risco de vida

Em país das cesáreas, projeto na Alesp propõe ampliar acesso à cirurgia no SUS

Parlamentares e movimento de mulheres defendem investimento em parto natural, conforme protocolos do Ministério da Saúde

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Dos partos feitos no SUS, 40% ocorrem por meio de cesarianas. Na rede privada, o índice chega a 84%.
Dos partos feitos no SUS, 40% ocorrem por meio de cesarianas. Na rede privada, o índice chega a 84%. - Foto: Ana Nascimento/ MDS/ Agência Brasil 

Foi aprovado no início da noite de quarta-feira (12) na Comissão de Constituição e Justiça, o Projeto de Lei 435 da deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), que estabelece a disponibilização de operações cesarianas para as gestantes no Sistema Único de Saúde (SUS) a partir da 39ª semana de gestação, bem como analgesia, na opção pelo parto normal. A proposta, segundo os críticos, poderá incentivar ainda mais a prática do procedimento cirúrgico já recorrente no país.

Defensora do parto humanizado, a deputada estadual Beth Sahão (PT), indica o aprimoramento do pré-natal na rede pública e um plano de parto para as mulheres. “Um plano de parto que ela constrói junto com seu parceiro e com o médico que a acompanha. É o médico que vai indicar qual o tipo de parto mais indicado”.

De acordo com a petista, a visibilidade na oferta do procedimento cirúrgico, como dispõe a proposta, pode agravar a “epidemia de cesáreas” no País, que já é o segundo no mundo com maior taxa.

Conforme o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), de 2016, foram registrados 55,6% do total de nascidos vivos no país.

Dos partos feitos no SUS, 40% ocorrem por meio de cesarianas. Na rede privada, o índice chega a 84%. Em taxas de cesáreas, o país só perde para a República Dominicana (56%).

Partos e partos

O deputado estadual Emídio de Souza (PT-SP), que integra a Comissão de Constituição e Justiça da Alesp, apresentou voto em separado, já que havia parecer favorável do relator. No conteúdo, Souza destacou a inconstitucionalidade da propositura porque busca regular sobre matéria médica e alterar a competência de uma lei federal.

“O problema do País hoje não é oferecer mais cesarianas. Pelo contrário, é favorecer a ideia do parto natural. Essa é a política do Ministério da Saúde, ficando as cesarianas para casos em que o médico julgar [necessário]”, disse Souza.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que a taxa ideal seja de até 15% dos partos, com indicação apenas por razões médicas. “Não há uma entidade médica a favor desse projeto [de lei 435]. Não há entidades de mulheres a favor desse projeto. Não se preconiza isso em lugar nenhum do mundo. Cesariana não é a forma natural [do parto] por ser invasiva, ter riscos maiores de infecção”, diz o deputado petista, que quando foi prefeito de Osasco incentivou projeto de parto humanizado na cidade.

A proporção de mortes causadas por cesáreas é três vezes maior que a dos partos normais. “No parto normal são vinte e poucas mortes de mulheres para cada 100 mil nascidos vivos. No [parto] por cesárea são 62 mortes para cada 100 mil”, compara a deputada estadual Márcia Lia (PT).

Lia defende a qualificação do acolhimento da mulher desde o pré-natal até o parto; “é isso que as entidades, movimento de mulheres, Marcha Mundial de Mulheres, as doulas, obstetrizes lutam há mais de 40 anos”, ela explica. “Um parto humanizado, para que a mulher tenha condições dignas quando for dar a luz a seu filho. E não submetida a uma cirurgia que poderá levá-la a óbito”.

A autora do PL, deputada Janaína Paschoal (PSL-SP), em postagem em seu perfil no Facebook, nesta quinta-feira (13), sugere um caráter elitista a quem se opõe ao projeto. “Elas querem seguir fazendo cesáreas e impondo o parto normal (sem anestesia) para as usuárias do SUS. Quando alguém questiona a incoerência, elas processam. Bem na linha da democracia das pessoas de esquerda, que só admitem a divergência de quem concorda”.

Os parlamentares se negaram a comentar, mas Sahão defendeu a opção do parto cirúrgico para salvar vidas, quando a placenta está obstruindo a saída do bebê do útero, o cordão umbilical está em torno do pescoço do bebê ou a criança não estiver bem posicionada na hora do parto. Por outro lado, ela lembra que além de invasivo, o método está associado a um maior número de partos prematuros.

A taxa de prematuridade no Brasil é de 11,5%, quase duas vezes superior à observada em países europeus. Segundo especialistas, em muitos casos, os bebês são retirados antes do tempo correto, por conta de cesarianas agendadas ou por avaliação incorreta da idade gestacional.

Marcha repudia falta de discussão

A Marcha Mundial de Mulheres repudiou, por meio de nota, a urgência na tramitação da proposta na Casa, sem a prévia discussão com a sociedade, os movimentos, áreas técnicas de saúde da mulher, conselhos de saúde e o comitê estadual de prevenção da mortalidade materna.

“O Brasil ainda vive uma dura realidade da alta mortalidade materna, que nos anos 1980/1990 chegava a 143 mulheres por 100 mil nascidos vivos. Hoje, segundo o Ministério da Saúde, são 62 óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos. O Ministério da Saúde anunciou em 28 de maio, Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna, meta de reduzir a mortalidade materna para 30 por 100 mil nascidos vivos até 2030. Uma das ações que o Ministério propõe é justamente a redução das cesárias desnecessárias”, sustenta a nota.

Souza valorizou a unidade entre representantes de vários partidos no Legislativo, movimentos sociais e trabalhadores de saúde contrários ao PL. Ele acredita que a pressão organizada pode derrotar o projeto.

“Quem luta por um parto humanizado já vem há muitos anos incentivando mulheres grávidas, parturientes, a receber no sistema público de saúde toda a orientação, treinamento, acompanhamento; fazer um pré-natal, que possa reforçar que o parto normal é melhor pra ela e para o bebê”, diz Beth Sahão.

Trâmite do PL

Na última quinta-feira (13), a propositura da deputada Janaína Pascoal (PSL) recebeu emenda de plenário e voltou às comissões. Presidente já convocou Congresso de Comissões para terça-feira (18), às 15, para discutir o projeto. Depois segue para plenário.

Na próxima quarta-feira (19), as frentes parlamentares de Combate ao Racismo, dos Direitos das Mulheres e Em Defesa da Vida das Mulheres promovem, a partir das 9h, a audiência pública "O parto e a saúde integral da mulher e da criança", com especialistas de entidades médicas, movimento de mulheres e conselhos, para debater o PL 35/2019 e a ameaça de votação “a toque de caixa”. 

Apesar de dois adiamentos para que o requerimento de urgência não passasse, no último dia 12 foi aprovado e, com isso, agora o PL das cesarianas não tramitará nas comissões de saúde e da mulher, apenas ano Congresso das Comissões, para em seguida ser votado pelo plenário da Assembleia Legislativa paulista.

 

(atualizado em 14/06/2019, às 15h04)

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira