VENEZUELA

"Fazemos tudo para que a paz impere", diz prefeita de Caracas sobre brigadas civis

Erika Faria explica a formação e o treinamento das Brigadas Bolivarianas e seu papel na defesa da soberania nacional

Brasil de Fato | Caracas, Venezuela |
A prefeita de Caracas durante treinamento das organizações civis-militares
A prefeita de Caracas durante treinamento das organizações civis-militares - Fania Rodrigues

Mulher, negra, jovem e chavista, Erika Faria foi eleita prefeita de Caracas em dezembro de 2017 e tem como origem política as fileiras do movimento cívico-militar Frente Francisco de Miranda. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato ela explica como a capital venezuelana se prepara para uma possível invasão militar dos Estados Unidos, mas também para evitar a violência política interna, gerada pelos opositores do governo Nicolás Maduro.

Ela é uma das idealizadoras e organizadoras dos programas de treinamentos militares para a população civil, direcionados a dirigentes de movimentos populares e organizações comunitárias.

Embora a atuação de Faria ter sido sempre na militância de movimento social, ela aprendeu com a forma organizativa de seu movimento, que é militar. Ela explica como e porque a direção política do chavismo decidiu que seria positivo um treinamento militar para pessoas comuns.

A Venezuela, com sua Força Armada Nacional Bolivariana, que conta com elementos tradicionais de uma força militar — como o exército, marinha, aeronáutica e polícia —, difere de outros países ao possuir um quinto componente: a Brigada Bolivariana, hoje com 1,6 milhão de combatentes civis alistados formalmente para atuar como militares em situações de emergência nacional. Esse é um dos fatores chave para entender a união cívico-militar na Venezuela, que é o tema central dessa entrevista. Confira!

Brasil de Fato: Qual o é objetivo dessas iniciativas de treinamento civil-militar? Não existe o temor de esses treinamentos militares com civis sejam mal interpretados?

Erika Faria: É bom deixar claro que nós não temos nenhum interesse em promover a cultura guerreirista. Apenas estamos formando parte de um esforço de formação integral para a defesa da nossa pátria. Nós não queremos que haja guerra em nosso país. Nós amamos a paz. Estamos fazendo de tudo para que a paz impere. Mas, no mês de fevereiro, tivemos em Caracas cerca de 150 guarimbas [protestos violentos] e todas foram dissolvidas graças ao trabalho conjunto entre a polícia e a comunidade organizada. Agora, tendo maior conhecimento, fica mais fácil, inclusive para evitar que as guarimbas aconteçam. Mas, se os violentos pretendem tomar uma comunidade, queimar um centro de saúde, danificar uma escola, prejudicar a vida de algum companheiro, nós vamos saber como nos defender.

Qual tem sido a resposta do público participante?

Tudo isso está sendo muito bonito, porque também está servindo para unificar as organizações que atuam em Caracas. Mas também deixa em evidência o grau de voluntarismo do nosso povo na defesa do nosso país. Porque ninguém é obrigado a participar. Ao contrário, pois são eles que nos cobram. Me dizem: “quando chegará nossa vez?” Como a notícia de que estamos fazendo esse tipo de treinamento se espalhou rápido, as pessoas estão animadas em participar.

Em Caracas estão realizando treinamentos militares direcionados a líderes comunitários, dirigentes políticos. Pode contar um pouco mais os tipos de exercícios que realizam?

Em um desses exercícios, por exemplo, nós simulamos um protesto violento e armado. Porque cada vez que os opositores fazem guarimbas ele querem destruir a infraestrutura social e coletiva das comunidades. Tomamos um “Simoncito” (creche pública, para crianças de 0 a 6 anos) e treinamos a evacuação das crianças e como o neutralizar a violência. Estamos preparando o povo.

Porque decidiram realizar treinamentos militares com a população civil em Caracas?

Caracas é a capital do país e tem características diferentes, pois a concentração populacional faz com que as formas de defesa não-convencional sejam muito mais efetivas, pois vão muito além da proteção policial e militar. A comunidade aprendeu de maneira de defender-se. Em caso de invasão militar, as forças de segurança do Estado terão um papel e a comunidade, nos morros, terá outro.

População durante treinamento das brigadas. (Foto: Fania Rodrigues/Brasil de Fato)

Quantas pessoas serão treinadas ao total em Caracas?

Daqui até outubro vamos treinar mais de 100 mil pessoas. Irão participar todos os comitês do partido em nível de bairros e também das estruturas dos cerca de 40 principais movimentos populares de Caracas. Além disso, vão participar as organizações comunitárias das 12 mil comunidades da cidade. E os dirigentes terão que levar essa formação para as comunidades. Por isso vamos trabalhar com núcleos de defesa integral.

Também estão realizando formação política?

Além desses exercícios militares, estamos realizando uma formação chamada “Caracas Insurgente”. Entre os quadros de formadores estão grandes intelectuais como Luís Brito García (escritor), a professora Judith Valencia (economista e docente titular da Universidade Central de Venezuela), Pedro Calzadilla (historiador e ex-ministro da Educação), o Instituto Nacional de História e companheiros de diferentes universidades. Para formar não somente nas questões relacionadas a guerra, mas também em tudo o que tem a ver com o pensamento anti-imperialista, com o projeto nacional Simón Bolívar. Isso também vai permitir fortalecer a organização e a mística do povo organizado em Caracas.

Os treinamentos militares para civis também são feitos com armas de fogo. Como será a administração dessas armas depois?

A Brigada Bolivariana tem arsenal. Também sou brigadista, sou primeira tenente da Brigada Bolivariana. Em uma situação de contingência, ela tem seu plano de equipar-se, como uniforme, instrumentos e as armas do povo. Assim se organiza a Força Armada Nacional Bolivariana.As armas são fornecidas para os treinamentos, mas não serão entregue a eles de forma definitiva, pois em momento de emergência seguirão os planos da Força Armada.

Vocês têm informações sobre ataques feitos contra comunidades no dia 30 de abril, quando a oposição tentou dar um golpe de Estado?

No distrito de Caricuao, onde estamos, a oposição queimou a sede de uma comuna. Os manifestantes opositores eram mais de mil. Como não puderam passar para fechar a autopista, causaram esse incêndio. Nossos companheiros que estavam ali nesse momento, eram cerca de 200, mas como já estavam treinados, foi o suficiente para dissolver o protesto violento. Não teve mortos, nem feridos porque conseguimos isolar os violentos. Esse é o espíritos desses exercícios. Que nós possamos isolar aqueles que pretendem prejudicar a paz e a tranquilidade do nosso povo. Tem sido uma experiência maravilhosa.

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira