Resistência

Da forma ao conteúdo: quais os questionamentos da OAB ao pacote "anticrime" de Moro

Parecer do Conselho Federal da entidade diz que não houve debate público em torno das propostas do Ministério da Justiça

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Prisão após condenação em segunda instância, defendida no pacote, é vista como dotada de "eminente inconstitucionalidade"
Prisão após condenação em segunda instância, defendida no pacote, é vista como dotada de "eminente inconstitucionalidade" - Sergio LIMA / AFP

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aprovou por unanimidade um parecer sobre o pacote legislativo proposto pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. Além de críticas à parte das propostas, incluindo a indicação de vícios de inconstitucionalidade, a entidade afirma como problemática a ausência de diálogo antes da divulgação dos projetos. 

“Há convergência total por parte da comunidade científica de que a proposta do Ministério da Justiça não foi precedida do indispensável debate público que se esperava”, aponta trecho do documento. 

A elaboração do documento contou com a participação de diversos advogados e professores de Direito, coordenados por Juliano Breda, presidente da Comissão Especial do Direito de Defesa, e Ticiano Figueiredo, presidente da Comissão Nacional de Legislação.  

A avaliação de alguns pontos -- como alterações na criminalização do caixa dois, competência da Justiça Federal para julgamento de crimes conexos a delitos eleitorais e a criação de um bando de dados genéticos de condenados – não foi consensual por parte de todos especialistas envolvidos no parecer. 

Outros itens do pacote, por outro lado, foram alvo de críticas, em diversos níveis: prisão após condenação em segunda instância, execução imediata da pena para decisões do Tribunal do Júri, ampliação da interpretação da legítima defesa para agentes de segurança pública, acordos penais e interceptação de advogados são alguns deles. 

Em relação ao acordo penal (plea bargain), por exemplo, parte dos especialistas rechaça a ideia em absoluto por conta das disparidades entre acusação e defesa, outros vêem como uma possibilidade, desde que estabelecido um patamar de acordo com a punição. 

“Qualquer modelo adotado no Brasil deve conter limite máximo de pena a partir do qual não será permitido o acordo”, sugere no documento o advogado Fabio Tofic Simantob. 

Um ponto do pacote em que há “evidente inconstitucionalidade” na opinião dos pareceristas é a possibilidade de gravar conversas entre advogados e clientes em estabelecimentos prisionais.

“Trata-se de proposta que atenta gravemente contra o direito de defesa. O Estatuto da Advocacia e da OAB já estabelece os pressupostos legais para o afastamento da confidencialidade”, dispõe o parecer. 

No tocante à ampliação da legítima defesa, o texto do documento ecoa diversas críticas anteriores à possibilidade de mudanças e finaliza pedindo pela “rejeição da proposta de alteração”. 

Para a OAB, as possibilidades de prisão após condenação em segunda instância ou após decisão do Tribunal do Júri – para casos de crimes dolosos contra a vida – apresentam “manifesta inconstitucionalidade”. Na primeira hipótese, afirma que  “a execução da pena, antes do trânsito em julgado, ofende o princípio constitucional da presunção de inocência”. 

Para a segunda ideia, o conselheiro e professor de Direito da USP Gustavo Badaró coloca que “a proposta mostra-se ainda mais perigosa, na medida em que os jurados decidem sem que seja necessário justificar suas decisões”, o que impõe a necessidade de que se possa ter uma reavaliação mínima por parte de desembargadores de um Tribunal de Justiça. 

O parecer recomenda ainda que o pacote de Moro – desdobrado em três projetos de lei – seja anexado ao PL que debate um novo Código de Processo de Penal e pede que o Legislativo “promova um amplo debate nacional prévio à votação dos projetos de lei, em razão da importância social e repercussão jurídica das matérias”.


 

Edição: Aline Carrijo