CURA GAY

Artigo | Não há cura para o que não é doença

STF derrubou na quarta (24) a sentença da Justiça Federal que liberava a prática de terapias da reversão sexual no país

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Com decisão, STF mantém resolução do Conselho Federal de Psicologia que proíbe terapias da chamada cura gay
Com decisão, STF mantém resolução do Conselho Federal de Psicologia que proíbe terapias da chamada cura gay - Nelson Almeida / AFP

Ingressamos num tempo em que medidas governamentais anunciadas no dia a dia deixaram de ser apenas polêmicas, mas se aproximam do terreno de quem já as considera até resultado de insanidade mental. Recente decisão judicial, de 24 de abril, porém, detém uma medida dessa onda de retrocessos e preconceitos que se desenhava contra a homossexualidade no Brasil.

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou sentença da Justiça Federal de Brasília que liberava a prática de terapias da reversão sexual no País, popularmente conhecida como “cura gay”.

A decisão do STF manteve a Resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que proíbe psicólogos de realizarem procedimentos que consideram a “cura gay” como doença, patologia ou desvio.

O Conselho, que havia ingressado no Supremo com reclamação constitucional solicitando a suspensão dos efeitos de ação movida por alguns psicólogos, comemorou a decisão. “Muito acertada e bem-vinda. Parabenizo a todas e todos que defendem a sociedade e a Psicologia brasileira”, declarou o presidente do órgão, Rogério Giannini.

Na ação acatada pela Justiça do Distrito Federal que liberava a terapia, proliferam-se argumentos sem base científica e até mesmo esdrúxulos. Seria cômico se não fosse trágico acreditar que está em curso um complô gay para transformar as crianças em homossexuais e associar o movimento LGBT ao nazismo. Tamanhas aberrações buscam respaldo na tese da defesa do “livre desenvolvimento científico”.

No passado, é verdade, houve estudos pretensamente científicos com perseguições aos homossexuais e outras minorias. Em nome também do “livre desenvolvimento científico” tentaram, inutilmente, descobrir causas e oferecer tratamentos a “anomalia” da homossexualidade e à custa de muitas vidas.

Um marco histórico para colocar ponto final na questão foi dado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que, em 1989, retirou do catálogo de doenças a homossexualidade. Essa decisão por si só não pôs fim a intolerância, ignorância e preconceito.

Apesar da luta incansável do movimento LGBT, o Brasil continua a ser terra de grandes riscos para os homossexuais e transsexuais. Mesmo sem dados oficiais, os índices de violência são alarmantes no país. Segundo o Grupo Gay da Bahia, no ano passado uma pessoa LGBT foi assassinada a cada 20 horas.

Aliado às condições de vulnerabilidade social, o preconceito leva às ruas homossexuais e travestis que são duplamente abandonados pelo Estado. Primeiro quando o Estado se omite no combate ao preconceito nas escolas. E depois quando se recusa a oferecer apoio socioassistencial para a população LGBT, que se multiplica nas ruas das grandes cidades brasileiras.

Diante dessa dura realidade, há ainda espaço para comemorar a decisão do STF, mesmo que seja passageiro. Isso porque, todos os dias, o governo de Bolsonaro e sua fiel escudeira, a ministra Damares, reservam novos ataques aos princípios civilizatórios.

O mais recente é a retirada da peça publicitária do Banco do Brasil, veiculada nas tevês com personagens da diversidade. O argumento insólito do ex capitão do Exército é o de que a imagem do país não pode ser a do “mundo gay”.

Com tantas surpresas assim no dia a dia, temos que reunir forças e acreditar que o preconceito sim é uma doença. E que tem cura.


* Juliana Cardoso (PT) é vereadora pelo município de São Paulo (SP), vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente da Câmara Municipal e integrante das Comissões de Saúde e de Direitos Humanos.

 

 

Edição: Rodrigo Chagas