Rio de Janeiro

EDUCAÇÃO

Em meio a ameaça de extinção, política de cotas raciais na Uerj completa 15 anos

Dados da universidade mostram que abandono de matrículas é maior entre não-cotistas que entre cotistas da universidade

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
A Uerj destina 20% das vagas a candidatos da rede pública, 20% a negros ou indígenas e 5% a pessoas com deficiência
A Uerj destina 20% das vagas a candidatos da rede pública, 20% a negros ou indígenas e 5% a pessoas com deficiência - Thomaz Silva/ Agência Brasil

“Tenho orgulho em dizer que sou a primeira geração da família a entrar na universidade. Entrei pelas cotas e isso não desqualifica os meus saberes. Pelo contrário, isso qualifica as políticas públicas”, assim define a deputada estadual Dani Monteiro, ao comentar as cotas raciais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Aos 27 anos, a mais nova parlamentar da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) é também aluna de Ciências Sociais. Presente na última segunda-feira (10) na audiência pública que debateu um projeto de lei do deputado Rodrigo Amorim (PSL) que quer extinguir as cotas em universidades públicas, a deputada do Psol é contrária à proposta e explica as razões por meio de dados.

“São 519 anos de Brasil e 350 de escravização de mão de obra negra e dos povos originários indígenas. Há 15 anos, quando começou a política de cotas da Uerj, os negros com diploma universitário não chegavam a 3% no Brasil. Hoje, somos 15%, o que significa que existe um impacto e a necessidade de manutenção desse tipo de política”, avalia Dani.

Dados oficiais coletados pela Uerj nos últimos 15 anos, desde o início da implementação das cotas, mostram que a evasão é menor entre cotistas que entre os não-cotistas. Enquanto 36,4% dos alunos que entraram na ampla concorrência abandonaram suas matrículas, entre os cotistas esse percentual é 10 pontos a menos.

Nessa última década e meia, a Uerj coleciona exemplos de profissionais com formação humanística e competência científica. Aluna de uma das primeiras turmas com cotas, a socióloga Rachel Barros assegura que seu currículo foi essencial para que conseguisse ser admitida nos mais bem avaliados programas de mestrado e doutorado.

Retorno social

Todo o conhecimento que adquiriu na Uerj, no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e no Instituto de Estudos Sociais e Políticos(Iesp) Rachel retorna à sociedade. Oriunda do bairro de Vargem Pequena, “uma zona oeste meio rural” no Rio de Janeiro, como ela explica, a socióloga faz um balanço da sua vida.

“O meu antes e depois da Uerj é extremamente significativo. Entrei na universidade em 2003, como moradora de uma favela, sem perspectiva profissional e nenhuma capacidade de leitura crítica da nossa realidade”, analisa Rachel, que hoje trabalha como educadora na organização não-governamental Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional).

Além do salário digno, ela diz estar ciente do impacto da educação na sua trajetória de vida e das próximas gerações. “O futuro dos meus filhos será muito melhor que o que eu tive. Entrar na universidade é disputar poder e espaços de fala e desconstruir a ideia da meritocracia de que temos condições de igualdades de grupos brancos. Ainda ocupamos os piores índices sociais do país”, conclui.

Em setembro do ano passado, a Alerj prorrogou pelos próximos 10 anos a lei de cotas. A reserva de vagas na Uerj destina 20% das vagas a candidatos da rede pública, 20% a negros ou indígenas e 5% a pessoas com deficiência e filhos de profissionais de segurança. A deputada Dani Monteiro destaca a importância da diversidade de camadas sociais e cores na universidade: “A Uerj não lida com alunos excepcionais pelo desempenho normativo, ela lida com alunos excepcionais na sua bravura e ousadia”.

Edição: Mariana Pitasse