Paraná

ENTREVISTA

''Moro é herói anti-Lula fabricado pela grande mídia'', diz professor de comunicação

Tarcis Prado Jr avalia que a figura ex-juiz Sérgio Moro foi construída pela grande mídia para ser ''salvador da pátria''

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |

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Tarcis Prado Jr é responsável pela tese ''Livrai-nos do mal a tecnologia do imaginário na construção do heroi Moro pela mídia''
Tarcis Prado Jr é responsável pela tese ''Livrai-nos do mal a tecnologia do imaginário na construção do heroi Moro pela mídia'' - Arquivo Pessoal

Sérgio Moro é ''o personagem perfeito, a figura exata que traduziria o estereótipo do vencedor para a classe média'' e ''o herói ideal para essa parcela da população''. Essa é uma das constatações que o professor de comunicação na Universidade Tuiuti do Paraná, Tarcis Prado Jr., chegou após anos de estudo sobre a construção da figura do ex-juiz nos grandes veículos de comunicação.

Prado Jr é responsável pela tese de doutorado ''Livrai-nos do mal: a tecnologia do imaginário na construção do herói Moro pela mídia'', finalizada este ano. Em entrevista ao Brasil de Fato, o estudioso traça paralelos entre as estratégias das elites em usar o atual ministro da Justiça como símbolo e a relação entre a chamada ''jornada do herói'', tese desenvolvida pelo mitólogo estadunidense Joseph Cambell. Tarcis também discute o papel da Operação Lava-Jato e do próprio ex-magistrado dentro do governo Bolsonaro, e fala sobre a perseguição jurídico-midiática que sofre o ex-presidente Lula.

Confira abaixo trechos desta entrevista.

Brasil de Fato: Em sua tese você analisa a construção da imagem do ex-juiz Sérgio Moro na mídia. De onde surge a proposta desse estudo?

Tarcis Prado Jr: A tese parte de uma inquietação. Todo pesquisador fica incomodado com algo por isso ele vai atrás. Partiu de uma inquietação minha após uma visita em que fiz em um evento no Museu Oscar Niemayer, aqui em Curitiba (PR), onde eu vi alguns rapazes com uma camiseta escrita ''República de Curitiba: aqui se cumpre a lei''. E lendo aquela camiseta e vendo a atitude daqueles rapazes, como se eles estivessem ''encarnado'' essa figura que aqui é conhecida como ''gente de bem'', fiquei incomodado. Eu pensei: o que tem de tão diferente em Curitiba que só aqui se cumpre a lei? Cumprir a lei não é normal? Não deve se cumprir a lei São Paulo, no Rio de Janeiro? E na camiseta havia uma foto do juiz Sérgio Moro na frente, e dos dois lados havia uma foto do procurador Deltan Dallangnol e do procurador Carlos Fernando Lima. Então formava ali uma ''Liga da Justiça''. Aquilo me inquietou. Na mesma época eu comecei a ver uns adesivos falando do Moro nos carros aqui em Curitiba, e um deles, me inspirou para tese. Nele estava escrito: ''Sérgio Moro, livrai-nos do mal amém''. Uma coisa bíblica, divina, pedindo salvação divina. E eu comecei a estudar. E como eu sou da área da comunicação e estudo a área midiática há algum tempo, resolvi fazer uma tese a partir disso. Eu pensei o seguinte: “não é do nada que o juiz Sérgio Moro estava sendo colocado como herói”. E vi que a imprensa construiu esse herói. Passo a passo. A mídia constrói herói? Constrói.

Brasil de Fato: De que forma você considera que imprensa construiu uma figura de um ''mito'' em torno do Moro?

Tarcis Prado Jr: A mídia atua como uma tecnologia do imaginário, um instrumento que faz que o imaginário da população se materialize. E o imaginário é reservatório e motor: ele é reservatório dos nossos hábitos, do nosso estilo de vida, então tudo que a gente pensa e sente sobre algo faz parte do imaginário. E é motor também, porque a partir de toda essa carga emocional, você age provocado e estimulado pelo imaginário. E o que estimula isso? A tecnologia do imaginário, que faz que isso seja colocado na prática. E quais são essas tecnologias? Os cinemas e os jornais também. E o que esses jornais mainstream [comerciais e com grande alcance] – como ‘O Globo’, ‘Folha’ e ‘Estadão’ – fizeram? Eles construíram Moro como herói, principalmente após o início da Operação Lava-Jato. A “louvação” de Moro como herói começa principalmente na época das manifestações pelo impeachmeant da Dilma. Quando as pessoas vão para as ruas pedindo a queda da Dilma, elas vão com camisas, e faixas exaltando a figura do juiz. E por que elas vão com toda aquela carga? Porque a mídia diuturnamente falava: ''Moro manda prender'', ''mais uma operação'', ''moro pede aquilo'', ''perfil do Moro''... Então o que a mídia acaba fazendo – creio que involuntariamente – é o percurso da ''Jornada do Herói'', de Joseph Campbell. E isso pode ser identificado em vários filmes. O herói sai do seu mundo comum, então ele é um de nós, vive uma vida normal. E aí acontece alguma coisa, ele sai do seu mundo, passa por desafios, resolve e volta com o ''elixir''. Em resumo, o que Campbell fala na ''Jornada do Herói'' é que são três grandes fases: a partida, a iniciação e o retorno. Dentro dessas fases, o herói passa por dezessete estágios. E na tese eu coloco grande parte desses estágios que grande mídia passou na construção do Moro. Então a mídia faz a iniciação: tem reportagens que tem claramente a passagem do primeiro limiar, e tem a reportagem que é o ''elixir''. E foi muito legal que a tese durou até o final de 2018, porque o ''elixir'' que o Moro traz é a prisão do Lula. A prisão do Lula é a coroação da ''jornada do herói'' pela mídia. Então é como se estivesse tudo ''consumado'', como biblicamente aparece no evangelho. Jesus falando ''está tudo consumado'', em uma das frases que ele fala na cruz. Então a mídia diz ''está consumado: Moro prende Lula''.

A entrevista completa pode ser ouvida aqui

 

 

Edição: Francielly Petry