Minas Gerais

APREEENSÃO

Moradores de BH vivem em alerta diante do risco de rompimento de barragem da Vale

No último dia 25, simulados de evacuação foram realizados em dois bairros da capital

Belo Horizonte |

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Sebastião e Lúcia moram no local há 25 anos e agora temem futuro incerto
Sebastião e Lúcia moram no local há 25 anos e agora temem futuro incerto - Amélia Gomes / Brasil de Fato

A rotina tranquila dos bairros Beija Flor e Maria Teresa, ambos na divisa de Belo Horizonte com Santa Luzia, já não é a mesma há mais de dois meses. Apesar de estarem a quase 100 km do complexo minerário da mina de Fábrica, que fica em Ouro Preto na região Central do estado, as comunidades podem ser atingidas por causa dos rejeitos da mineradora Vale. Isto porque caso a barragem de Forquilha I se rompa, os rejeitos vão atingir o Rio das Velhas, como consequência o afluente do rio, o Ribeirão do Onça ficará retido, alterando o volume do córrego, o que levaria a uma inundação nessas regiões. Cerca de 123 imóveis do bairro Maria Tereza e 125 do Beija Flor estão na mancha de inundação calculada pela Defesa Civil do Estado. Ao todo cerca de 800 pessoas seriam atingidas diretamente. De acordo com informações da mineradora, a onda de rejeitos levaria cerca de 12 horas para atingir a região.

Maria Lúcia Alves de Almeida, mora no Beija Flor há 25 anos. Desde que soube da situação ela vive angustiada à espera do pior. "Eu vi lá no mapa que vai tampar isso aqui tudo. Eu fico muito triste porque a gente construiu isso aqui com tanta dificuldade. Eu fico pensando… será que isso vai acontecer mesmo? Às vezes eu nem consigo dormir de noite, qualquer barulho eu já fico assustada. Às vezes eu assusto até com o barulho de ambulância" desabafa.

As vizinhas Marisa e Cida vivem em alerta, sempre de olho no celular e nos SMS da Defesa Civil

Situação semelhante vive Maria Aparecida de Souza. Há 10 anos ela é moradora do bairro Maria Tereza e jamais imaginou que passaria por esta situação. "O povo aqui está tão apreensivo que essa madrugada até escutaram uma sirene, que nem soou. Fica essa tensão porque não tem dia, nem tem hora. Isso deveria ser precavido, mas infelizmente quem tem dinheiro é que fala mais alto e os classe baixa é que sofre", argumenta.

Culpa da privatização

Apesar do caso só vir à tona na última semana, quando os moradores realizaram a simulação de evacuação, a situação já era de conhecimento da mineradora e da Defesa Civil desde março. Pouco mais de um mês após o rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, dezenas de agentes do órgão e funcionários da mineradora estiveram nos bairros realizando o cadastro dos moradores. "Nós nem sabíamos que essa barragem de Forquilha ia atingir a gente. Quando estourou lá em Brumadinho a gente até comentou aqui falando graças a Deus que não tem barragem aqui perto. Passou um mês a Defesa Civil chegou aqui no bairro", explica Marisa Inácia de Souza, moradora do bairro Maria Tereza.

"Mesmo que depois a Vale fale que está seguro, eu não acredito. O problema da Vale é que ela omite muitas coisas. A gente nunca sabe o que está acontecendo de verdade. Quem garante que essa lama só vai chegar aqui depois de 11 horas? Eu não durmo porque não tem como confiar na Vale. Ela só fala as coisas na hora que a bomba está prestes a explodir", completa a moradora.

Na avaliação do aposentado Sebastião Pereira, que também pode ter sua casa atingida pela inundação, a situação é consequência de uma decisão errada no passado. "Esses problemas da Vale estão acontecendo porque o Fernando Henrique vendeu ela. E hoje nós estamos passando por isso aqui. Enquanto tiver vendendo o que nós temos, os ricos vão fazer o que querem com nossos bens e com a nossa vida", afirma o morador.

BH pode ter colapso no abastecimento

Na terça-feira (28) a CPI das Barragens da Câmara dos Vereadores esteve no complexo da mina de Fábrica. A comissão tem visitado todas as barragens localizadas na bacia do Rio das Velhas. A preocupação dos parlamentares é com o Sistema Bela Fama, que tem como principal manancial o Rio das Velhas. O sistema é responsável pelo abastecimento de água em 43% da Região Metropolitana de Belo Horizonte e em mais de 70% da capital mineira. Na avaliação da vereadora Bella Gonçalves (PSOL) a situação de Forquilha é um cenário grave. "A mineradora não está conseguindo fazer o monitoramento do dreno de fundo da barragem, então eles não têm como dizer se o fluxo de água drenado está normal ou não. Esse controle tem sido feito por drone, mas não dá para garantir a precisão, ou seja, o monitoramento está precário!", denuncia a parlamentar.

Segundo dados do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, além das barragens de Forquilha, outras 80 estruturas estão construídas na bacia do manancial, sendo que 7 delas estão classificadas em nível 3 de risco de rompimento.

Complexo Mina de Fábrica

O complexo minerário Mina de Fábrica, onde estão localizadas as barragens de Forquilha I, II, III e Grupo foi construído nos anos 70. O empreendimento fica à aproximadamente 68 km do centro histórico da cidade de Ouro Preto. No dia 27 de março todas elas foram reclassificadas em sua segurança, passando para o nível 3, que significa risco iminente de colapso. Nenhuma das estruturas possui a Declaração de Condição de Estabilidade.

Outras cidades na rota de rejeitos

Além de Belo Horizonte, as cidades de Ouro Preto, Nova Lima, Itabirito, Raposos, Rio Acima, Santa Luzia e Sabará também estão na rota dos rejeitos. Em 2009 as barragens Forquilha I e II tiveram seus reservatórios unificados. Juntas elas têm capacidade de aproximadamente 35 milhões de m3 de rejeitos. Já a barragem Forquilha III, a única que ainda estava em atividade, foi construída em 2000 e seu reservatório tem capacidade para 19 milhões de m3. A capacidade conjugada das três estruturas é de 55 milhões de metros cúbicos, equivalente à barragem de Fundão, que rompeu em 2015.

Edição: Elis Almeida