não tem profissionais suficiente para avaliar esses documentos detalhadamente.

Recentemente o Ministério do Trabalho foi extinto e anexado à pasta da economia. Além disso, há mais de um ano está em vigor a reforma que desmantelou os direitos dos trabalhadores brasileiros. Como essas medidas impactam na segurança dos trabalhadores?

A reforma trabalhista impacta no nosso trabalho na medida em que reduz direitos e amplia a terceirização. A gente sabe que o trabalhador terceirizado é mais precarizado e não tem condições idênticas aos não terceirizados. E a gente precisa lembrar também que o setor mineral é o que mais terceiriza trabalhadores: cerca de 50% dos trabalhadores em uma mineração são terceirizados. Tanto é que no caso de Mariana, dos 14 trabalhadores que foram mortos por causa do rompimento, 13 eram terceirizados; em Brumadinho eles também são a maioria dos mortos. Isso mostra a importância da questão da terceirização na acidentalidade do setor.

Riscos sobre a segurança dos trabalhadores, assédios, condições de trabalho e outros casos podem ser denunciados para auditores fiscais. Para isto basta ligar no 3270-6100 ou ir pessoalmente à Superintendência Regional do Trabalho, que fica na Rua dos Tamoios, 596 - Centro, Belo Horizonte.

Edição: Joana Tavares