13 de maio

"Estamos vivendo um dos piores momentos do racismo brasileiro", afirma escritor

Oswaldo Faustino fala sobre as polêmicas em torno da Lei Áurea e o retrocesso na promoção da igualdade racial

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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O jornalista e escritor Oswaldo Faustino reforça a importância do fortalecimento do movimento negro nos dias de hoje
O jornalista e escritor Oswaldo Faustino reforça a importância do fortalecimento do movimento negro nos dias de hoje - Foto: Laísa Gabriela de Sousa

A Lei Áurea, que decretou o fim da escravidão legal, após três séculos de trabalho forçado, foi promulgada às pompas no dia 13 de maio de 1888 como a lei mais popular e a última do Brasil Imperial (1822-1889). Mesmo assim, o Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravatura.

A assinatura da Lei nº 3.353 pela princesa Isabel libertou e, ao mesmo tempo, abandonou pessoas em condições desumanas. Para o jornalista e escritor Oswaldo Faustino, a data não deve ser lembrada ou comemorada pela figura da filha de Dom Pedro II como benfeitora dos negros. 

Faustino, que atuou em diversos veículos de comunicação e integra a Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira), se destaca na área de literatura afro-brasileira para crianças. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele destaca a luta e a resistência dos próprios escravizados pela liberdade e lamenta que, atualmente, algumas pessoas se vangloriem de serem racistas.

"Os comediantes acham divertido fazerem piadas racistas e se sentem no direito de fazerem essas piadas, 'porque eu estou apenas fazendo rir'. Então, nós estamos vivendo um dos piores momentos do racismo brasileiro, porque, hoje, já há pessoas orgulhosas disso. Então, não é uma luta negra, é uma luta de todos, é uma luta que a sociedade vai sofrer muito se a gente não acabar com o racismo".

Confira a entrevista:

Brasil de Fato: O que é o 13 de Maio e por que existe essa controvérsia em relação ao fim da escravidão, que é marcada pela assinatura da princesa Isabel nessa data?

Oswaldo Faustino: O maior problema do 13 de Maio é [esse entendimento] da Lei Áurea chegar quase como uma caridade, uma coisa dada, uma liberdade dada, quando, na verdade, no século 19, naquele momento, você já tinha um movimento muito grande de libertação. Você já tinha muitos alforriados, você já tinha muitos rebelados, você já tinha quilombos espalhados pelo país inteiro.

Agora, de qualquer forma, você ainda tinha a escravidão institucionalizada. Então, eu sou de um grupo de pessoas que não é contra pensar a Lei Áurea, é contra pensar a Lei Áurea como ela foi realizada. Mas, não contra admitir a importância dela. A lei é importante, mas não é resultado de uma luta de abolicionistas caridosos, bondosos. Não, muitos negros participaram da luta abolicionista também, apesar de não serem reconhecidos pela história.

Então, o 13 de Maio não é uma data de toda inútil, tanto não é que as religiões de matriz africana, particularmente a umbanda, fazem suas festas de Preto Velho, recordam. Tem aquela música maravilhosa cantada pela Clementina de Jesus que era: "tava durumindo, cangoma me chamou, tava durumindo, cangoma me chamou, disse levanta povo, o cativeiro acabou".

Ora, festejar o fim do cativeiro é fundamental, é muito importante, está na raiz do nosso povo, são festas populares. E o 13 de Maio não pode ser negado nesse sentido.

Agora, pensá-lo como uma caridade da princesa ou uma caridade do Congresso, porque, na verdade, a princesa recebe a decisão do Congresso e avaliza, assina em baixo, apenas. E diz: "a partir dessa data, acabou". Agora, acabou como? Em que condições ficaram aqueles que até aquela data eram cativos? O que receberam? Como foi o 14 de Maio? Então, o 13 de Maio, para nós, passa a ser, sim, uma data de reflexão, uma data de que "Opa, peraí, como ficou esse 14 de Maio infindável na nossa vida?". 

O problema não é reconhecer que, a partir do 13 de Maio, foi assinada uma lei que libertou os escravos, mas, sim, não reconhecer o papel que os próprios negros tiveram de protagonismo na luta e associar isso, como a gente acaba aprendendo nas escolas, que foi uma benevolência do branco em relação ao negro, como se o negro simplesmente aceitasse isso passivamente. É isso?

É, isso. Na verdade, é o que nos ensinam as escolas. É o que ensina a sociedade. É o que nos jogam na cara, quando o branco quer fazer piadinha, ele diz que a Lei Áurea foi assinada a lápis. Em 1988, próximo de maio de 1988, saiu uma história de que a Lei Áurea só valia por 100 anos e que todos nós voltaríamos... Enfim, nada disso.

Essa "liberdade" anunciada, o que nós temos que refletir sobre ela? Tem um samba da Mangueira que diz: "moço, não esqueça que o negro também construiu a riqueza do nosso Brasil". E, eu digo, o samba está errado. O negro não "também construiu", o negro construiu. Foi o trabalho negro, foi o sangue negro, que construiu essa riqueza, durante quase quatro séculos, com certeza. Então, o protagonismo na construção dessa riqueza não é reconhecido, o protagonismo na luta pela liberdade não é reconhecido.

As revoltas, os quilombos, as ações, tudo que se trouxe do continente africano, inclusive, a tecnologia para produção etc., não tem nenhum reconhecimento. Então, 13 de Maio é um dia ótimo para se pensar, é um dia de reflexão. Fazer reverências, aplaudir os que querem que a princesa seja canonizada, essas coisas, isso é coisa que a gente ri, quando eles falam.

Mas, por outro lado, eu não posso negar a importância de que é a liberdade, porque a liberdade nós sempre tivemos. Nós tivemos a nossa liberdade criando nossos cultos, nós tivemos a liberdade criando nossos conceitos, nossas famílias, nossas culturas. A gente, mesmo acorrentado, teve formas de viver liberdade.

Agora, o importante é a lei dizer que a escravidão não existe. É com ela que nós brigamos, agora, quando a gente vê trabalhadores em situação análoga à escravidão. É com ela na mão que a gente diz: "opa, peraí".

Trazendo um pouco para os dias atuais, quais são os desafios, como a gente pode trazer isso para o dia a dia das pessoas de uma forma mais prática, para as pessoas entenderem o que é o racismo no cotidiano, o que já melhorou daquela época para cá, mas o que ainda não melhorou também e o que ainda é preciso ficar atento para evitar esse tipo de situação?

Oswaldo Faustino: O maior problema do negro é o negro que não se reconhece como oprimido. Ora, se a gente conhecesse a história e a cultura do nosso povo, se a gente conhecesse um pouco de história da África, a gente não iria aceitar uma série de afirmações que fazem sobre nós e uma série de ações que fazem sobre nós, ações racistas frontais e mesmo as que não são frontais.

Então, é preciso, sim, que recomecemos a nos organizar novamente. Você teve um movimento muito grande no início do século, nas três primeiras décadas. Mas, quando chega em 1937, a ditadura de Getúlio [Vargas] fecha a nossa mais importante entidade, que era a Frente Negra Brasileira, uma entidade que virou um partido político em 1936. 

O movimento começa a reascender na década de 1960 com algumas ações, com os clubes sociais... Nós, ainda adolescentes, jovens, íamos para os bailes e a gente não ficava só dançando e paquerando, a gente usava os clubes sociais para mostrar os livros que a gente estava lendo. Então, essa coisa toda reascendeu para estourar no final dos anos 1970 com a nossa manifestação na frente do Theatro Municipal e a criação do Movimento Negro Unificado.

Então, tudo isso é uma forma de tomada de consciência, o que nós temos que fazer no 13 de Maio é sempre alimentar essa consciência. Eu não sou o da tendência do sectarismo, eu acredito na convivência boa, natural, amorosa, afetiva entre todos, eu acredito nessa possibilidade. 

Agora, é preciso que eles entendam que, ao participar, eles entram como coadjuvantes, não podem ser os personagens principais, eles não podem ser os protagonistas. Os protagonistas dessa luta somos nós, somos nós que a vivemos, somos nós que temos que pensá-la. Aceitamos opinião, aceitamos colaboração, aceitamos a energia e o apoio, mas não permitimos que tomem a nossa bandeira da nossa mão e saiam eles como heróis.

Eu acho que as pessoas que tomam consciência dessa questão começam a entender que o racismo não é uma doença do negro, o racismo é uma doença da sociedade. Uma sociedade racista é uma sociedade doente e ela precisa ser curada. E ela é curada muitas vezes por ações de não-negros, por pessoas que tomam consciência dessa questão e que começam a dizer para seus pares: "parem com isso".

Para encerrar, por incrível que pareça, o Brasil era um país sem racistas. Olha, que bonito! Mas não é porque tinha democracia racial, o Brasil era um país sem racistas porque, qualquer pessoa a quem você perguntasse "você é racista?", ela sentia vergonha de dizer que era. Todas as pessoas diziam que não. Então, ninguém era racista, mas todo mundo conhecia pelo menos um: é o meu pai, é o meu vizinho... Todo mundo conhecia um, mas ninguém era.

Hoje, em consequência inclusive desses personagens que estão no poder, as pessoas têm orgulho de se dizerem racistas. Os comediantes acham divertido fazerem piadas racistas e se sentem no direito de fazerem essas piadas, "porque eu estou apenas fazendo rir". Então, nós estamos vivendo um dos piores momentos do racismo brasileiro, porque, hoje, já há pessoas orgulhosas disso. Então, não é uma luta negra, é uma luta de todos, é uma luta que a sociedade vai sofrer muito se a gente não acabar com o racismo.

*Colaborou Emilly Dulce
 

Edição: Aline Carrijo