Preso político

Em carta a Lenín Moreno, ativista sueco critica prisão sem provas ou fundamento legal

Detido desde abril em Quito, ativista digital escreve para presidente equatoriano da prisão e reafirma sua inocência

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Ola Bini escreveu uma carta que foi divulgada na semana passada
Ola Bini escreveu uma carta que foi divulgada na semana passada - Foto: Rodrigo Buendia/AFP

Preso horas depois do ativista Julian Assange num aeroporto de Quito (Equador), em abril passado, o ativista sueco Ola Bini reafirma sua inocência e pede liberdade em carta endereçada ao presidente do país, Lenín Moreno. No texto ele faz um relato das condições da prisão e fala da falta de elementos que justifiquem o ato extremo do governo.  

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"Tédio e pitadas eventuais de violência devem ser a pior parte da cadeia. Tédio, frustração, raiva, depressão. Tudo isso vem do mesmo lugar. Ninguém aqui fica incólume e suspeito que muitos sairão com sequelas psicológicas duradouras desta experiência. Tenho medo de isso acontecer comigo também. Para ser sincero, eu já não devia ser exatamente normal para começo de conversa, mas esta experiência não vai melhorar muito a situação", diz um trecho do documento.

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Abaixo, a íntegra da carta:

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Caro presidente Lenín Moreno,

Meu nome é Ola Bini. Sinceramente não tenho certeza se o senhor sabe ou não quem eu sou. O senhor apareceu em rede nacional há algumas semanas e disse umas coisas estranhas a meu respeito, então talvez esteja mal informado.

Vou me apresentar: sou da Suécia (não da Rússia nem da Suíça), moro aqui em Quito, no Equador, há mais de cinco anos. Chamo o Equador de lar. Gosto daqui. Tenho meu apartamento aqui, meus amigos, minha namorada, meu trabalho. E, nesses anos, tive uma contribuição talvez modesta, mas faço minha parte pelo Equador. Neste ano, eu estava no processo de solicitar um novo visto de dois anos e, depois disso, solicitaria um visto de residência permanente. Digo isso apenas para mostrar que tenho compromisso com seu país.

Cinco semanas atrás, fui detido no aeroporto de Quito. Essa prisão foi imprópria, feita de forma ilegal, desrespeitando meus direitos humanos e constitucionais de várias formas, e esses problemas persistiram nas cinco semanas que já passei no cárcere.

É aqui que fico confuso. Por que o senhor fez tudo isso comigo? O senhor me odeia tanto assim? Para quê? Sim, sei que sou amigo de um ex-asilado seu e o senhor e o senhor [Julian] Assange tiveram desentendimentos, mas isso é suficiente para me tratar dessa forma?

Seu promotor diz que estou sendo investigado por um ataque à integridade de sistemas informáticos. Mas ele não diz mais nada, a não ser que meus livros são suspeitos. Que sistemas ataquei? Quando? Como? O senhor sabe? Eu não sei.

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Seus juízes afirmam que represento um perigo à sociedade. Também dizem que existe a presunção de inocência e que a prisão não precisa ser punitiva. E depois me mandaram para a cadeia. Isso também me deixa confuso. Eu achava que a ideia da prisão significava punição. Como posso ser presumido inocente e ainda assim ser mandado para cá? Como posso ser presumido inocente, mas também considerado um perigo para a sociedade? Eu gostaria muito que o senhor pudesse esclarecer isso para mim.

Também estou pensando em algumas coisas que meu advogado me contou que apareceram na TV. Por exemplo, sua ministra do Interior afirmou em uma coletiva de imprensa que fui detido, mas isso aconteceu mais de três horas antes de um juiz assinar o mandado para a minha prisão. É assim que o judiciário deveria funcionar?

Vamos voltar ao que o senhor disse a meu respeito. Que eu ataquei sistemas informáticos, servidores e celulares. Se o senhor sabe isso, deve ter provas, certo? Por que o senhor não apresentou essas provas para seu promotor? Porque ele não tem provas contra mim. O senhor disse que eu estava fugindo do país e não estava nem com meus equipamentos de artes marciais; no entanto, na minha bolsa havia documentos que provam que comprei a passagem meses antes. E os documentos da promotoria também mostram que eu estava com meus equipamentos. Então por que o senhor falou essas coisas na TV para todo o país?

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Outra coisa dita em entrevistas coletivas foi que eu colaborei com Ricardo Patiño e trabalhei para desestabilizar o governo -- o seu governo. Posso garantir para o senhor que nunca conheci Patiño e não tenho nenhum interesse em desestabilizar o seu governo. Claro, não concordo com todas as suas políticas, não concordei com as escolhas do seu antecessor também. Acredito na democracia. O povo do Equador escolheu o senhor e eu acredito no Equador, e isso significa que quero que o governo do Equador seja forte.

Vou ser claro. Nunca fiz nada com o objetivo de atacar ou desestabilizar seu país. Não sou esse tipo de pessoa.

Senhor presidente, sinto que a questão é pessoal. Se puder, por favor, responda e esclareça minhas dúvidas e, se não puder, por que não interromper agora esta investigação? Tenho a impressão de que a opinião pública também está confusa sobre os motivos para você fazer isso comigo, e vai ficando cada vez mais confusa quanto mais isso se prolonga. Na minha humilde opinião, acho que o senhor deveria parar e me soltar, e assim podemos deixar para trás todo esse incidente vergonhoso.

Saudações cordiais,

Ola Bini, Cela 10, El Placer, CDP El Inca, Quito, Pichincha, Equador

P.S.: Senhor presidente, se o senhor quiser responder, por favor, escreva para o endereço acima. Se optar por responder em um pronunciamento, saiba que não tenho acesso a televisão neste presídio, então, neste caso, não receberei sua resposta.

Edição: João Paulo Soares