luta

Venezuela sedia Congresso Latino-Americano e Caribenho de Estudantes

18º CLAE reúne cinco mil jovens em Caracas para debater a situação da educação pública no continente

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
A abertura do CLAE teve um show na praça Bolívar-Chávez, na cidade de La Guaira, ao norte de Caracas
A abertura do CLAE teve um show na praça Bolívar-Chávez, na cidade de La Guaira, ao norte de Caracas - Foto: Ministério de Relações Exteriores da Venezuela

“As nações marcham rumo à grandeza no mesmo ritmo que avança a educação”, diz uma frase célebre do libertador Simon Bolívar. É na sua terra, em Caracas, onde cerca de cinco mil jovens estudantes de 14 países latino-americanos debatem a conjuntura atual e definem uma agenda de reivindicações comuns.

O Congresso Latino-Americano e Caribenho de Estudantes começou nessa segunda-feira (20), e vai até o sábado (25), com o lema “Unidade, luta anti-imperialista e educação emancipadora”. O evento acontece há 18 anos e é quando se elege uma nova diretoria para a Organização Caribenha e Latino-americana de Estudantes (OCLAE), criada em 1966, como iniciativa de 25 países da região.

Caminhando entre um grupo de trabalho e outro é possível encontrar jovens de todas as idades, desde estudantes secundaristas até pós-graduandos, compartilhando experiências e debatendo os horizontes das entidades estudantis.

 


Grupos de trabalho se reuniram em salas de convenções do Hotel Alba Caracas (Foto: Michele de Mello/Brasil de Fato)

Cortar em tudo, menos na educação

De forma geral, o panorama educacional nos países latino-americanos é similar: falta de investimento, riscos de privatização, falta de políticas de permanência estudantil. E o cenário é agudizado nas situações de crise econômica, como é o caso da Venezuela.

Josué Medina é graduando do sexto semestre de engenharia rural da Universidade Experimental Politécnica (UNEXPO), também coordenador nacional da Federação Venezuelana de Estudantes Universitários (FVEU). Ele explica que, além de exigir restaurantes universitários, residências e passe livre -- extinto em 2014 --, os venezuelanos também buscam uma solução para "a fuga de cérebros", tanto de estudantes, como de professores.

O anfitrião venezuelano conta que, só na UNEXPO, o índice de evasão acadêmica chega a 60%. O país, entretanto, segue sendo campeão em matrículas no ensino superior público no continente. Em 2018, foram 7,6 milhões de inscritos, mas o contexto de crise econômica segue levando muitos universitários a tentar a vida fora do país.

Para Medina, a solução seria aumentar o salário dos professores, que hoje ganham em média 70 mil bolívares (cerca de R$50), além de aumentar a fiscalização dos investimentos no setor. “Deveríamos cortar em tudo, menos na educação”, defende.

 


Quando questionado sobre uma saída possível para a crise, Josué Medina afirma que o objetivo deve ser “derrotar o capitalismo, porque só com o fim desse sistema poderemos construir uma educação pública, gratuita, de qualidade, popular e realmente emancipadora” (Foto: Michele de Mello/Brasil de Fato)

A situação econômica e política do país quase foi um empecilho para a realização do evento. Josué Medina afirma que algumas delegações defenderam que o 18º CLAE fosse realizado em outro país, como o Equador, o que fez com que os venezuelanos tivessem ainda mais vontade de sediar o encontro.

“É necessário entender que há um ataque imperialista contra a Venezuela. Mas nós sabemos que estamos preparados para enfrentar esse inimigo. Eles nos atacam, mas sabíamos que tínhamos condições de organizar o CLAE”, sentencia Medina.

A solidariedade com a Venezuela também foi um dos eixos do congresso. “A OCLAE surge numa perspectiva de luta anti-imperialista então é muito importante retomar esse horizonte e muito singular que esse congresso aconteça agora na Venezuela, que é o olho do furacão na América Latina”, afirma Gabriel Colombo, pós-graduando em Economia do Trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior de São Paulo.

Crise continental

Situação crítica também vive a Argentina, país com o segundo maior índice de inflação da América Latina -- cerca de 55,8% ao ano -- e que acaba de assinar um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Seguindo a política de ajustes fiscais exigida pelo FMI, o presidente argentino Maurício Macri determinou um corte de US$ 300 milhões nos investimentos em educação para 2019.

Guadalupe Viñuela, estudante de Ciências da Educação na Universidade Nacional de La Plata, também denuncia o desmantelamento das pesquisas científicas. A discente enumera alguns dos retrocessos em curso: “fim de bolsas, diminuição de verbas para pesquisas que já estão em curso, não nomeação de uma nova diretoria para o Conselho Nacional Científico, o que é um atentado contra nossa soberania nacional”.

A nível regional, governadores do partido oficialista Cambiemos têm implementado reformas curriculares, que, segundo Viñuela, buscam ampliar o caráter tecnicista do ensino, fechando escolas noturnas, que atendiam estudantes trabalhadores, acabando com a educação sexual e sucateando a infraestrutura.

É o processo que está sendo aplicado em Buenos Aires, onde vive e estuda Guadalupe. Para contrapor a proposta do governo, a estudante sugere a construção de plataformas unitárias que atuem na defesa de "um projeto integral de educação e ciência que esteja à disposição das demandas da sociedade”.

 


Guadalupe Viñuela acredita que eleições presidenciais de Argentina em outubro poderão ser ponto de inflexão para todo continente (Foto: Michele de Mellos/Brasil de Fato

Delegação brasileira contra os cortes nas federais

Apesar de não ter pedido empréstimo ao FMI, Jair Bolsonaro segue a mesma cartilha no Brasil. O anúncio de corte de 30% das verbas discricionárias das instituições de ensino superior federais, somado ao congelamento de 29 bilhões, provocado pela PEC 241, levou mais de um milhão de pessoas às ruas de 200 cidades do país e ecoou no território bolivariano, durante o CLAE.

Entre uma delegação de 50 pessoas, Lígia Fernandes, graduanda de Letras na Universidade de São Paulo (USP), membro da direção da União Nacional de Estudantes (UNE) e Gabriel Colombo, que também é diretor da Associação Nacional de Pós Graduandos (ANPG) contam com entusiasmo que os atos de 15 de maio servem de vitrine para mostrar a outros países latino-americanos que a organização estudantil é efetiva.

“Estamos aqui com o mesmo espírito das manifestações do dia 15 e com necessidade de a gente se pautar não só na resistência, mas também com uma perspectiva de futuro dos brasileiros. Existe muita revolta entre a juventude, mas precisamos canalizar isso para um horizonte com estes estudantes que percebem que a educação é importante também pelo seu poder emancipador. Precisamos que o CLAE tenha esse caráter político e programático de defesa da educação contra os ataques do imperialismo norte americano”, afirma a estudante paulistana.

Se o ditado diz que a juventude é o motor do mundo, um encontro de milhares de jovens de todos os cantos da América Latina faz mover mais uma engrenagem. De sonhos, mas também de objetivos claros são compostas as primeiras conclusões das delegações que assistiram ao 18º CLAE.

“Queremos que nossos países não dependam apenas de vontades individuais, mas que as políticas sejam definidas pelas vontades do povo. Esperamos que tudo que estamos debatendo aqui se traduza em força militante para alcançarmos o que queremos nos nossos países”, propõe a estudante argentina Guadalupe Viñuela.

Edição: Rodrigo Chagas