Comércio

Entre trilhos e asfalto: a quinta-Feira do Planalto

O dia dos pequenos comerciantes que vendem alimentos na feira livre do bairro localizado na Zona Oeste de Natal/RN

Brasil de Fato | Natal (RN) |
Thayane Guimarães
Thayane Guimarães - Barracas se aglomeram entre um cruzamento no início da principal avenida do bairro.

São 16h30 da tarde quando Francisca Canindé, 64, debulha vagens de feijão verde em sua banca na Feira do Planalto, uma das 21 feiras livres existentes na cidade de Natal/RN.
A cada pessoa que passa, ela grita, brinca, chama, sorri e negocia suas mercadorias: “Ei! Cinco reais o pacote viu?! Cinco reais!”.
Dona Chica do Pau, como também é chamada, conta a quem pergunte como chegou até ali.
Aos 18 anos de idade, comprava verduras verdes — folhagens de todos os tipos — para picotar e vender de porta em porta no bairro onde morava. “Saía com a bacia na cabeça: ‘olha a verdura verde! Olha a verdura verde!’ E o povo comprando”.
Logo então, foi trabalhar na Feira das Rocas, Zona Leste de Natal, com o irmão mais novo. Vendendo batata, cenoura e cebola, afirma que ganhava pouco, apesar do árduo trabalho. “Saia de casa e ainda tinha que pagar a passagem”. Tendo que dividir o faturamento com o parente, logo viu que era mais viável trabalhar sozinha.
No início vendia de “tudo”, porém, com o tempo, foi passando a vender somente feijões. “Assim, quando as coisas estão melhorzinhas é feijão, é banana… o que eu achar mais em conta, eu trabalho”, conta.
As mudanças
São 15h50 da tarde quando a buzina estridente anuncia a aproximação do trem que passa ali perto. Bem perto, inclusive. Não mais do que 30 metros das primeiras barracas. Já é o segundo na tarde da quinta-feira, único dia da semana de funcionamento da feira.
A linha férrea, que fica no limiar entre os bairros do Planalto e Satélite, Zona Oeste de Natal, serve também de referência sobre a posição e ocupação da feira ao longo dos anos.
Fonte de renda para uns, incomodo alheio a outros, a feira teve muitos endereços, sempre pulando para este ou aquele lado da linha do trem.
Quando as primeiras barracas chegaram, por volta dos anos 90, a ocupação urbana do bairro ainda era tímida. Com poucas casas e tranquilidade na movimentação dos moradores pelas vias, toda semana a feira tomava grande parte da entrada principal do Planalto.
Logo após o entroncamento com a linha do trem, a Avenida Monte Rei, principal e até então única via de acesso ao bairro, e seus canteiros de terra batida abrigavam a primeira manifestação de comércio ao ar livre na localidade.
Tanto o bairro quanto a feira cresceram, ao ponto de carros se confundirem em meio às barracas. Sob a justificativa de que atrapalhavam o trânsito da Monte Rei, os feirantes foram realocados, passando então a montar suas barracas do outro lado da linha, em um terreno baldio sem vias.
No entanto, o espaço não era ocupado tão somente nos dias de quinta-feira.
O comércio das feiras, para além de favorecer um ambiente de transações econômicas em meio à multidão de bancas, fez com que uma série de pequenos negócios surgissem no entorno do local onde se montavam as tendas.
As chamadas cigarreiras — pequenos negócios familiares, normalmente ligados à venda de lanches, refeições, bebidas e artigos gerais de pequeno valor, incluindo cigarros, de onde derivam seu nome — ocupavam naquele tempo toda a marginal do terreno.
Ex-donos de uma cigarreira que funcionava como boteco e restaurante às margens da feira, Maria José, 44, e Josiel Mateus, 48, lembram-se do tempo em que ali não havia nada além de terra batida no chão.
Se balançando numa rede armada nas árvores que ele mesmo plantou para dar sombra aos clientes, Josiel admira a feira ao longe, contando do tempo em que sua cigarreira ainda estava de pé.
O casal acompanhou a mais recente mudança de posição da feira, motivada por uma proposta da Secretaria Municipal de Saúde de Natal (SMS) para construção de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) na região.
Com um possível candidato para o endereço da UPA, ordens para limpar o terreno foram emitidas. A feira passou para o outro lado da rua. Tal mudança prevalece até hoje.
Dona Chica conta que no decorrer dessas transferências o público que frequentava a feira foi diminuindo. 
“Quando eu trabalhava ali, do outro lado, numa hora dessa eu já estava quase com o dinheiro da mercadoria; e quando fosse de noite, já estava com um dinheirinho para comprar uma tripa, uma verdura ou uma banana pra levar pra casa. Mas agora está assim deste jeito: péssimo!”, lembra.
Apesar disso, ela avalia que esse esvaziamento é consequência do aumento de supermercados na cidade.
As estruturas
São 16h42 da tarde quando o trem passa pela terceira vez naquela tarde, novamente misturando os sons de sua buzina com os ruídos da feira. Embora o barulho seja frequente durante todo o dia, Dona Chica não parece se desanimar em nenhum momento.
A feirante diz que chega às 5 horas da manhã para organizar algumas bancas e só vai embora por volta das 20h ou 21hrs da noite. Ela é responsável por cuidar da integridade, reserva e aluguel de algumas bancas de madeira utilizadas pelos feirantes.

“Quando cai um pedaço, prego um pau!”, diz ela que recebeu o apelido de “Chica do Pau” por isso.

A forma como Dona Chica posa para foto diz muito sobre sua personalidade / Foto: Thayane Guimarães.

 

Sorriso sempre de pé
São quase 17h da tarde quando perguntamos a Dona Chica se ela gosta de trabalhar na feira. “Me sinto, me sinto!”, responde quase com um brilho nos olhos.
“Aqui eu passo o dia me divertindo, brincando, sou muito conhecida em feira, todo mundo gosta de mim! Enquanto Deus não me tirar, eu continuo trabalhando em feira!”, ressalta.
Não é por menos toda sua alegria por aquele lugar, os feirantes que estão ali por perto sempre demonstram um certo companheirismo. Seja na ajuda do troco, em olhar a mercadoria enquanto ela sai por alguns minutos, ou até nas brincadeiras que fazem com ela.

Edição: Marcos Barbosa