Desmonte

Dia do Índio | Relembre ataques do governo Bolsonaro aos povos originários

Em quatro meses, o presidente eleito coleciona posicionamentos ameaçadores à sobrevivência de comunidades tradicionais

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
A Constituição de 1988 estabeleceu que os territórios indígenas no Brasil fossem demarcados pelo governo federal em até cinco anos
A Constituição de 1988 estabeleceu que os territórios indígenas no Brasil fossem demarcados pelo governo federal em até cinco anos - Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Nesta sexta-feira (19), é celebrado o primeiro Dia do Índio sob o governo de extrema direita de Jair Bolsonaro (PSL), marcado pela criminalização de lideranças, pelo sucateamento da Fundação Nacional do Índio (Funai) e pela estruturação de uma política anti-indígena.

Para jogar luz nos 519 anos de luta e resistência dos povos indígenas do Brasil, neste mês de abril, ocorre uma série de mobilizações para a articulação de estratégias e de visibilidade às reivindicações dessa população. Alvos de constantes violências que ceifam vidas e territórios tradicionais, os povos originários ainda batalham pela demarcação de suas terras, pela garantia de direitos básicos e pela preservação de tradições ancestrais.

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Em menos de quatro meses de mandato, relembre alguns dos ataques do governo Bolsonaro aos povos originários.

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Bolsonaro retira da Funai a demarcação de terras indígenas

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Com uma canetada, poucas horas após a cerimônia da posse presidencial, Bolsonaro decretou o esvaziamento das competências da Funai e colocou em xeque a demarcação de novas terras indígenas e a conservação do meio ambiente

Uma das principais atividades executadas pelo órgão indigenista nos últimos 30 anos era a identificação, delimitação, demarcação e registro de terras indígenas no país. Na prática, a regularização fundiária passa agora às mãos dos ruralistas, adversários dos interesses dos indígenas em diversos estados.

Em edição extra do Diário Oficial da União, Bolsonaro delega a tarefa de demarcar novas terras indígenas ao Ministério da Agricultura, chefiado por Tereza Cristina (DEM), até então líder da bancada do agronegócio na Câmara e conhecida como "musa do veneno". Em um ano, os ruralistas derrubaram dois presidentes da Funai. 

A equipe de transição de Bolsonaro já havia anunciado que o órgão seria transferido do Ministério da Justiça para o comando da pastora evangélica Damares Alves, atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Agora, perde a capacidade das demarcações, submetida a outro ministério.

A Constituição de 1988 estabelece que os territórios indígenas no Brasil sejam demarcados pelo governo federal em até cinco anos. Não foram. Bolsonaro afirma que, se depender dele, não haverá mais demarcação de terra indígena no Brasil, mas garantiu que suas decisões serão tomadas de acordo com a lei.

Conforme dados da Funai, cerca de 130 terras indígenas estão em processo de demarcação no Brasil e, portanto, poderiam ser afetadas pela medida planejada por Bolsonaro. Outras 116 estão em estudo para aprovação como terra tradicional e mais 484 áreas são reivindicadas para análise. 

Assessor do Ministério da Agricultura comandou operação que matou indígena no MS

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O delegado da Polícia Federal (PF) Marcelo Alexandrino de Oliveira tornou-se assessor da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários (SEAF) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, chefiado atualmente por Luiz Antônio Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista (UDR).

Em maio de 2013, Oliveira comandou uma operação de reintegração de posse na fazenda Buriti, em Sidrolândia (MS), que resultou na morte do indígena Oziel Gabriel, de 35 anos, atingido por balas 9mm. A ação também deixou outros 21 indígenas do povo Terena feridos. 

Na época da operação, o então delegado e agora assessor especial do ministério sugeriu que o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) -- entidade de defesa dos povos indígenas fundada em 1972 -- estaria organizando e incentivando “invasões” de terra e, por isso, seria responsável pela morte de Oziel. O inquérito aberto para investigar a operação concluiu que os tiros que assassinaram o indígena Terena foram disparados pela Polícia Federal.

Permissão ao armamento e mais mortes no campo 

Em 15 de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto que facilita a posse de armas de fogo no Brasil e estende o prazo de validade do registro de armas de cinco para dez anos, uma de suas principais bandeiras durante a campanha. A medida foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União e teve efeito imediato.

Durante o evento no Palácio do Planalto, que contou com a presença de ministros e de integrantes da chamada bancada da bala, Bolsonaro afirmou que o decreto trata apenas da posse de armas e que outras medidas podem ser feitas pelo Legislativo, como o porte em zonas rurais, defendido por vários de seus apoiadores, como o ministro-chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni (DEM). O argumento é de que seria uma forma de combater a violência.

Controverso, o discurso é fortemente combatido por movimentos populares que atuam no meio agrário. Para o movimento indígena, a liberação do porte de armas no campo significa carta branca para matar e deve agravar ainda mais os conflitos entre latifundiários e povos tradicionais, frequentes em diversas regiões do país.

Lançado no final do ano passado, com dados de 2017, o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, publicado anualmente pelo Cimi, constata o aumento sistêmico e contínuo da violência contra os povos originários.

Pelo menos 20 conflitos relativos aos direitos territoriais foram contabilizados pelo órgão em dez estados, além do aumento no número de casos em 14 dos 19 tipos de violência sistematizados no relatório. A apropriação das terras indígenas é um dos principais vetores dessas violações.

“A invasão e o esbulho possessório alastraram-se como pólvora sobre os territórios e ameaçam a sobrevivência de muitos povos, inclusive os isolados. Está claro que o Brasil foi tomado de assalto, feito refém de interesses privados da elite agrária, ‘agraciada’ com novas ‘capitanias hereditárias’, que são distribuídas em troca da morte dos povos que habitam os territórios”, avaliou o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto, em seu artigo de apresentação do relatório. 

As informações do Cimi também evidenciam a gravidade dos registros de suicídio (128 casos), assassinato (110 casos) e mortalidade na infância (702 casos), além da omissão e conivência dos Três Poderes do Estado.

Exploração mineral em terras indígenas e especulação imobiliária

Além de cessar os processos de demarcação em andamento, Bolsonaro também ameaçou rever algumas terras indígenas já demarcadas, como a Raposa Serra do Sol, em Roraima, que abriga em torno de 20 mil indígenas. O território foi homologado em 2005 e, em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a decisão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A região possui terras férteis e reservas minerais estratégicas, como de nióbio e urânio, o que desperta o interesse do agronegócio e de mineradoras. 

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Bolsonaro defende que as terras indígenas sejam abertas para empreendimentos de infraestrutura e atividades de mineração. No entanto, a Constituição proíbe a construção de projetos que tenham impacto direto em territórios indígenas. “A decisão transitou em julgado. Foi uma decisão histórica. Para os índios, é direito adquirido. Depois que o Estado paga uma dívida histórica, civilizatória, ele não pode mais estornar o pagamento e voltar a ser devedor”, disse o ex-ministro do STF Ayres Britto ao jornal O Globo.

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Em entrevista ao El País, Sonia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e ex-candidata a vice-presidenta na chapa de Guilherme Boulos (PSOL), ressaltou a importância de mobilização popular contra as medidas do novo governo. "Bolsonaro quer entregar a terra ao agronegócio, à mineração e à especulação imobiliária. A gente teme ter que pagar com a própria vida, mas não vamos recuar”, afirmou.

Edição: Aline Carrijo