Diálogo

O que o governo da Venezuela e a oposição estão negociando na Noruega?

Primeira mesa de negociação foi realizada semana passada; entenda o que está em jogo

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |

Ouça o áudio:

Representantes do governo Nicolás Maduro e da oposição venezuelana, liderada pelo deputado Juan Guaidó, do partido Vontade Popular, participaram de uma negociação secreta na Noruega, mediada pelo governo local, na última semana. As duas partes não sentaram cara a cara, e sim, de forma separada com os diplomatas noruegueses. A informação foi repassada pelo governo Maduro e por opositores consultados pelo Brasil de Fato.

Continua após publicidade

Entre os delegados do governo, participaram o ministro da Comunicação e Informação, Jorge Rodríguez, e o governador do estado de Miranda, Héctor Rodríguez. Os representantes de Juan Guaidó eram o deputado Stalin González e o ex prefeito do município de Baruta (estado de Miranda), Gerardo Blyde.  

O governo venezuelano havia feito vários chamados públicos ao diálogo, mas o deputado Juan Guaidó sempre sinalizou que não sentaria para negociar enquanto Maduro estivesse no poder. “Nosso roteiro é claro. Queremos o fim da usurpação de poder, governo de transição e eleições livres”, repetiu em diferentes ocasiões. No entanto, isso mudou após os eventos do dia 30 de abril, quando uma tentativa falida de golpe de Estado resultou na prisão de dirigentes e militares apoiadores de Guaidó. Alguns deles estão foragidos e outros pediram refúgio em embaixadas, como é o caso do dirigente do partido Vontade Popular, Leopoldo López, diminuindo assim a capacidade da oposição seguir mobilizando seus apoiadores.

O que está em jogo

Diretor da empresa de pesquisa de opinião Data Análisis, o analista político Luis Vicente León afirma, que entre os temas que se pode conseguir negociação, "estão a convocação de eleições, um acordo para que a comunidade internacional revise todo processo institucional do processo eleitoral, para ter segurança de que haverá eleições livres, além do restabelecimento da legalidade da Assembleia Nacional e a liberação presos reivindicados pela oposição".

Identificado com a oposição, o analista explica ainda que, por enquanto, não há nenhum avanço real. “O que está acontecendo é que estão explorando quais temas podem estar sobre a mesa para haver algum tipo de negociação. Mas não há avanços reais. Esse tema da negociação na Noruega está avançando já há algum tempo. Os noruegueses [representantes do governo] vieram a Venezuelana várias vezes, se reuniram com muita gente e apresentaram sua metodologia”, conta.

Apesar dos temas serem vários, a pauta eleitoral é a que reúne mais divergência entre o governo e oposição. A proposta do presidente Nicolás Maduro, segundo suas últimas declarações, é a antecipação da eleição da Assembleia Nacional -- prevista para 2020, segundo o calendário do Conselho Nacional Eleitoral. Já os opositores querem novas eleições para presidente da República, exigindo que Maduro esteja fora do poder e que não seja candidato.

“Essas são as posições extremas. Não será nenhuma dessas posições as que serão acordadas”, diz León. “O tema eleitoral é a pauta principal entre as que estão sobre a mesa, mas com algumas matizes. O que a oposição quer é que Maduro esteja fora do poder durante às eleições. No entanto, o chavismo jamais vai aceitar entregar o poder para que tenham eleições. Se a oposição pudesse tirar Maduro, não necessitava negociar. Se não derrubaram Maduro, é porque não podem”, ressalta o analista opositor. Por outro lado, Maduro enfatizou na última segunda-feira (20): “Vamos a eleições da Assembleia Nacional”.

León ressalta que essas posições públicas também fazem para da negociação. “Essas são as questões que as partes colocam para provocar o adversário. O governo coloca a eleição da Assembleia Nacional para que a oposição recuse automaticamente”. Segundo o analista, o que está em jogo realmente é o que ele chama de “mega-eleição”, que inclui eleição da Assembleia Nacional e de presidente.

A deputada da Assembleia Nacional Constituinte, Maria Alejandra Díaz, apresentadora de um programa no canal estatal VTV e uma das porta-vozes do chavismo, também afirma que a eleição é o tema em que gravitam os principais debates entre chavistas e opositores nesse momento. Em sua opinião, as duas partes ainda estão longe de conseguir um acordo.

“Qual é a negociação que a oposição quer impor? Que o governo saia do poder. Querem novas eleições, supostamente livres. Mas, eles chegaram ao poder com esse mesmo sistema eleitoral, na eleição da Assembleia Nacional, em 2015. Agora, querem impor uma situação sob ameaça do canhão dos Estados Unidos”, aponta a deputada constituinte.

Para a chavista, o grupo de oposição liderado por Guaidó não respeita as regras do jogo. “Quando eles ganham às eleições, respeitam o árbitro, mas quando perdem, não reconhecem a legitimidade do árbitro. Isso não é possível no jogo democrático. No jogo democrático, se constrói a maioria na base do consenso. Para isso, tem que sair às ruas e conquistar a maioria”, ressalta Díaz.

Uma das propostas da oposição é a reforma do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), de acordo com declarações de diferentes dirigentes nos últimos meses. A deputada constituinte questiona essa exigência da oposição. “O sistema eleitoral venezuelano passa por 54 auditorias a cada eleição e é reconhecido mundialmente como um dos melhores do mundo. O problema não é o sistema. O problema é que os líderes opositores não construíram uma maioria que lhes permitam ganhar com votos e por isso querem impor pela força”.

Díaz também critica a aliança entre o grupo de Guaidó e o governo dos Estados Unidos. “O grave problema aqui é que a oposição venezuelana não é independente. Desde o exterior os EUA ditam como eles devem agir. Não há uma oposição nacionalista. Esses líderes opositores são capazes de pedir uma invasão militar contra seu próprio país”.

Além das eleições, outros temas estão sobre a mesa chavista nesse processo de diálogo com a oposição. “Que a Assembleia Nacional volte a legalidade, que se eliminem as sanções econômicas unilaterais dos EUA, que cesse a agressão econômica contra nosso país”, enumera a deputada constituinte.

A principal exigência do chavismo é o reconhecimento dos poderes do Estado. “Pedimos que a Assembleia Nacional reconheça a Nicolás Maduro como presidente da República, assim como a Assembleia Nacional Constituinte, e que respeite ao Tribunal Supremo de Justiça e cumpra sua sentença para assim voltar aos trilhos democráticos”, explica a constituinte.

Acabar com as sanções econômicas impostas pelos EUA à Venezuela é algo central para o governo venezuelano, segundo a deputada constituinte. “Foi a oposição venezuelana que pediu essas sanções econômicas. A Assembleia Nacional solicitou às sanções contra seu próprio país”. No entanto, ela avalia que o governo de Donald Trump dificilmente aceitaria retirar o bloqueio econômico. “Acredito que os EUA não estão dispostos a negociar essa questão econômica”, afirma.

Outros diálogos

A mesa de negociação na Noruega não é a única iniciativa de diálogo entre chavistas e opositores. Representantes diplomáticos dos países da União Europeia que conformam o Grupo Internacional de Contato visitaram a Venezuela, semana passada, e se reuniram com membros do governo e dos partidos opositores. O grupo foi criado por representantes de países europeus e latino-americanos para buscar uma solução pacífica para a crise na Venezuela.

O Grupo de Lima, composto por chanceleres de 10 países latino-americanos e do Canadá, adiaram uma reunião prevista para a semana passada -- o que foi interpretado como uma trégua às críticas contra o governo Maduro. Assim anunciou o ministério de Relações Exteriores da Guatemala: “Os países decidiram adiar o encontro a espera dos resultados da missão a nível político que realizará o Grupo Internacional de Contato”.

Inimigos do diálogo

Alguns líderes opositores criticaram a iniciativa do setor liderado por Juan Guaidó de sentar para negociar com o governo do presidente Nicolás Maduro. Um deles é o deputado Julio Borges, líder do partido Primeiro Justiça, que está na Colômbia, foragido da Justiça venezuelana, depois que o deputado Juan Requesens, de seu mesmo partido, confessou sua participação e de Borges no atentado a drones contra o presidente Maduro em agosto de 2018. “Nós não apoiamos nenhum tipo de diálogo”, afirmou Borges, em sua conta no Twitter, no dia 15 maio.

Esta semana, em um evento na cidade estadunidense de Miami, o chefe militar do Comando Sul dos EUA, almirante Craig Faller, defendeu que “é o momento de agir” contra o governo da Venezuela. Para Faller, a opção militar não está descartada. “O secretário de Estado [Mike Pompeo] e o presidente [Donald Trump] foram muito claros e consistentes sobre as opções que estão sobre a mesa, e eu já disse isso repetidas vezes. Meu trabalho como militar é estar preparado”, disse.

Por isso, é importante manter o sigilo das conversas nessa primeira etapa, segundo o analista político venezuelano Luis Vicente León. “Em uma negociação, você precisa entregar algo em troca do que vai pedir. Se não fossem secretas, as pessoas veriam primeiro seu sacrifício antes de ver o que terá em troca. Isso vai gerar inimigos, porque ninguém gosta de entregar nada. Os radicais se ativam para bombardear o processo”, ressalta.

O que se sabe até o momento é que os diálogos continuam, mas nenhuma das partes informou qual será o passo seguinte.

Edição: Daniel Giovanaz