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Compostagem: prática envolve comunidade e transforma ruas em espaços verdes no DF

Hortas urbanas dão vida e cores às calçadas do Mercado Sul em Taguatinga

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Mutirão para construir as composteiras em dezembro de 2017
Mutirão para construir as composteiras em dezembro de 2017 - Webert da Cruz / Brasil de Fato
Hortas urbanas dão vida e cores às calçadas do Mercado Sul em Taguatinga

Para muita gente, as sobras de alimentos encontra um destino óbvio: o lixão, ambiente altamente poluente. Ao perceber a potência desses quilos e quilos de material orgânico, o coletivo Becomposto proporcionou à comunidade do Mercado Sul, conhecida também como Beco da Cultura, uma experiência de melhor aproveitamento desses resíduos no bairro de Taguatinga (DF), aproveitando os descartes dos moradores.

“Agroecologia não tem a ver só com planta. Agroecologia tem relação com ecologia. Na ecologia da cidade, o ser humano é um elemento extremamente importante”, afirma Arthur Sinimbu, permacultor e participante do coletivo Becomposto. 

Com objetivo de “compostar práticas e saberes para o bem viver urbano”, o grupo desenvolveu algumas ações agroecológicas na comunidade e que refletem no ambiente até hoje. Uma delas foi a aplicação de técnicas de compostagem que possibilitou a transformação de restos orgânicos em extratos que fortaleceram os canteiros e hortas do local.

Fotos: Webert da Cruz/ Brasil de Fato

A compostagem
Entre 2016 e 2017, os fazedores agroecológicos dialogaram com cada morador e foi proposto que cada residência tivesse uma lata de metal, também reciclada, que receberia todo o resíduo orgânico. Houve 22 adesões e recipientes foram distribuídos na comunidade do Beco. Durante os dias, cada resto de comida, casca de verdura ou qualquer bagaço de fruta foi depositado nesses recipientes com identificação do Becomposto.

Semanalmente, esse material foi depositado em duas leiras em um terreno próximo ao Mercado Sul, que também tinha uma roça próxima. Leira é uma espécie de caixa de madeira fincada no chão para o composto realizar suas transformações químicas. O ciclo de trabalho ocorreu duas vezes, cada uma com duração de seis meses. A primeira, de janeiro a junho de 2017, sendo que os primeiros três meses foram de coleta e a outra metade de descanso dos resíduos orgânicos. Diversos mutirões de moradores e apoiadores do movimento foram realizados para o manejo da estrutura.

No primeiro ano, estima-se a produção de 400 quilos de composto orgânico que fortaleça a terra para o plantio. Essa composteira comunitária possibilitou a ampliação de canteiros e área verde no Mercado Sul. O uso da comunidade desse projeto foi a possibilidade de terem na rua de casa mais plantas ornamentais, medicinais, aromáticas e temperos. 

“É possível encontrar alecrim, manjericão e boldo no Beco, a rua ficou mais bonita e saudável”, conta Silzia Freire, estilista ecológica visitante da comunidade.

O território das calçadas e asfalto foram tomados por jarros que permanecem até hoje. Cada metro quadrado do Beco é disputado por uma narrativa mais viva. A possibilidade de respirar um ar menos poluído do gás carbônico emitido dos carros que passam na avenida ao lado, por exemplo, é um alívio. Uma visão mais colorida se ergueu nesse conjunto de lojas entre prédios e casas taguatinguenses.

“Só o fato de você dar manejo no teu resíduo, também ajuda na questão do aterro sanitário. De diminuir o resíduo nos escoamento da cidade, desentope mais canais de esgoto”, afirma Juan Ricon, outro participante do Becomposto. 

Ele diz que tudo isso conta no ciclo da água. “Quanto menos água precisarmos para limpar nossa cidade, mais teremos economizado esse bem natural essencial para a vida’, acredita Juan.
Até um funk do Becomposto foi criado como uma maneira de envolver mais os jovens moradores do Mercado Sul. “E funciona assim: caminha pelo Beco, pega o resíduo, faz a seleção. Leva para a leira com autogestão, evitando doenças para a população”, fala a paródia da música Baile de Favela do MC João.

Fotos: Webert da Cruz/ Brasil de Fato

O Beco da Cultura
A comunidade do Mercado Sul existe desde a década de 1960 em Taguatinga Sul. O endereço QSB 12/13 foi um dos principais centros de comercialização de insumos para quem trabalhava na construção de Brasília, a nova capital. O tempo foi passando e na década de 70 e 80 ocorreram mudanças no local. Com a diminuição dos comércios de outrora, a boemia, prostituição, violência e o abandono de lojas despertaram uma fase mais obscura naquelas ruas.  

A partir dos anos 80, o movimento cultural da cidade passou a frequentar e dar mais vida ao espaço. A abertura da Adén Violões, a luthieria do mestre Dico, iniciou um processo de mudança. Em 2004, o ponto de cultura Invenção Brasileira fixou residência e, poucos anos depois, também instalou-se o mestre Virgílio, hábil artesão de resíduos sólidos de papelão e sacos de cimento no bairro.

Na última década vem ocorrendo uma paulatina ampliação das iniciativas artístico culturais e de outras áreas no Beco. Existe grupo de capoeira angola, oficina de costura, mamulengos, profissionais do audiovisual, núcleo de pesquisa em tecnologia livres, oficina de fabricação de instrumentos musicais, arte circense. Segue a consolidação de uma teia criativa que associa práticas artísticas a questões sociais, raciais, de gênero, econômicas e ambientais.

Nesse sentido, a comunidade do Mercado Sul reuniu condições interessantes para ocupar uma posição de vanguarda no desenvolvimento de soluções tecnológicas e arranjos comunitários que promovam uma nova ecologia urbana. Entre lojas e moradias, próprias, alugadas ou ocupadas, a comunidade segue num processo concomitante de revitalização do espaço urbano e de questionamento do modelo de cidade que temos.

Fotos: Webert da Cruz/ Brasil de Fato

Edição: Daniela Stefano