ELEIÇÕES MUNICIPAIS

Cientista político avalia cenários à esquerda e direita para as eleições municipais

Em entrevista à Beta Redação, professor Benedito Tadeu César fala da atual onda antipolítica e expectativas para 2020

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Desde 2013, cresce no país o movimento antipetismo, consolidado nas eleições de 2018 com a vitória de Jair Bolsonaro.
Desde 2013, cresce no país o movimento antipetismo, consolidado nas eleições de 2018 com a vitória de Jair Bolsonaro. - Foto: AFP

Quais os desafios da esquerda brasileira para enfrentar a onda antipolítica que tomou conta do país e levou ao crescimento da direita depois das eleições presidenciais de 2018? O cientista político Benedito Tadeu César reflete sobre o tema em reportagem de Gustavo Bauer publicada no portal Beta Redação. Confira. 

As últimas eleições comprovam a ascensão da direita e o enfraquecimento da esquerda na política brasileira. O conservadorismo e o antipetismo, defendidos pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), foram aceitos por uma representativa fatia da população. Deputados, senadores e governadores de ideologia semelhante também foram eleitos em todo o país, representando a “nova política”. Agora, outra disputa se apresenta no horizonte: as eleições municipais de 2020. Resta saber se a direita continuará avançando e como a esquerda vai reagir ao cenário desfavorável.

Em nível nacional, os cinco principais partidos da esquerda (PT, PSOL, PC do B, PDT e PSB) articulam uma frente de oposição contra Bolsonaro. O presidente deve atuar como um cabo eleitoral nas próximas disputas municipais. Lideranças tentam abandonar divergências para adotar uma postura pragmática — primeiro, no Congresso, para combater as propostas do atual governo e criar condições de uma aliança nas eleições de 2020.

No futuro, apesar de uma possível resistência entre as siglas, também existe a possibilidade de uma unidade da esquerda na disputa presidencial, que teve três candidatos na eleição de 2018: Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (PSOL).

Conforme levantamento realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo, em 2018 os cinco principais partidos de esquerda no país elegeram 25% menos representantes em relação a 2010, auge dessas siglas nas urnas. Diante isso, a mensagem deixada é de reconstrução e renovação para recuperar o espaço ocupado pela direita.

A Beta Redação conversou com o cientista político Benedito Tadeu César, professor aposentado da UFRGS e especialista em estudos eleitorais e partidos políticos. Ele salienta que o fortalecimento da direita tem acontecido internacionalmente, não apenas no Brasil. Benedito afirma que, hoje, a política é vista como uma grande inimiga, e, por isso, a direita — que estaria se apresentando como um símbolo da antipolítica — conquistou espaço no conflito ideológico.

Benedito Tadeu César afirma que a ascensão da direita foi fruto de uma onda antipolítica no país, que além dos políticos tradicionais, afetou a estrutura estatal. / Foto: Benedito Tadeu César/Reprodução Facebook

Para explicar a aproximação entre os partidos de esquerda, o cientista político cita o combate ao fascismo italiano de Mussolini na década de 1940. Segundo ele, o sistema foi vencido por grandes frentes que congregavam não apenas as esquerdas, mas também o centro e democratas da direita.

“Se as esquerdas estão fragmentadas e a direita se fortalece, ocorrem perdas muito significativas. Acredito que, para que uma aliança seja participativa, ela precisaria ir além das esquerdas”, destaca o professor.

Benedito entende que a descrença com as elites políticas também foi transferida para o Estado, bem como para os que o defendem como um instrumento de controle sobre o mercado. “A direita tem sido eficiente para transformar aquilo que ela gera de mais nefasto, que é o mercado sem controle. Ela atribui esse caráter negativo a qualquer tentativa de regulação desse mercado. Então o aparato estatal [uma das bandeiras da esquerda] passa a ser combatido”, analisa.

Mesmo com a popularidade de Jair Bolsonaro — que obteve nas urnas mais de 57 milhões de votos — , o especialista nega a existência de uma onda bolsonarista. O PSL, partido do presidente, passou de nanico, com um deputado federal eleito em 2014, para a maior bancada na Câmara dos Deputados, com 55 parlamentares, ao lado do PT.

Outra legenda ligada à direita, mas que defende especialmente o liberalismo econômico, o Partido Novo formou uma bancada com oito deputados federais em sua primeira eleição e, na Assembleia Legislativa, ocupa duas cadeiras.

“O que existiu foi uma grande onda antipolítica e anti-PT. Chegou uma época em que as pessoas votavam em qualquer coisa, até no Jair Bolsonaro, para se livrar do PT. E não foi apenas ele que se elegeu, foram também pessoas que estão dentro do PSL e do Novo. Pessoas que não têm nenhuma tradição política coletiva, pelo contrário, o coletivo é visto como ruim. O coletivo é a essência da política, mas hoje temos, na verdade, a soma individual sendo vendida como um grande voto para mover a sociedade”, enfatiza Benedito, em crítica ao liberalismo.

Diante do pleito municipal que será realizado em 2020, é inevitável questionar de que forma os polos da política brasileira — a direita e a esquerda — vão se apresentar ao eleitorado. A direita continuará crescendo ou sua ascensão foi um fenômeno passageiro? Bolsonaro atuará como cabo eleitoral e terá influência nas urnas? A esquerda virá renovada e unida para tentar conter o crescimento da direita? Perguntas assim devem aumentar ao longo do próximo ano.

Para Benedito, o apoio de Jair Bolsonaro será ruim para qualquer candidato, devido ao aumento de sua rejeição. Mas a onda antipolítica deve continuar. “O apoio explícito de Bolsonaro é ruim. Mas isso não quer dizer que o PSL, o Novo e outros partidos que navegam nestas águas não terão um bom desempenho eleitoral. Pelo contrário, acho que terão, sim. Já tivemos um momento de proeminência de partidos mais à esquerda e, agora, estamos passando por um período favorável à direita”, analisa.

Giuseppe Riesgo projeta expansão das correntes liberais nos municípios gaúchos

Deputado estadual pelo Partido Novo, Giuseppe Riesgo também acredita que a antipolítica vai migrar para as eleições municipais. Ele aposta que correntes liberais, como a do seu partido, vão se fortalecer e devem alcançar prefeituras e câmaras. No caso específico do Novo, a participação nas disputas em nível municipal tem uma peculiaridade. O partido vai lançar candidatos apenas em municípios que tenham uma estrutura partidária consolidada — com respeito aos valores defendidos pelo Novo, como a não utilização de recursos públicos. Por isso, também não vai fazer alianças com outras siglas, diferente do que projeta fazer a esquerda.

“Nas próximas eleições o PSL vem forte em muitas cidades, já o Novo vem forte em poucas. Preferimos pouco e melhor do que uma expansão desordenada, que não traga pessoas alinhadas com a forma de trabalhar e a ideologia do partido. Acredito que vamos, sim, ter um impacto grande com prefeitos e vereadores. O Novo é um projeto que veio para ficar, um partido que tem um discurso e, principalmente, uma prática muito boa”, destaca o parlamentar.

“A corrente liberal percebeu que o Estado não nos dá nada, ele só tira, perde um pouco no meio do caminho e, depois, devolve uma pequena fatia em forma de serviços ruins e precários. Os liberais estão crescendo, sim. Querem menos impostos, menos burocracia, menos tirania governamental e mais liberdade para poder viver suas vidas, sem que tenha alguém tomando seu dinheiro e dizendo onde tem que colocar ele”, pontua Riesgo.

Pepe defende unificação de lutas e reconhece possibilidade de alianças entre a esquerda

Por outro lado, o deputado estadual e presidente do PT gaúcho, Pepe Vargas, analisa um cenário favorável à esquerda nas eleições municipais. Ele acredita que os resultados no último pleito foram apenas circunstanciais, devido ao momento da política, mas não estruturais. Apesar de o PT ter perdido cadeiras, manteve as maiores bancadas na Câmara e na Assembleia Legislativa.

Segundo o parlamentar, a perda de apoio de Bolsonaro nos primeiros meses de governo surge como uma oportunidade para a retomada nas próximas disputas. “Acredito que as eleições de 2020 não vão repetir o cenário que tivemos em 2016 e 2018. Será um outro momento, com mais dificuldades para a direita e mais possibilidades para a esquerda”, projeta. O petista entende que as reformas propostas pelo governo tiram direitos da população e serão malvistas pelo eleitorado num futuro próximo.

Diferente do Novo, o PT gaúcho reconhece a importância das alianças partidárias, mas salienta que elas não devem ocorrer apenas durante campanha eleitoral, precisam ir além disso. “Defendemos que se tenha desde já, ainda antes das eleições, uma unidade da sociedade e das forças políticas que querem defender a democracia e os direitos do povo gaúcho e brasileiro. Poderemos coligar com os partidos que tiverem unificado essas lutas nas disputas municipais”, destaca.

Pepe Vargas salienta, ainda, que a densidade eleitoral definirá quem encabeça uma chapa em eventuais alianças. “Em cidades em que o PT tiver candidaturas com maior densidade, vamos postular que sejamos nós. Já onde tenha algum aliado com uma candidatura melhor, o PT pode perfeitamente apoiar. Mas eu diria que o PT terá candidaturas competitivas”, avalia. “O processo de renovação também acontece, estamos estimulando candidaturas femininas e de jovens, para que tenhamos novas lideranças para assumir funções públicas relevantes”, acrescenta.

Na opinião do cientista político Benedito, a renovação é palavra-chave para a esquerda superar a descrença e a postura antipolítica. “Se eu tivesse alguma influência sobre os partidos políticos, faria uma recomendação: busquem pessoas que não sejam identificadas com as velhas práticas, as velhas correntes dos partidos. Isso não quer dizer que não sejam pessoas comprometidas politicamente, mas que representem a renovação”, recomenda.

Esquerda tenta reduzir divergências, mas aliança na eleição presidencial é considerada improvável

Entre os partidos que compõem a esquerda brasileira, o cientista político Benedito Tadeu César ressalta que o Partido dos Trabalhadores (PT) ainda possui maior representatividade, apesar de ter reduzido o número de eleitos no último pleito. Benedito acredita que uma aliança partidária, também na eleição majoritária presidencial, possa ser a alternativa da esquerda para recuperar o espaço perdido. No entanto, a união das siglas é considerada difícil pelo especialista, que se baseia nas últimas disputas.

Representado pelo candidato Fernando Haddad em 2018 — após o indeferimento da candidatura do ex-presidente Lula — , o PT está entre o amor e o ódio no atual cenário. Haddad conquistou 47 milhões de votos, mas perdeu a eleição no segundo turno. Por outro lado, a sigla continua sendo a que tem maior simpatia do eleitorado. Em pesquisa do Ibope, o PT é preferido por 29% dos eleitores e supera 34 partidos somados.

Fernando Haddad (E), do PT, participou de encontro com líderes da esquerda para alinhar posições dos partidos. / Foto: Twitter oficial de Fernando Haddad

“Falamos na onda antipetismo, mas as pesquisas de satisfação mostram de longe que o PT ainda é o partido com maior simpatia. Na verdade, existe aquela clássica divisão: um terço do eleitorado tem simpatia com o PT, um terço é indiferente e um terço tem ódio ao PT. Não tem nenhum outro partido que tenha esse grau de simpatia, nem de antipatia”, destaca o especialista.

O cientista político afirma que o tamanho do PT não pode ser minimizado, mas que será preciso certa humildade do partido para uma aliança entre a esquerda. Cabe lembrar que Ciro Gomes, candidato do PDT à presidência, tem reiterado sua contrariedade ao PT.

Apesar disso, líderes de partidos da esquerda se reuniram no final de março para alinhar posições. Na época, participaram do encontro os petistas Fernando Haddad e Flávio Dino, Guilherme Boulos e Sônia Guajajara, ambos do PSOL, e Ricardo Coutinho, do PSB.

“Entendo que uma boa estratégia do PT seria ir para as negociações sem a priori reivindicar a cabeça de chapa, colocando-se como um partido qualquer. Óbvio que ele tem mais peso e envergamento social que os outros, mas nem sempre ele vai ter os melhores candidatos. Eleição precisa de voto, então é preciso ter bons nomes”, finaliza Benedito.

Edição: Marcelo Ferreira