moradia

Com 2,6 milhões de casas construídas, Venezuela celebra oito anos da Missão Vivenda

Meta é chegar a 3 milhões até o final de 2019 e 5 milhões até o final do atual mandato de Maduro, em 2025

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Segundo a Câmara de Construtores Venezuelanos, é necessária a construção anual de 118 mil casas para acompanhar o crescimento populacional.
Segundo a Câmara de Construtores Venezuelanos, é necessária a construção anual de 118 mil casas para acompanhar o crescimento populacional. - Foto: Agência Venezuelana de Notícias

A Grande Missão Vivenda (GMVV) é parte das políticas de inclusão social, promovidas pelo ex-presidente venezuelano Hugo Chávez desde que assumiu o poder e deu início à chamada Revolução Bolivariana. Em 1999, primeiro ano do governo chavista, o déficit habitacional era de 1,5 milhão de casas. Desde 2011, quando foi criada a missão, 2.621.000 casas foram construídas.

O programa está presente nos 24 estados do país, mas concentra a maior parte das unidades nos três mais populosos: Distrito Capital, Miranda e Zulia. O governo venezuelano trabalha com a meta de superar a marca de 3 milhões de moradias entregues até o fim deste ano, e 5 milhões até o final do mandato de Nicolás Maduro, em 2025. Cálculos da Câmara de Construtores Venezuelanos estimam ser necessárias pelo menos 118 mil novas casas por ano, para acompanhar o crescimento populacional.

Os apartamentos são entregues pelo governo de acordo com fatores socioeconômicos e a uma lista feita pelos representantes de Conselhos Comunais (espécie de conselho comunitário). Tudo é registrado no sistema Pátria, que aglutina dados demográficos e é o mesmo meio utilizado por qualquer cidadão que queira ter acesso a programas sociais, bônus e recebimento de cestas básicas, os CLAP.

A criação do programa aconteceu também como uma forma de resposta do governo a um período de fortes chuvas e deslizamentos de terra, que desalojaram cerca de 224 mil pessoas, em 2010.

Foi o caso de Ellis Quijada, pedreiro, que vivia numa favela chamada La Quebradita, no bairro Cátia, zona oeste da capital. Depois das chuvas sua casa foi interditada pela defesa civil e, junto com os vizinhos, viveu por três anos em alojamentos improvisados no Ministério do Meio Ambiente.

Ali tinham um teto, comida e a esperança de conquistar sua casa. “Nós já sabíamos que teríamos direito a uma casa, porque o presidente Chávez já havia dito que cada refúgio teria uma moradia garantida. Durante três anos, eu estive ajudando a construir outras moradias, vendo outros refugiados recebendo sua casa e esperando para ter a minha. Eu visitava sempre, porque nós fazíamos a controladoria popular da obra”, relata Quijada.

Ellis Quijada vive há 6 anos numa unidade da Grande Missão Vivenda. “Eu não acho que exista um lugar no mundo melhor para viver do que a Venezuela” (Foto: Michele de Mello / Brasil de Fato)

O pedreiro é líder do Comitê de Moradia e atual porta-voz da sua residência. Apesar de se identificar há 14 anos com o chavismo, foi no processo de conquista da moradia que passou a militar na Unidade de Batalha Bolívar Chávez (UBCh) -- criada para defender do território venezuelano contra qualquer ameaça -- e a organizar a Comuna Socialista “Artilheir@s de Chávez” .

“Quando recebi a chave da minha casa, em dezembro de 2013, senti muita alegria. Esse dia foi uma loucura, as pessoas queriam vir correndo para entrar nas suas casas”, relembra. Cada apartamento foi equipado com uma geladeira, fogão, máquina de lavar, dois colchões e uma beliche.

Quijada e a família vivem na unidade habitacional chamada Los Jabillos II, situada no bairro Sábana Grande, zona central de Caracas, historicamente de classe média alta. Trata-se de um bairro de restaurantes finos, grandes shoppings e casas noturnas. Estima-se que o m² custe em torno de 1200 dólares (cerca de 4800 reais). O que antes era um estacionamento privado, transformou-se no lar de 433 pessoas (Foto: Michele de Mello / Brasil de Fato)

Por cidades mais populares

O combate à gentrificação da cidade é um dos princípios da Grande Missão Vivenda. “Eram terrenos subutilizados dentro do mesmo espaço urbano, que ao final, significou uma justiça territorial, através da democratização dos terrenos que o próprio povo identificava e propunha como espaço para edificar unidades da Grande Missão Vivenda”, conta Beatriz Fernández Cabrera, socióloga e pesquisadora do Centro de Estudos de Desenvolvimento da Universidade Central da Venezuela (CENDES – UCV).

Quijada relata que o choque cultural e de classes foi evidente desde o primeiro dia. “Nós nos dizíamos ‘cara de culpados’, porque depois que viemos morar aqui tudo era nossa culpa: o acúmulo do lixo, o aumento da delinquência. Quando, na verdade, muitas das coisas nós vimos aqui pela primeira vez. Quando chegamos aqui nos assustamos, porque tivemos contato com uma vida noturna, que antes nunca havíamos visto, nem sabíamos que existia”, conta.

De acordo com Cabrera, a proposta é justamente romper com a lógica de captação da renda pelo capital privado, o que significa uma ruptura do paradigma neoliberal de moradia social.

Além de garantir um teto, a Missão Vivenda também visa construir comunidades organizadas em torno de um horizonte comunal. A proposta é criar espaços onde novas relações sociais, laços de pertencimento e modos coletivos de vida possam se desenvolver. Para isso, além das casas, todos os módulos construídos pela GMVV possuem espaços de estudo e lazer; estruturas de atendimento básico de saúde; unidades produtivas comunais.

No andar térreo do edifício Los Jabillos II, onde vive Quijada, há uma loja de roupas a preços populares, uma copiadora, um minimercado e um espaço de distribuição de alimentos produzidos por comunas rurais do estado Táchira – tudo administrado pelos próprios moradores.

Joana organiza sua venda com bolos caseiros, queijo e mortadela a preços populares (Foto: Michele de Mello / Brasil de Fato)

As salas comerciais são alugadas por 60 mil bolívares (cerca de R$ 40) e os moradores pagam um condomínio mensal de 2 mil bolívares (R$ 1,60). A verba á utilizada para manutenção do edifício, que também é feita pelos que ali habitam. “Essa é uma expressão do poder popular, o próprio povo realizando a autogestão do seu espaço”, garante o pedreiro.

Contra críticas de que a Missão se trata de um projeto assistencialista, a socióloga Beatriz Cabrera afirma que a participação popular é um dos eixos transversais da GMVV. “O povo organizado é legitimado em distintas fases: a localização dos terrenos, a elaboração dos projetos, a controladoria social das obras. E também se evidencia no seu papel de executor, com um volume de moradias construídas [pelos próprios moradores] próximo ao 40% do total, fato que dá uma garantia de sustentabilidade a essa política”, explica.

No fim de tarde, a vizinhança se reúne no térreo do edifício para jogar dominó (Foto: Michele de Mello / Brasil de Fato)

Movimentos de luta por moradia

Movimento Povoadores é uma plataforma de luta que articula diversas organizações, desde 2002, na lutam pelo direito à cidade e à moradia. “Buscamos a transformação socialista das relações capitalistas de produção da cidade”, afirmam no seu documento de criação.

São elas: os Comitês de Terra Urbana, que buscam a regularização jurídica e urbana das favelas; União das trabalhadoras de Residências, organiza mulheres e homens responsáveis pela limpeza de edifícios e urbanizações; Acampamentos de Pioneiros, acampamentos de sem-teto que reivindica o direito à cidade e a moradia, organizam ocupações e logo constroem suas próprias casas, baseados na autogestão e na organização comunal; Movimento de Inquilinos, que reúne famílias que correm risco de desalojo ou sofrem com especulação imobiliária; Movimento de Ocupantes de Edifícios, que aglutina todos que vivem em construções abandonadas; e os Grupos Organizados para Viver Bem, que reúne famílias, que perderam suas casas vítimas de desastres naturais.

Pela pressão dos movimentos sociais e pelas transformações que o governo Chávez deu início, em 2008, foi aprovada a Lei de Terras Urbanas, que prevê a disposição de terrenos urbanos subutilizados para a construção de moradias de interesse social, utilizando fundos públicos do governo nacional.

Nos anos seguintes, com o Programa de Transformação Integral do Habitat (2009) e a Missão Novo Bairro Tricolor (2010), o povo passa a ter suporte do Estado para transformar seu local de moradia. Venezuelanos e venezuelanas que viviam em periferias puderam construir calçadas, pintar casa, revitalizar praças, ter acesso a saneamento básico e serviços públicos em geral.

Em apenas um ano, cerca de 20 mil famílias tiveram seu lugar de moradia revitalizado com organização popular e suporte estatal. A Venezuela também foi o primeiro país no mundo a criar uma lei contra os desalojamentos forçados.

Teto digno, apesar da crise

Para celebrar o aniversário da Grande Missão Vivenda, o Ministério de Moradia e Habitação organizou o II Fórum Internacional, que reuniu delegações de 14 países para intercambiar experiências em três eixos: poder popular e movimentos sociais; direito à cidade; e economia produtiva.

No encerramento, o Ministro de Moradia e Habitat, General Ildemaro Villarroel Arismendi, assegurou: “a moradia será um horizonte de gestão social, uma razão que nos unifica e que nos fará seguir na luta”.

Edição: Rodrigo Chagas