HOMENAGEM

CRÔNICA | Beth Carvalho, Maria Bethânia e o sonho de um Brasil melhor

A sambista ousou ocupar territórios masculinizados. Já a menina de Oyá, ecoa o brado das mulheres fortes

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Beth Carvalho morreu, aos 72 anos, no último dia 30 de abril.
Beth Carvalho morreu, aos 72 anos, no último dia 30 de abril. - Agência

A partida de Beth Carvalho e logo em sequência assistir "Fevereiros" exaltando Maria Bethânia mexeram bastante comigo e precisei escrever pra externalizar.
Acho que Beth foi uma das primeiras referências que tive de mulher no samba, instrumentista, compositora, cantora que sempre aparecia nas rodas de samba com muita cerveja, muita festa e sorriso largo.
Bethânia sempre foi referência de desobediência, sapecagem, botar a boca no trombone e o corpo no mundo, com muita fé e devoção.
O historiador Luiz Antônio Simas me lembra, em sua fala no filme, do meu primeiro amor acadêmico, a história, e dessa necessidade de tentar explicar o futuro através do passado. Fala da importância do matriarcado dos terreiros, das comunidades afrodescendentes, dessa fé guardada pelas mulheres que perdura firme e forte até hoje. Da importância de se viver em comunidade, do quão fortalecedor isso é.
As mulheres africanas escravizadas que garantiram a memória de seu lugar levando sementes escondidas em suas tranças, por exemplo, levaram também algo que não se tira de ninguém: sua história, seu legado, seu conhecimento, as cantigas entoadas na infância, o ritmo batucado e dançado nas celebrações que por vezes foi entoado internamente como mantra, amenizando a saudade de casa.
Tia Ciata é outra referência que descende da diáspora africana e protagoniza a diáspora baiana se tornando a matriarca do samba, a mãe negra do samba, permitindo o nascimento do samba carioca com toques saborizados de samba baiano.
Tia Ciata, matriarca do samba, abriu portas para sua criação. Beth Carvalho, madrinha do samba, ousou ocupar territórios maculinizados e deu espaço pra muita gente boa. Bethânia, a menina dos olhos de Oyá, ecoa o brado das mulheres fortes, sejam elas santas, orixás ou mortais.
Por aqui, na vivência e correria do dia a dia, somos comunidade quando nos proporcionamos doces encontros, com as risadas, com os tambores, com a luta, com a consciência tranquila de estar do lado certo da batalha, com as crias que nos ajudam a amenizar a dor e o cansaço da vida adulta. Viver em comunidade é perceber que a vida vale a pena, é alimentar aquela fagulha de esperança e utopia que a gente não deixa apagar.
Sigamos, juntas, não deixando o samba morrer, não deixando o samba acabar. Virando este mundo em festa, trabalho e pão.
 

Edição: Heloisa de Sousa