descaso

Governo Bolsonaro não tem projetos para a área ambiental, afirmam especialistas

Entidades afirmam que gestão se caracteriza por “pobreza política” e se queixam da falta de transparência

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

Ouça o áudio:

Para especialistas, ao negligenciar a pauta ambiental, o país sofrerá consequências  em outras áreas, porque o tema tem caráter transversal.
Para especialistas, ao negligenciar a pauta ambiental, o país sofrerá consequências em outras áreas, porque o tema tem caráter transversal. - Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Organizações da sociedade civil e especialistas acumulam preocupações com as ações do presidente Jair Bolsonaro (PSL) em relação à preservação ambiental.

A secretária-executiva do Instituto de Manejo e Certificação Florestal Agrícola (Imaflora), Laura de Santis Prada, considera que o país vive um momento de “pobreza política” em relação ao tema. A afirmação se justifica pela falta de diálogo do governo com atores sociais.

Prada argumenta que a gestão Bolsonaro tem se pautado por uma “visão unilateral”. E acrescenta que isso prejudica o desenvolvimento das políticas e a busca por caminhos possíveis para as problemáticas que afetam o tema ambiental no país.

 “O mundo todo, inclusive o setor privado, já está enxergando o trabalho em rede, em você juntar várias expertises e opiniões inclusive divergentes. É daí que saem a inovação e as soluções para problemas complexos. A sociedade tem uma sede de colaboração, mas, para isso, os espaços de construção de parceria precisam ser garantidos”, defende.

O tema foi destaque na abertura do 1º Seminário Nacional de Governo Aberto em Clima, Florestas e Agricultura, que ocorre nesta terça-feira (14), na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF).

Decreto de retrocessos

Como ponto comum de preocupação, a sociedade civil traz à tona também o decreto presidencial (nº 9.759/2019) que extingue, a partir de 28 de junho, diferentes conselhos participativos no âmbito do Poder Executivo federal.

Assinada por Bolsonaro no mês passado, a medida tem sido alvo de protestos de diferentes setores. O presidente chegou a dizer que a extinção seria uma “gigantesca economia, desburocratização e redução do poder de entidades” supostamente aparelhadas, mas não detalhou a afirmação.

O diretor de Políticas Públicas da Fundação S.O.S. Mata Atlântica, Mario Mantovani, afirma que o dispositivo inaugura uma temporada de grandes retrocessos na relação entre governo e sociedade.

O problema interfere também na área ambiental, já que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) tem mais de vinte colegiados de participação social sobre questões como desmatamento, redução de gases do efeito estufa, manejo sustentável de florestas, mudanças climáticas, prevenção e controle do desmatamento da Amazônia, entre outros.

“O fato de liquidar os conselhos numa canetada foi, talvez, o fato mais grave desta gestão. É uma forma perversa de concentração de poder, de desclassificar a sociedade e afastá-la da gestão. Foi um golpe contra a sociedade”, critica Mantovani, acrescentando que a iniciativa fere a Constituição Federal, que assegura a participação social nas políticas.

O presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), afirma não ver perspectiva de diálogo com o atual governo, mas acredita que o Poder Legislativo pode ajudar a minimizar o problema da interação entre o Executivo e os segmentos sociais.

“Como é que o parlamento pode contribuir? Cumprindo um pouco esse papel e ajudando no diálogo com a sociedade civil, trazendo o debate aqui pra dentro pra poder pressionar, porque nós não podemos aceitar de forma nenhuma que a gente tenha um governo que coloque na lata do lixo tudo aquilo que nós construímos do ponto de vista do fortalecimento da democracia”, afirma.

Transparência

Entidades presentes no evento em Brasília se queixam ainda da falta de transparência das informações administradas pelo MMA. O gerente de políticas públicas da ONG WWF Brasil, Michel Santos, vê com preocupação o fato de o ministério ter retirado do ar, no início do ano, os mapas virtuais que continham informações sobre as áreas prioritárias de conservação ambiental.

Ele explica que o material servia de referência para a visualização de territórios que garantem serviços ecossistêmicos relacionados a chuvas, regulação climática, fornecimento de água para diferentes populações, entre outros.

Após as críticas, o ministro Ricardo Salles alegou que havia erros no conteúdo dos gráficos e que o secretário de Biodiversidade ainda não havia sido nomeado. Na ocasião, ele disse que, após a resolução desses dois pontos, o material voltaria ao ar, o que não ocorreu.

Do ponto de vista político, a remoção dos mapas ocorre ao mesmo tempo em que a bancada ruralista, apoiadora oficial do governo, tenta impulsionar, no Congresso Nacional, a flexibilização das normas de licenciamento ambiental. Também se alinha a projetos de interesse de grandes empresas que, embaladas pelo crescimento da pauta neoliberal, tentam avançar sobre áreas de proteção.

“Esses mapas de áreas prioritárias para conservação versus todas as propostas de obra de infraestrutura colocam, de certa forma, alguns limitantes importantes do ponto de vista da biodiversidade. Se nós temos uma área restritiva, não há que se pensar ali hidrelétrica, rodovias, ferrovias. Na medida em que você suprime essas informações e [busca] flexibilizar o licenciamento, você pode estar colocando em risco benefícios das gerações de hoje e das futuras, que sequer conhecem todos esses elementos da biodiversidade”, assinala Santos.

Projetos

Na esteira desses mesmos acontecimentos, também preocupa os especialistas a ausência de um detalhamento de projetos para a área ambiental. A secretária-executiva da Imaflora sublinha que o governo não apresentou, até o momento, um planejamento de ações e programas de forma minuciosa, o que dificulta inclusive o acompanhamento da gestão.

“Eu sinto falta de um plano estratégico. Se é eficiência de gestão a ordem do dia, então, qual é o plano estratégico, quais são as metas e como o governo e, especificamente, o Ministério do Meio Ambiente pretendem resolver isso sem participação popular? Parece muito difícil. Seria fundamental que o Ministério do Meio Ambiente se posicionasse, para além do desmonte do que eles acham que não está bom, que ele se propusesse a demonstrar pra sociedade o que ele vai construir no lugar”, afirma Laura de Santis Prada.

Transversalidade

Mario Mantovani sublinha que, ao negligenciar a pauta ambiental, o país tende a sofrer consequências ainda em outras áreas, porque o tema do meio ambiente tem caráter transversal. Diante disso, ele destaca a necessidade de buscar uma integração das diferentes políticas, o que não estaria ocorrendo atualmente.

“Quando a gente vê um candidato falando, uma emenda parlamentar em Brasília pra um hospital, quando a gente vê os recursos da [pasta da] Saúde aqui, são bilhões. E a gente se esquece de uma coisa, por exemplo: se não tiver saneamento e não tirar esgoto dos rios, nós vamos ter 70% de doenças de origem hídrica. É um desastre isso. Você vai sempre fazer um enxuga-gelo. Nós não vamos estar tirando gente dos hospitais, e sim colocando. E a gente poderia falar isso com as questões do lixo, do clima”, exemplifica.

Caminhos

Para os especialistas, a conjuntura diante da agenda ambiental pede um fortalecimento da união entre diferentes entidades e movimentos populares que acompanham o tema. O objetivo é exercer pressão sobre a gestão Bolsonaro e tentar reaver as conquistas que já haviam sido garantidas em âmbito nacional.

“O governo está se fechando cada vez mais e o papel da sociedade, nesse sentido, é lutar pra colocar o país novamente na rota do desenvolvimento democrático, senão não há saída”, finaliza Michel Santos, da WWF.

Edição: Rodrigo Chagas